Populismo económico

Se ganhar, Trump levará de novo para a Casa Branca a sua versão de populismo económico. Se o epicentro é a maior economia do mundo, as ondas sísmicas vão ser sentidas em todo o globo.

Joe Biden aceitou o inevitável e Kamala Harris é agora a mais provável adversária de Donald Trump nas presidenciais. O Partido Democrata ganhou nova energia, mas o herói conservador glorificado por uma tentativa de assassinato será difícil de derrotar.

Se ganhar, como indicam as sondagens, Trump levará de novo para a Casa Branca a sua versão de populismo económico, marcadamente nacionalista e às vezes contraditória, a condizer com a personagem. Se o epicentro é a maior economia do mundo, as ondas sísmicas vão ser sentidas em todo o globo.

O candidato republicano promete continuar o trabalho iniciado em 2016 e aumentar ainda mais as taxas aduaneiras. A China será o principal alvo. Se no primeiro mandato as taxas subiram de uma média de 3% para quase 20%, agora Trump diz que quer elevar a fasquia até aos 60% ou mesmo 100%. Admite mesmo pôr fim à importação de bens essenciais. Não é uma redução da exposição ao país de Ji Xinping; é uma rutura.

O seu companheiro de corrida, JD Vance, afina pelo mesmo discurso contra a China e a favor da indústria americana. Uma agenda que, diga-se, Biden seguiu e aprofundou. Mas Trump vai sempre mais longe.

As taxas aduaneiras não são apenas uma medida protecionista, são uma arma para pôr outros países na linha. “Como é bom para a negociação? Tive tipos, tive países que eram potencialmente muito hostis vir ter comigo a dizer: ‘por favor acabe com isso das tarifas'”, relatou à Businessweek.

Há outro défice da balança comercial de que Trump não gosta: com a União Europeia. Está já reservada uma taxa aduaneira mínima de 10%, a aplicar a todos os países, exceto a China.

O problema das medidas protecionistas é que levam a outras medidas protecionistas do lado do visado, numa espiral com implicações nefastas para a economia. Protegidas da concorrência, as indústrias tendem a descurar a inovação, a eficiência e a produtividade, a prazo definhando em vez de florescerem.

O outro traço marcante do populismo económico do atual partido Republicado é o ataque à imigração, que se espera seja ainda mais agressivo. Dêmos o palco a JD Vance: “Acabou-se a importação de mais mão de obra estrangeira; vamos lutar pelos cidadãos americanos, pelos seus bons empregos, pelos seus bons salários”.

No contexto atual, esta é uma falsa questão. A taxa de desemprego está a subir ligeiramente, mas mantém-se em níveis historicamente baixos: 4,1%. A economia americana tem falta de mão de obra: há 6,8 milhões de desempregados para 8,1 milhões de vagas abertas nas empresas. Se Trump conseguir cumprir a promessa, haverá pressão para os salários subirem.

Quer a subida das taxas aduaneiras quer o fecho de portas à imigração terão um impacto inflacionista, o que por sua vez retirará espaço para a Reserva Federal descer as taxas de juro. Isso conduzirá a um dólar mais elevado, o que tenderá a aumentar a inflação importada nos outros países

O populismo económico é também tendencialmente negacionista em relação às alterações climáticas. A estratégia de Trump para baixar os preços passa por ter combustíveis mais baratos, dando carta branca à exploração petrolífera e de gás natural. Um porta-voz da campanha disse no final de junho ao Politico que a intenção é voltar a tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris.

Nesta nova cartilha há também lugar a discursos contraditórios. Natural do Ohio, nascido numa família humilde, JD Vance entrou no ticket presidencial como um trunfo para ganhar apoio nos estados do chamado Rust Belt, onde a indústria definhou com a globalização. Fiel ao seu papel, diz que acabou o tempo de “agradar a Wall Street”, de ter um “líder que não está no bolso dos grandes negócios” e “assumir o compromisso com os trabalhadores”. É um posicionamento legítimo, só não cola com a promessa de Trump de manter as reduções de impostos para os mais ricos, baixar mais os impostos às empresas e avançar na desregulação, como tem prometido aos grandes doadores. Medidas que irão manter o défice federal elevado e elevar uma dívida que já ultrapassa 100% do PIB.

O grau em que esta agenda será aplicada dependerá de quão ampla for a vitória Republicana (se vier a acontecer). Se além da presidência, o partido conseguir alargar a maioria na Câmara dos Representantes e recuperar a do Senado, Trump será difícil de travar.

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