Salários em Portugal
A aposta na igualdade salarial sem a preocupação com a criação de riqueza terá tido um custo significativo para os portugueses.
Todos nós queremos ter salários mais elevados, mas o nível salarial tem um limite: a capacidade da economia e dos empregadores em o suportar. Sempre que se tenta quebrar este limite há problemas sérios, como a história portuguesa dos anos 2011-2013 e de 1975-1983 do século passado demonstraram. Este simples facto ajuda a enquadrar o trabalho desenvolvido por Sónia Félix, Fernando Martins, Domingos Seward e Marta Silva sobre a distribuição dos salários no sector privado em Portugal no período 2006-2020, publicado recentemente pelo Banco de Portugal.
Os dados publicados trazem várias confirmações e duas novidades. Por um lado, confirma o maior envelhecimento da população activa, o maior nível educacional dos trabalhadores portugueses, nomeadamente o crescimento do número de pessoas com formação superior, o prémio salarial associado ao nível de educação e o aumento da percentagem de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo, que subiu de 7,6% em 2006 para 23,6% em 2020.
Note-se o facto de 1 em cada 4 trabalhadores portugueses receber um salário que não é suficiente para garantir a sua autonomia de vida e que, ainda por cima, tem de responder a encargos fiscais cada vez maiores (as estimativas para o período de 2015-2023 são de um aumento da receita fiscal em 7.100 milhões € só por via da subida do salário mínimo).
A primeira novidade é a redução da desigualdade salarial. A compressão na distribuição salarial verificou-se pelo aumento mais rápido dos salários mais baixos e, possivelmente, pela subida do nível médio dos anos de escolaridade dos novos trabalhadores.
A segunda novidade, e que é muito chocante, é a redução dos salários reais médios nos trabalhadores com ensino superior e com ensino secundário. Em 2006, os salários dos trabalhadores portugueses com formação superior eram mais elevados em 8,3% e os salários dos trabalhadores portugueses com formação secundária eram mais altos em 4,3% do que em 2020 (quando os salários médios brutos eram de 1.611€ e 1.047€).
Estas novidades simultâneas de igualdade e redução dos salários reais indica que seria preferível que a desigualdade tivesse aumentado e que a totalidade dos salários tivesse crescido bastante mais do que o verificado naquele período — 1% ao ano em média –- para que não se tivesse verificado a quebra nos salários médios de um grupo alargado de trabalhadores.
A evolução verificada parece estar associadas aos baixos salários praticados à entrada do mercado de trabalho, designadamente dos jovens com formação universitária uma vez que o maior desequilíbrio salarial ocorre nestes profissionais, e à crescente emigração de jovens com elevado potencial, que está a atingir um nível alarmante.
A queda de uma parte dos salários médios é ainda mais grave porque já tinham um nível muito baixo em 2006 e porque o aumento da inflação que se verifica desde 2021 está a ter um impacto muito negativo nos salários reais de toda a população portuguesa.
Todos estas factos apontam para que a aposta na igualdade salarial sem a preocupação com a necessária criação de riqueza tenha um custo significativo para os portugueses e que traduza a situação de declínio relativo da economia portuguesa.
Para além dos factos apresentados, o artigo do Banco de Portugal não aborda questões económicas relevantes para o nível de vida dos portugueses como a fraca evolução da produtividade do trabalho no mesmo período, e que é essencial para garantir a subida dos salários, a evolução dos salários líquidos e a enorme subida da carga fiscal, que afecta negativamente o poder de compra dos trabalhadores, a emigração de trabalhadores qualificados ou a evolução dos salários dos trabalhadores do Estado, que vivem numa bolha face aos restantes.
Outro aspecto que muito relevante na evolução salarial é a comparação do crescimento em Portugal com outros países similares ao nosso. Os dados da OCDE mostram que a evolução dos salários médios em Portugal desde 2006 foi inferior à verificada na quase totalidade dos membros da organização, confirmando os custos causados pelo “vício” igualitário.
Da mesma forma, é curioso que o documento do Banco de Portugal não refira outros indicadores de desigualdade publicados pelo Eurostat, designadamente a “taxa de risco de pobreza ou exclusão social” a que alguns sectores políticos tanto recorreram quando lhes era vantajoso. Porque é que isto aconteceu? Não sabemos se foi por opção dos autores se foi por ordens da administração da sua instituição, mas a verdade é que os resultados desse indicador aparentam ser contraditórios com os resultados apresentados pelos autores, indicando que deveria ter havido pelo menos uma tentativa de explicação para esse facto.
Por fim, nas considerações finais os autores referem desenvolvimentos importantes no mercado de trabalho que estarão reflectidos na evolução da distribuição dos salários em Portugal entre 2006 e 2020. Infelizmente, ignoram outras alterações que poderiam ajudar a compreender a descida dos salários médios reais. Um aspecto a aprofundar é a probabilidade de mudança de trabalho – que o documento refere estar associada a crescimentos salariais reais muito superiores à média – que pode ter sido afectada negativamente pelas alterações na legislação laboral após 2015 e, por esse motivo, ter prejudicado os trabalhadores portugueses, incentivando-os a procurarem emprego noutros países.
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