Saber escolher

A função de ministro ou de secretário de Estado banalizou-se. Totalmente. Qualquer um pode ser. Um primeiro-ministro deve liderar e assumir as suas escolhas, não passar a outro a sua obrigação.

Um líder, que seja mesmo líder, assume as suas escolhas. Sempre. Mais, dá a cara por elas. Pelas suas ideias, pelas suas estratégias e pelas pessoas que escolhe para seguir o seu projecto. Isto é assim em todas as organizações. Todas. Uma empresa de qualquer área, uma loja, um restaurante, um clube de futebol, o que quiserem. Ora, um Primeiro-ministro tem a função de escolher o seu Governo. Livremente. Mais, tem a liberdade total neste quadro regulamentar do funcionamento do país, para escolher quem bem entender. Nós eleitores votamos em Deputados da nossa região, escolhemos o Partido e são eleitos os nossos representantes. Não escolhemos o Primeiro-ministro, mas temos uma ideia de quem vá ser. Quer dizer, descontando o caso de 2015, e da subida de António Costa ao poder, mas isso é outra conversa.

A questão é que não fazemos a mínima ideia de quem nos “calha na rifa”. Não sabemos antes de votar quem será o Ministro das Finanças, da Saúde, da Economia, de nada. Sabemos, isso sim, que o líder do Partido mais votado (depende) é chamado pelo Presidente da República a formar Governo e a partir daí tem carta branca para escolher Ministros e Secretários de Estado. Se devíamos saber antes quem vão ser? A julgar pelos tempos recentes, devíamos. Mas como fazê-lo? Obrigando cada Partido a apontar os nomes antes? Obrigando cada Partido a escolher só e apenas na lista de Deputados eleitos? É notório que o sistema actual favorece e muito o Primeiro-ministro que estiver em funções. Tem a maior riqueza que existe no mundo: liberdade total de escolha.

No entanto, um Primeiro-ministro que, após casos e casos de más escolhas, quer passar a responsabilidade para outros fóruns, não é um caso de liderança efectiva e regular. Não cabe ao Presidente da República, que deve fiscalizar o Governo, escolher quem assume as pastas. Nem muito menos colocar um carimbo de qualidade e idoneidade em qualquer pessoa. Mas está tudo trocado?
Só esta troca de cartas entre Primeiro-ministro e Presidente é um cenário de total delírio. Num país normal este debate não acontecia, muito menos assim. Pior, é a demonstração de que esgotou a capacidade de decidir. E isso, é a base desta crise que atravessamos.

Estamos com um Primeiro-ministro esgotado. Com escolhas claras de pessoas que estão mais à mão. Sou insuspeito de simpatias por membros deste e do anterior Governo, mas é notório que a saída de Pedro Siza Vieira e de Augusto Santos Silva e agora, com a saída de Pedro Nuno Santos, não existe no Conselho de Ministros autoridade, nem ninguém com força política para debater com o Primeiro-ministro. Para fazer contra peso. Para chamar à terra da realidade. E esta crise aguda, de falta total de bom senso e escolhas precipitadas e incoerentes é um sinal claro de um círculo fechado. A ideia de que temos Ministros e Secretários de Estado a dizerem apenas: “sim, chefe” é a receita para o desastre que estamos a viver. Não, um bom Ministro ou um bom Secretário de Estado não são os que se “desembaraçam das burocracias e dão continuidade ao que está para ser executado”. A isso chamamos seguidores, não governantes.

O ponto essencial aqui é que a função de Ministro ou de Secretário de Estado se banalizou. Totalmente. Qualquer um pode ser. Basta observar os CVs de muitos. Ainda sou do tempo de que estar Ministro era apenas para quem tinha competência, qualidade e capacidade. Não era uma função de que se ia subindo de lugar em lugar. Eram os melhores, portanto. Mas a cada caso que se sucede, mais as pessoas se afastam. E a base deste pântano que atravessamos é a falta de empenho e vontade de muitos em ser parte da solução. E um Primeiro-ministro deve liderar e assumir as suas escolhas, não passar a outro a sua obrigação.

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