Rendas controladas, outra vez!?
As rendas controladas estarão a ser discutidas à Esquerda, no âmbito do Orçamento do Estado para 2018. A utopia colectivista e o miserabilismo andam de mãos dadas.
Parece impossível, mas há quem considere (em pleno século XXI) que a imposição de rendas controladas é o caminho a seguir no mercado imobiliário. É, pelo menos, isso que se depreende da negociação que, ao que consta, vai decorrendo entre os parceiros governamentais relativamente a alterações fiscais ao próximo Orçamento do Estado (OE).
Segundo uma notícia do Público desta segunda-feira, “o Governo estuda menos IRS para rendas baixas e prazos longos”. Note-se que a expressão “menos IRS” é daquelas que chama a atenção dos que querem bem ao país. O pior é o resto, porque, de acordo com o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, citado na notícia, o cenário que está a ser trabalhado é “uma diferenciação da taxa liberatória (28%) para senhorios que pratiquem contratos de arrendamento mais longos e a rendas controladas”. Devo confessar que só de ouvir falar de rendas controladas fico como o senhor primeiro-ministro quando ouve falar de reformas estruturais: sinto de imediato um enorme frio na espinha. Um verdadeiro calafrio, até porque o BE não está só.
A Associação dos Inquilinos Lisbonenses segue na mesma onda, defendendo uma taxa liberatória de 15% para as rendas que não excedam os 5% do valor patrimonial líquido e uma taxa de 37% para todas as rendas acima daquele patamar. Recorde-se que o valor patrimonial líquido tende a ser inferior ao valor de transacção dos imóveis, em especial nas grandes urbes, e que uma rentabilidade de 5% é uma rentabilidade não anormal de mercado.
Enfim, se há coisa que está mais do que estudada na literatura económica é o facto de o controlo de preços (rendas) não funcionar. O fracasso é tanto maior se o propósito, como é o caso, for o de reprimir a apreciação de preços que mercados dinâmicos como os de Lisboa e do Porto espontaneamente vão produzindo.
Na realidade, a melhor maneira de matar o mercado é precisamente através da imposição de um preço máximo inferior ao preço de mercado: no imediato mata-se a oferta existente a preços superiores ao máximo definido pelo legislador e a prazo mata-se também aquela que fica (pelo desinvestimento na manutenção dos bens que o controlo de preços progressivamente tende a produzir).
Os custos da irracionalidade económica não se ficam por aqui. Há um outro incentivo, gerado a partir do controlo de rendas, igualmente perverso: o incentivo à colocação dos imóveis na economia informal que, por sua vez, resulta na evasão fiscal e na perda de direitos (e de responsabilidades) contratuais quer dos inquilinos quer dos proprietários. Sem esquecer ainda que, na prática, a imposição de um preço máximo constitui uma violação do direito à propriedade. Dos proprietários, assinale-se. Sendo certo que a proposta pelo controlo explícito de rendas não está ainda em cima da mesa, é para lá que as propostas actuais caminham. Não tenhamos dúvidas.
Depois de décadas de abandono e decadência imobiliária no centro das principais cidades portuguesas, e numa altura em que o imobiliário é uma das principais alavancas da nossa economia, é incompreensível que se dêem estes tiros nos pés. Para tiros nos pés, já bastam os atrasos nos vistos gold e afins.
Recomenda-se, portanto, que não se complique o que é simples. Que se deixe o mercado funcionar e que se incentive a concorrência – que é a melhor garantia de que a prazo existirá oferta para todas as carteiras. Sim, há considerações de ordenamento urbano que devem ser atendidas, mas salvaguardadas estas questões, deixemos os controlos administrativos de preços no sítio onde eles estão bem: no lixo.
De resto, a defesa do mercado em nada inviabiliza a acção social do Estado, que pode na mesma promover políticas de inclusão social. Para tal, poderá contratar junto dos proprietários o arrendamento de imóveis para cidadãos elegíveis, ou ainda, poderá subsidiar o pagamento de rendas por parte dos mesmos. Na realidade, antes de pensar em controlar os preços de mercado, o Estado deveria primeiro repensar os seus próprios programas de inclusão social como o Porta 65. Porque, segundo a última edição da Dinheiros e Direitos da Deco Proteste, os subsídios atribuídos no Porta 65 estão claramente desajustados da realidade do mercado. Como seria, aliás, de esperar, porque o Estado não tem (nunca teve nem terá) capacidade de melhor aferir aquilo que diária e espontaneamente é aferido pelas interações proporcionadas por milhões de pessoas.
A eterna ilusão de controlo, que nos é transmitida pelo socialismo, é utópica e enferma do principal vício de pensamento que assiste à ideologia: querer impor aos outros um modo de vida que frequentemente nem os próprios praticam. Se há um problema de falta de oferta, então, o problema está na quantidade e não no preço; na realidade, o preço é o melhor sinalizador da rentabilidade potencial que aqueles que poderiam oferecer ao mercado novos activos imobiliários obteriam caso assim avançassem.
Neste sentido, a lei fiscal poderia discriminar positivamente aqueles que oferecem arrendamento a mais longo prazo, oferecendo como contrapartida taxas de tributação mais baixas para os senhorios que fizessem arrendamentos de longo prazo. É o que propõe a Associação Lisbonense de Proprietários. Seria um caminho que talvez incentivasse novos contratos de longo prazo, influenciando a quantidade de imóveis nestas circunstâncias no mercado. Porém, para além de introduzir desnecessária complexidade fiscal, a medida não iria de encontro ao ponto fulcral e principal consideração que parece mover quer o BE, quer a Associação dos Inquilinos: a variável preço, mais do que a variável quantidade.
Vai daí, a proposta de penalização dos proprietários que, grandes malandros, cobram rendas de mercado, ou que optam legitimamente por utilizações alternativas dos bens imobiliários como o alojamento local. Trata-se de uma proposta completamente contraproducente que, no entanto, não surpreende. A utopia colectivista e o miserabilismo andam de mãos dadas.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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