Pode haver um milagre na economia sem controlar a pandemia?
Portugal deve apostar tudo em controlar a pandemia agora, evitando uma quebra ainda maior da confiança, mesmo que para tal seja necessário abrir os cordões à bolsa.
Portugal começou bem o combate à Covid-19. Apostou em controlar a pandemia rapidamente para poder reduzir as restrições também o mais rapidamente possível. No entanto, desde maio que é evidente que esta estratégia tem vindo a falhar. Portugal desconfinou cedo demais, com pouco controlo em algumas áreas. O número de novos casos tem vindo sempre a aumentar e a confiança e a economia e já se começam a ressentir. A estratégia do Governo parece ser esperar pela Bazooka europeia, mas esta vai tardar a chegar. Até lá, importa garantir que a saúde e a economia aguentam e só há uma forma de o fazer: abrindo (ainda mais) os cordões à bolsa com mais transferências diretas para as famílias e empresas.
Portugal foi dos países mais proactivos no inicio da pandemia. Não só implementou mais medidas restritivas de circulação do que a média dos países, mas também o fez relativamente mais cedo, ainda antes desta chegar em força. Assim, conseguiu deixar vários sectores abertos durante mais tempo do que muitos países, minorando o impacto na atividade económica. Esta estratégia estava correta, já que sendo dos países com maior peso do turismo e dos que tem menos margem de manobra para medidas publicas diretas, Portugal deveria apostar em controlar a pandemia o mais rapidamente possível, para que as limitações da atividade económica tivessem a menor duração possível.
Gráfico 1 – Novos casos de COVID-19 por milhão de habitantes e Rigor das medidas restritivas
No entanto, é cada vez mais evidente que esta estratégia começou a falhar. Portugal iniciou o desconfinamento cedo demais, numa fase em que a curva epidémica não tinha ainda achatado tanto como na maioria dos países europeus. Sendo dos países mais ocidentais da Europa, e deslocando-se a pandemia de oriente para ocidente, seria de esperar que Portugal fosse dos últimos a desconfinar, ou que o fizesse pelo menos depois da maioria dos países – não o fez, e como sabemos, os casos voltaram a subir, ao contrário do verificado no resto dos países europeus. Assim, Portugal viu-se obrigado, não só a começar a reduzir as medidas mais lentamente do que o resto da Europa, mas também teve de dar alguns passos atrás e a recolocar o dever de confinamento em algumas freguesias da grande Lisboa.
Este menor controlo da doença teve impactos económicos imediatos. Não só devido às medidas restritivas, mas também porque gerou uma quebra de confiança. Sem controlo da pandemia, não há confiança, não só das empresas e famílias portugueses, mas também dos investidores e turistas estrangeiros. E sem confiança e sem turismo, não há recuperação económica. Ou seja, como muito se tem dito, não existe um trade-off entre o controlo da doença e a economia: sem a doença devidamente controlada a economia também não recupera. E é isso mesmo que tem vindo a transparecer não só nos dados económicos que revelam uma recuperação mais lenta em Portugal do que noutros países europeus, mas também nas estimativas que vão sendo cada vez mais revistas em baixa. Vai ficando cada vez mais claro, que depois do fim do suposto milagre do combate à pandemia, também não haverá milagre económico
Dias depois da aprovação do orçamento suplementar (ou retificativo), a Comissão Europeia (CE) reviu em baixa as suas estimativas para a maioria dos países europeus, sendo Portugal o país que teve a maior revisão negativa. A CE espera agora uma recessão de perto de 10% este ano, uma das maiores contrações dos países da moeda única (fica para trás a famosa “convergência”) e uma revisão em baixa de 3% face às anteriores estimativas da primavera (como se pode ver no Gráfico 2). Esta revisão tão acentuada, e em tão pouco tempo, deve-se principalmente a dois motivos: medidas mais restritivas face ao esperado em Maio (devido ao aumento de casos registado desde então) e uma maior quebra do turismo (que pode retirar cerca de 6.5% ao PIB em 2020, de acordo com estimativas da ONU).
Gráfico 2 – Revisão das estimativas da Comissão Europeia do crescimento do PIB em 2020 face a Maio de 2020
De facto, sem controlar devidamente a pandemia, não há confiança. Não basta organizar os jogos finais da Liga dos Campeões nem abrir centros comerciais e apostar em discursos e exemplos mobilizadores para o regresso à “normalidade”. É notável neste caso comparar Portugal com a Grécia, um país onde o impacto direto do turismo é semelhante a Portugal (cerca de 10% do PIB), mas que até acabou por ver as suas estimativas melhoradas nos últimos meses devido a um controlo mais rápido e eficaz da pandemia.
