Reprogramação de fundos. Uma oportunidade perdida
A reprogramação do PT2020 - da ordem dos três mil milhões - foi usada para investir nas áreas mais ricas, esquecendo os problemas do interior.
O Governo concluiu o processo de reprogramação do Portugal 2020 e a aprovação das suas propostas, depois das muitas datas anunciadas ao longo de meses. A encenação pública de júbilo pela aceitação das propostas apresentadas à Comissão Europeia não nos pode fazer esquecer o que significam as alterações introduzidas nem o que o Governo não quis que fosse feito e apoiado.
O Portugal 2020 foi delineado e negociado num contexto especialmente exigente de aplicação do programa de assistência financeira a Portugal e da presença da troika. As opções estratégicas então assumidas tiveram em conta os significativos desequilíbrios, orçamental e da balança externa, as fortes restrições de financiamento à economia, a necessidade premente de consolidação das contas públicas, o elevado nível de desemprego e de exclusão social então verificados e as significativas assimetrias territoriais que persistem ou se agravam.
Reconhecendo que o principal défice do país já não eram as infraestruturas, mas sim a competitividade, o Portugal 2020 assumiu como objetivo central contribuir para a recuperação de uma trajetória de crescimento e emprego, promovendo uma economia aberta ao exterior. Esta opção explica a prioridade conferida ao apoio ao investimento das PME e permanece válida e atual.
Todos esperaríamos que a reprogramação do Portugal 2020 trouxesse respostas novas e sobretudo recursos financeiros acrescidos para responder aos desafios mais prementes e às necessidades crescentemente mais urgentes do interior do país.
Tendo saído já do Procedimento dos Défices Excessivos e com o país a crescer, embora a níveis inferiores à generalidade dos restantes Estados-Membros, justificava-se que a reprogramação do Portugal 2020 refletisse agora este novo contexto, valorizando o investimento público, nomeadamente o de proximidade.
Chegados praticamente a meio do período de utilização dos fundos europeus estruturais e de investimento, dois problemas se acentuaram como fortemente condicionadores da concretização dos objetivos estratégicos que se pretendia ver concretizados através do Portugal 2020:
- Um maior afastamento entre o interior e o litoral.
- Uma execução dos fundos anormalmente baixa, sobretudo no investimento público.
Cerca de 70% da população residente no continente está hoje na faixa costeira (50 km), com uma densidade populacional média a rondar os 350 habitantes/km2. A densidade populacional média do interior é hoje de 0,28 habitantes/Km2.
Portugal não poderá desenvolver-se na base de tão gritantes desigualdades. Quando assumem proporções desta natureza, as desigualdades tornam-se um sério obstáculo ao desenvolvimento, à consagração do princípio constitucional da igualdade de oportunidades e à justiça social.
Todos esperaríamos que a reprogramação do Portugal 2020 trouxesse respostas novas e sobretudo recursos financeiros acrescidos para responder aos desafios mais prementes e às necessidades crescentemente mais urgentes do interior do país, pelo seu despovoamento e pela diferença de rendimentos e de riqueza face ao litoral, pelas enormes fragilidades e abandono da maioria do nosso território.
A vaga de incêndios que devastou o território, destruiu aldeias e património e matou pessoas, mostrou as enormes fragilidades e abandono da maioria do nosso território. O acidente na estrada de Borba veio, entretanto, chamar a atenção para o desinvestimento na manutenção das infraestruturas públicas, acentuando os problemas da falta de segurança na sua utilização no dia a dia dos portugueses.
As soluções de natureza estrutural, as verdadeiras soluções, exigem meios financeiros que o Orçamento do Estado não consegue mobilizar em dimensão adequada. Que respostas de natureza estrutural a reprogramação do Portugal 2020 dá? Resposta rápida e surpreendente: nas opções do governo para a reprogramação do Portugal 2020 não há uma palavra, muito menos uma medida, de resposta a estes desafios e a estas necessidades.
A reprogramação do Portugal 2020 constitui uma oportunidade perdida, e não repetível, de mobilizar recursos para implementar medidas de natureza estrutural que importa concretizar no mundo rural, na floresta, no ambiente, no combate à seca e no sistema de proteção civil para fazer face à calamidade dos incêndios em espaço rural.
E é também preocupante que um dossier desta importância, com um tão grave desfecho, não mereça dos partidos da oposição, a começar pelo PSD, uma forte denúncia pública, explicando aos portugueses o seu impacto futuro.
Mas não existem fundos europeus, de resto designados de estruturais e de investimento, que poderiam ser mobilizados para esse objetivo?
