Portugal deve ter energia nuclear?
Para Portugal, uma alternativa 100% renovável em 2050 é a melhor alternativa face ao nuclear. Mas só se pode concluir fazendo as contas. Um esforço que vale a pena.
Portugal deveria ter energia nuclear? Não sei, não conheço nenhum estudo atualizado que a considere. E procuro seguir o princípio “Don´t guess, compute!”.
1.) As grandes decisões que afetam os países devem ser questionadas periodicamente. E sem tabus. A própria França, que tem sido o país do “tout nucléaire” decidiu inverter a situação e apostar, também, nas energias renováveis.
Uma lei de 2015 limita a potência nuclear do País a 63,2 GW. E foi decidido reduzir a eletricidade anual produzida com nuclear a 50% do total. Uma grande inversão, pois atualmente 70% da eletricidade francesa é produzida por esta via.
2.) Em França fazem-se as contas, e recentemente a RTE, que é o Operador do Sistema de Transmissão francês efetuou o estudo de referência “Futurs energétiques 2050”, que considera 6 cenários, para 2050, que vão desde o com 100% de energia renovável, até ao que considera um máximo de energia nuclear.
Todos são viáveis tecnicamente. Do ponto de vista económico, ganharam os que contêm energia nuclear. Esta vantagem resulta, em parte, de se considerar o prolongamento da vida útil dos reatores atuais até aos 60 anos, o que é mais económico do que construir reatores novos. E de para os novos reatores se ter utilizado uma taxa de desconto de 4%.
A RTE não tomou posição por qualquer dos cenários, mas os que parece privilegiar são o M23, que aposta nas energias renováveis e o N1 onde a energia nuclear é dominante. Ambos contêm nuclear e muita energia renovável.
3.) O cenário M23 “renováveis”, considera 125 GW de solar, 72 GW de eólica “onshore”, 60 GW de eólica “offshore” e 16 GW de nuclear “histórica”. Já o cenário N2 “nuclear” considera 90 GW de solar, 52 GW de eólica “onshore”, 36 GW de eólica “offshore”, 16 GW de nuclear “histórica” e 23 GW de nova nuclear entre os quais 14 GW de EPRs (grandes reatores de tecnologia francesa).
Entre os 6 cenários considerados, embora haja um sem energia nuclear, não há nenhum só com energia nuclear. Porque não haveria tempo de construir os reatores necessários até 2050.
4.) E os custos? A RTE calculou, para a França, os custos totais anualizados dos diferentes cenários e neste critério as alternativas com mais energia nuclear ficaram melhor colocadas.
O cenário N1 tem um custo de 61 mil milhões de Euros por ano, o que compara com 71 mil milhões do M23. A vantagem dos cenários com nuclear não resulta dos custos da eletricidade produzida por esta tecnologia, pois a eletricidade produzida pelos reatores nucleares é mais cara do que a renovável, mas do facto do cenário “renováveis” implicar maiores custos de flexibilidade e também de redes de transporte e distribuição.
O cenário M23 “renováveis” precisa de um grande investimento para compensar a volatilidade das energias renováveis. Recorre às seguintes tecnologias: gestão da procura (15 GW), térmica descarbonizada (20 GW), baterias (13 GW) e também à gestão do carregamento dos veículos elétricos (1,7 GW). É daqui que vem o sobrecusto desta alternativa.
5.) Pessoalmente, sou da opinião que, para Portugal, uma alternativa 100% renovável em 2050 é a melhor alternativa. Mas só se pode concluir fazendo as contas. Um esforço que vale a pena.
Criar uma opção nuclear tem valor, mesmo que ela não venha a ser exercida. Construir uma opção nuclear obriga, também, a começar a criar no País conhecimento e uma cultura de nuclear, o que leva anos.
Como primeiro passo, gostaria de ver ser criada no IST, que foi a minha escola, uma cadeira sobre energia nuclear. Porque a tecnologia está a evoluir, e os novos reatores de tipo SMR, modulares, mais pequenos e flexíveis, podem vir a ser a melhor forma de fornecer a flexibilidade indispensável a um sistema com muita energia renovável.
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