O Governo mantém para já a sua estimativa de uma queda do PIB inferior a 7% ainda que, surpreendentemente, segundo as ultimas noticias, o consultor especial do primeiro-ministro, António Costa Silva, estará a preparar o seu plano de recuperação da economia portuguesa com base num cenário de uma queda do PIB de perto de 12% — praticamente o dobro do esperado pelo Governo no orçamento suplementar! Será que o tão aguardado plano vai ser mais realista do que o orçamento, será que teremos um novo orçamento suplementar (ou retificativo) ainda antes do final do ano? Ou será que este orçamento agora aprovado não será devidamente executado?
Quanto a isso já vamos tendo algumas pistas. O ministro das Finanças já deixou antever que o défice esperado para este ano andará perto de 7% do PIB, cerca de 0.7% acima do inscrito no orçamento. Segundo João Leão, esta diferença dever-se-á não a um pior cenário macroeconómico, mas ao impacto das medidas apresentadas pela oposição. Ou seja, a versão do orçamento aprovada no parlamento, é mais expansionista do que a proposta apresentada pelo governo, sendo que este não parece muito preocupado com isso.
Gráfico 3 – Estímulos orçamentais diretos (% do PIB)
E de facto, o Governo não deve estar preocupado nesta fase com um maior aumento do défice — desde que este resulte de medidas de compensação do rendimento das famílias e empresas, que ajudem no combate à pandemia. Para além do desconfinamento demasiado rápido, outro erro cometido por Portugal foi um excessivo conservadorismo orçamental.
Segundo estimativas do Think Tank Bruegel, Portugal foi dos países europeus que aprovou menos medidas orçamentais diretas para colmatar o impacto da recessão. Este conservadorismo é justificado pela frágil situação orçamental portuguesa e pelo elevado nível de dívida, mas ainda assim, Portugal foi mais conservador do que outros países altamente endividados como Itália ou Grécia. O Governo português foi menos generoso em apoios de desemprego parcial, assistência à família e a crianças sem ensino presencial e até quanto a apoios de doença – basta ver que só agora com este orçamento e depois de alterações aprovadas no Parlamento é que as baixas por Covid-19 serão pagas a 100%.
Com menos apoios públicos, não só o impacto económico das medidas restritivas é maior, mas pode também aumentar o risco de contágio: quantos trabalhadores não terão optado por trabalhar, deslocando-se em transportes cheios, mesmo tendo alguns sintomas, ou vivendo com quem os tenha, ou mesmo esteja infetado, devido à falta de rendimentos?
Chegados aqui, importa pensar no que fazer a seguir. Não se deve nem insistir em supostos milagres, quer de combate à pandemia quer de “convergência” económica com a União Europeia nem cair em depressão. Portugal evitou um desastre sanitário, mas o combate a esta pandemia vai ser longo, e passar por várias fases.
Nesta fase, Portugal deve ainda apostar tudo em controlar a pandemia e mitigar o impacto económico de curto prazo, evitando ao máximo a perda de rendimento das famílias e a falência de empresas. Para isso, deve apostar mais em apoios económicos diretos às famílias e empresas das zonas mais afetadas:
- Não só decretar o dever de confinamento mas eventualmente ir mais longe e confinar as áreas mais afetadas assegurando totalmente os salários e rendimentos de quem lá vive
- Assegurar mais apoios diretos para as empresas e trabalhadores dos sectores mais afetados como o turismo e pequenas empresas em maiores dificuldades.
Esta fase é crítica. Portugal deve apostar tudo em controlar a pandemia agora, evitando uma quebra ainda maior da confiança, mesmo que para tal seja necessário abrir os cordões à bolsa. Já está visto que abrir a economia cedo demais e sem controlo da pandemia pode ter ainda maiores custos. Vai ser necessário pensar em medidas de longo prazo, para quando chegar a tão esperada Bazooka europeia, mas parafraseando Keynes, no longo prazo estamos todos mortos… para já o importante é ainda controlar efetivamente a doença e o seu impacto de curto prazo. Não há economia, nem confiança, sem saúde.
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