República radical

A política em Portugal parece estar refém do sectarismo dos grandes Blocos Ideológicos – uma Frente de Esquerda face a uma Frente de Direita. Entre as duas Frentes é a futilidade de um vazio político.

A República resvala para o fim de ciclo. A política e os políticos exibem a histeria dos movimentos automáticos para se recolocarem para o novo ciclo. Como se fosse assim tão simples a mudança de ciclo. Este automatismo é explicado pela rotina de um rotativismo em que o ciclo muda sem mudar o ciclo. Muda o cenário e os figurinos, mas o enredo repete-se. Só que desta vez depois de Abril existem novas personagens que não querem ser figurantes.

O Presidente da República e o Primeiro-Ministro itinerante são personagens do velho ciclo. Fica o conflito cansado e cínico entre cúmplices desavindos em torno de uma intriga de salão que abala o Regime e a República.

O Presidente tem o ar cansado do criador de factos políticos que esgotou o reportório. O Presidente da República limita-se a imitar a imagem que tem do Presidente da República que foi. Para Belém o futuro é uma revisitação do passado. Os portugueses não esperem nada porque já nada há a esperar. Esperar apenas que o mandato termine para mudar o ciclo. Ainda há tempo e paciência para selfies.

O Primeiro-Ministro itinerante inaugura e anuncia reformas que sempre se negou a fazer. O Primeiro-Ministro fictício de um País imaginário tem o ar irresponsável e enérgico de quem foi vítima da sua própria inépcia e passeia a sua vitimização para português ver. Desdobra-se o Chefe do Executivo em declarações politicamente amuadas para disfarçar a incompetência estrutural que está na base da sua carreira política – o sobrevivente que esteve em todos os ciclos vê-se agora excluído do próximo ciclo político. Depois de tanto sucesso e ginástica de aparelho, todas as carreiras políticas acabam em fracasso.

Talvez seja possível fazer o esboço de uma hipótese de balanço sobre o estado da República em pleno vazio institucional – a política é um relatório de intransigências que diminuem o País.

O consulado socialista que começa com a “geringonça” altera substancialmente a geometria do Regime. Com o entusiasmo infantil de quem descobre as delícias de uma “política sexy”, o PS desloca-se com oportunismo para a sua Esquerda com a sensação triunfalista de quem domina o Regime e assume o Governo. Com esta deslocação oportunista, o PS abdica da sua condição de “partido orgânico” da democracia começando o processo irreversível de erosão ao centro.

No fundo, o PS mata o sistema para viver no Poder. Descartados os “idiotas úteis” à Esquerda, mais do que viver no Poder, o PS transforma-se no partido hegemónico do Regime em plena maioria absoluta. Só que o Regime mudou e a maioria absoluta torna-se fonte de instabilidade e cai sob o peso da sua impotência política. Os portugueses assistem ao suicídio de um projecto de poder que nunca foi outra coisa senão um projecto de poder.

Hoje em plena campanha interna, o PS exibe todo o seu “radicalismo urbano” e volta a contemplar a Esquerda como solução para os problemas de Portugal. O novo ciclo será uma reconstituição do velho ciclo? Este é o mantra da política portuguesa – o novo ciclo é sempre herdeiro da derrota do velho ciclo. Não há “espiral ascendente” para o progresso, apenas a “espiral descendente” para a estagnação e o atraso.

Com o colapso do centro, o PSD é arrastado para a irrelevância com a inconsciência política de quem fuma sem inalar. Sendo o outro “partido orgânico” do Regime, o PSD entra em crise de identidade e observa a pulverização à Direita de propostas políticas novas na forma e clássicas no conteúdo. Com ou sem Congresso, com ou sem protagonistas políticos, o PSD não se adapta a esta geometria variável e instável da nova geografia partidária. É verdade que o PSD não é um partido nem de Esquerda nem de Direita que hoje se vê empurrado para uma Direita que está para além da sua cultura política. Não tem programa, não tem ideias, não tem gente, vive da memória de um Poder recente e ponto final.

O PS, com a cumplicidade do Presidente da República, abala o “Republicanismo Cívico” que é a base da moderação democrática. Hoje não há espaço para “consensos de sobreposição” entre partidos estruturantes do Regime. Porque não existem partidos estruturantes do Regime. Há apenas um partido hegemónico do regime que é o PS. A vitória do PS significa a exclusão do PSD. E a vitória do PSD é fundamental para o partido e para o equilíbrio do Regime.

A política em Portugal parece estar refém do sectarismo dos grandes Blocos Ideológicos – uma Frente de Esquerda face a uma Frente de Direita. Entre as duas Frentes é a futilidade de um vazio político.

A política em Portugal caminha em velocidade de cruzeiro para se transformar no confronto entre “amigos” e “inimigos”, a criação de uma lógica política de conflito entre um “nós” e um “eles”. É o reino da decisão e não da livre discussão. A matéria da política é o conflito e o antagonismo e a base de qualquer consenso ocorre no interior de cada Bloco com a exclusão do outro Bloco. O PS iniciou este ciclo. O PSD afunda-se neste ciclo. As próximas eleições são uma “procissão laica” no sentido da apoteose do absurdo – o absurdo de uma Nação adiada pela polarização política.

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