Quem serve a Autoridade Tributária no IMI das barragens?
Dos despachos do SEAF e do parecer da PGR resulta claramente e sem margem para quaisquer dúvidas, que as barragens deviam pagar o IMI desde que foram construídas (início da década de 1960).
Sabemos hoje que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) emitiu um segundo despacho, no mês de agosto, ordenando à AT a liquidação e cobrança do IMI sobre as barragens.
Sabemos também que, em 3 de fevereiro findo, o mesmo SEAF havia emitido um despacho ordenando à AT que liquidasse e cobrasse o IMI sobre as barragens.
Sabemos que este segundo despacho levou a que, finalmente, a AT notificasse a EDP e a Movhera para entregarem a declaração do IMI, que é indispensável para avaliação das barragens.
Daqui resulta uma conclusão: A AT não cumpriu o despacho de fevereiro de 2023 do SEAF que a tutela. A notificação das empresas para entregarem a declaração necessária à avaliação das barragens, poderia e deveria ter sido logo emitida pela AT, ainda em fevereiro.
Por que motivo a AT não cumpriu o despacho do SEAF de 3 de fevereiro?
Por que motivo o SEAF se viu obrigado e emitir um segundo despacho?
Não é normal que a AT necessite de um despacho da sua tutela política para liquidar impostos a um determinado contribuinte. Podemos dizer mesmo que é insólito este despacho, porque a função da AT é liquidar e cobrar impostos. Essa função está definida na lei e não é necessário qualquer despacho para que ela seja exercida. É assim com todos os contribuintes, como todos bem sabemos.
Por isso, a emissão desse despacho é um ato insólito que só se explica pelo exercício anormal da atividade da AT. Na realidade, sendo absolutamente claro e pacífico que a AT deveria, desde há muitos ano, ter liquidado o IMI sobre as barragens, persiste em não fazer.
Porquê?
O primeiro despacho do SEAF limita-se a dizer o óbvio. Sendo as edificações construídas das barragens propriedade das concessionárias até ao fim do contrato de concessão, estão sujeitas ao IMI, tal como qualquer proprietário o está, como todos os que pagamos o IMI bem sabemos.
Desde 2005 que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um parecer, votado por unanimidade, onde fica claro que são as concessionárias as proprietárias das edificações das barragens. Esse parecer é vinculativo para toda a administração pública e, portanto, também para a AT. Estando claramente definido que a EDP era proprietária das barragens, deveria a AT, logo desde 2005, ter cumprido a lei e efetuado a liquidação do IMI. Por que não o fez? Ninguém sabe, ninguém explica.
Por que motivo não basta um parecer vinculativo da PGR e um despacho específico da tutela, para que AT liquide o IMI à EDP? Por que motivo foi necessário um segundo despacho?
Além da EDP, algum outro contribuinte, seja do IMI seja de qualquer outro imposto, tem este tratamento da AT?
O que nos dizem estes factos?
O incumprimento do despacho do SEAF, de 3 de fevereiro, pela AT, conduzirá à impossibilidade de cobrar o IMI de 2019. Beneficia com isso a EDP que, relativamente às 6 barragens da bacia do Douro, que alienou em 2020, já não terá de pagar nenhum IMI, porque desde esse ano que ele deve ser pago pela Movhera.
Este aparente tratamento de privilégio da EDP, que os factos revelam de forma abundante e inquietante, tem de ser cabalmente esclarecido. Num estado de direito democrático não podem existir privilégios de ninguém, nem quaisquer dúvidas acerca da isenção de uma instituição central do Estado, como é a administração tributária.
Este manifesto tratamento de privilégio dado à EDP, é a outra face do desprezo chocante com que são olhados, pela mesma instituição, os interesses das populações onde se situam as barragens, que são os titulares da receita do IMI. O incumprimento, pela AT, do despacho do SEAF e do parecer da PGR, de 2005, são, acima de tudo, manifestações de um profundo desprezo pelos cidadãos desses municípios, em especial pelos cidadãos da Terra de Miranda.
Este tratamento discriminatório, injusto, ilegal e antidemocrático é inaceitável e prolongou-se ao longo de demasiados anos.
Na verdade, dos despachos do SEAF e do parecer da PGR resulta claramente e sem margem para quaisquer dúvidas, que as barragens deviam pagar o IMI desde que foram construídas, ou seja, desde o início da década de 1960.
A ausência da liquidação do IMI sobre as barragens, nos últimos 60 anos, é um desrespeito inaceitável pelas populações da Terra de Miranda. E é a outra face da moeda de um tratamento de privilégio inaceitável numa democracia, a uma empresa majestática, que aparentemente tudo domina e nada quer pagar.
Esta anomalia democrática tem de acabar.
A falta de liquidação desse imposto ao longo dos últimos 60 anos, produziu um grave prejuízo à Terra de Miranda, e teve um peso determinante no facto de a população desta região ter desaparecido em mais do que 2/3 desde 1960. Se o imposto tivesse sido cobrado como devia, quantos jovens não teriam de ter emigrado, quantas famílias não teriam sido separadas?
Este comportamento da administração tributária portuguesa tendo um caráter sistemático e continuado, como resulta dos factos, não é um comportamento isolado, porque é idêntico a outros comportamentos de reverência perante a EDP e de desprezo profundo perante as populações, que outros órgãos da administração pública portuguesa revelaram no contexto do negócio da venda das barragens.
É o centralismo no seu esplendor, reverente com os poderes majestáticos e lobistas e chocantemente indiferente e desprezadora perante os interesses das populações que as instituições do Estado devem servir.
Tudo isto se tornou claro por efeito do trabalho de um movimento cívico de cidadãos, o Movimento Cultural da Terra de Miranda, sem qualquer poder que não seja o seu conhecimento e o do seu amor pela Terra onde nasceram, e a sua consciência cívica. Se não fosse esse Movimento todos estes comportamentos continuariam anónimos embora reais. E se isso é um motivo de orgulho do país pelo papel da participação cívica, é também um motivo de preocupação, porque estas questões deveriam ter sido desde logo detetadas, levantadas e corrigidas pelas instituições do Estado democrático.
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