A reprogramação do Portugal 2020, que o governo promoveu, movimenta cerca de 3.000 milhões de euros no conjunto dos vários programas operacionais do Continente. São recursos financeiros que vão reforçar tipologias de investimento já previstas. São recursos financeiros que vão permitir apoiar projetos não previstos inicialmente.
A reprogramação do Portugal 2020 vai permitir financiar novos sistemas de transporte pesado, o alargamento da rede de metropolitanos e a renovação de linhas ferroviárias nas áreas metropolitanas. Com esta opção, o interior vê reduzido o valor dos fundos europeus estruturais e de investimento a que poderia aceder, em favor das áreas metropolitanas mais ricas e com maior nível de rendimento.
A reprogramação do Portugal 2020 constitui uma oportunidade perdida, e não repetível, de mobilizar recursos para implementar medidas de natureza estrutural que importa concretizar no mundo rural, na floresta, no ambiente, no combate à seca e no sistema de proteção civil para fazer face à calamidade dos incêndios em espaço rural. Mas não. Não há recursos financeiros a mobilizar para esta necessidade urgente do interior.
A reprogramação do Portugal 2020 poderia ter sido a oportunidade para viabilizar alguns investimentos de grande impacto no interior, como é o caso da renovação da linha ferroviária da Beira Alta e a requalificação do IP3. Mas não. Ainda que gastando mais, a opção é apoiar investimentos pesados nas áreas mais ricas. Porque as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto têm mais população, ou seja, poderão render mais votos no próximo ano.
A reprogramação do Portugal 2020 foi orientada para a resolução de problemas de equilíbrio orçamental nas áreas da educação e do trabalho, reduzindo o impacto estrutural dos fundos estruturais e de investimento em favor de despesas e atividades correntes destes ministérios, reorientando-os no sentido de aumentar a sua utilização para financiar despesa corrente do Estado, de forma perversa para maquilhar as contas públicas e apresentar resultados artificiais no défice das contas públicas.
A mobilização dos recursos financeiros para suportar os gastos correntes do Estado foi feita à custa dos programas operacionais regionais. Às regiões do Norte, Centro e Alentejo foram retirados, na prática, recursos financeiros por lhes ter sido pedido em exclusivo o esforço financeiro para o reforço das despesas correntes nas áreas da educação e do trabalho.
A passagem para estes programas regionais do financiamento das bolsas de doutoramento e pós-doutoramento não traduz qualquer dinâmica no sentido de descentralizar as funções centrais atuais nem a valorização das estratégias regionais de especialização inteligente. Traduz apenas o reforço do centralismo à custa da descentralização.
A reprogramação do Portugal 2020 foi uma oportunidade perdida e irrepetível para encontrar um modelo financeiro sólido e estável para a manutenção da rede de mais de 92.000 km de estradas e de pontes transferidas do Estado Central para os municípios sem que fossem acompanhados da transferência de recursos financeiros para fazer face aos encargos de manutenção.
O Governo não considerou importante viabilizar, através do Portugal 2020 e com poucos recursos deste, a criação de um fundo financeiro para o investimento municipal, orientado para o financiamento de um plano plurianual de reabilitação da rede rodoviária sob responsabilidade municipal e para outras intervenções, através do financiamento do Banco Europeu de Investimentos, associado a financiamento bancário.
Na reprogramação do Portugal 2020 não encontramos também resposta para os problemas com a execução que tem vindo a evidenciar.
A realização do PT2020 continua a ser caracterizada por um elevado nível de compromissos, embora sem tradução equivalente na capacidade de execução. Comparada com o QREN, para data equivalente e para os fundos da coesão (FEDER+FC+FSE), evidencia os menores ritmos de execução e de pagamento, medidos através das respetivas taxas de execução e de pagamento, apesar de a comparação ser feita com um período (2011) em que mais se sentiram os efeitos regressivos da crise.
Na data de comparação (setembro de 2018 versus setembro de 2011) os fundos da coesão apresentam uma execução inferior em 1.966 M€ e os pagamentos aos promotores num quantitativo menor de 974 M€. No terceiro trimestre de 2018, o montante de pagamentos aos beneficiários representou apenas 41,6% do volume médio de pagamentos no QREN. Ou seja, no auge da crise financeira e com a presença condicionadora da troika, os fundos europeus estruturais e de investimento deram um contributo maior para a saída da crise e para colocar de novo o país numa trajetória de crescimento.
Não será este um problema suficientemente sério para ter merecido a atenção do governo na reprogramação do Portugal 2020?
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