Salvar as Obras Públicas
O Governo aprovou um regime facultativo, excecional e temporário de renegociação das obras públicas, mas é também importante haver um regime de resolução de litígios.
No Conselho de Ministros do passado dia 5 de maio foi aprovado, ainda na generalidade, um regime facultativo, excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços, com impacto em contratos públicos, especialmente nos contratos de empreitada de obra pública. De acordo com o comunicado do próprio Conselho de Ministros “pretende-se criar uma resposta que permita mitigar os efeitos decorrentes do aumento das matérias-primas e da mão-de-obra, de forma a garantir as condições de execução e conclusão de Obras Públicas”.
Naturalmente esta é uma medida que se deverá saudar: de facto, há muito que vimos defendendo que a necessidade de renegociação dos contratos públicos é um problema do setor, ou seja, de todos os players e não apenas dos cocontratante (embora sejam estes os primeiros a sofrer com o aumento exorbitante dos preços das matérias-primas, materiais, mão-de-obra e equipamentos de apoio).
Assim é, pela simples mas definitiva razão, de que o objetivo mais importante de todos na execução de obras públicas é a sua conclusão (aliás, finalidade à qual se encontra subordinado todo o regime legal, que é altamente exigente em termos de suspensão ou resolução por iniciativa do empreiteiro), pelo que se impõe a criação de condições para que as obras públicas se possam continuar a executar, apesar das alterações substanciais no preço de vários materiais e da mão de obra. Aliás, mais que o preço está também em causa a própria disponibilidade de vários materiais e equipamentos, na medida em que se o sistema logístico internacional ainda não estava refeito da pandemia, pior ficou com a atual guerra na Ucrânia. Porém, para que este desiderato seja possível é fundamental estabelecer-se um regime que também permita que os contratos se mantenham financeiramente equilibrados.
Naturalmente, não se pode impor um princípio de execução do contrato e, ao mesmo tempo, não estar disponível para reequilibrar os seus termos, se as condições de execução se alterarem para além do razoável e expectável. O que manifestamente não é possível é tentar impor a execução do contrato, em circunstâncias absolutamente distintas daquelas em que o mesmo foi celebrado e profundamente penalizadoras para os cocontratantes, remetendo estes para infindáveis reclamações judicias ao invés de compensações justas e contemporâneas.
É verdade que a mais recente alteração ao Código dos Contratos Públicos, pensada, sobretudo, para fazer face à pandemia já permitia essa renegociação; mas cedo se percebeu, também, que era fundamental alguma concretização que transmitisse confiança e conforto ao decisor público. Como quem se dedica a estes assuntos bem sabe, embora não raras vezes todos as intervenientes estejam de acordo na necessidade de os contratos públicos serem renegociados, havia uma terrível dificuldade em concretizar os termos desse mesmo acordo, sobretudo no que tange à componente monetária (sendo certo que a mera prorrogação do prazo de execução da empreitada, em geral, nada reequilibra financeiramente, na medida em que, por definição, a maior permanência em obra gera sim um sobrecusto para o cocontratante). Com efeito, a ausência de uma norma específica vinha, na prática, impossibilitando que os reequilíbrios se concretizassem em tempo útil.
Será, por isso, certamente de muito bom grado que todos – decisores políticos e demais players – irão receber esta tão necessária intervenção legislativa (pese embora ainda não se conheça o seu clausulado).
Em todo o caso, e sempre sem prejuízo da manifesta importância de se instituir um mecanismo específico de revisão extraordinária de preços, a verdade é que se este não for acompanhado de um mecanismo de resolução de litígios, de pouco servirá. Hoje, uma ação sobre a execução de um contrato público demorará, seguramente, pelo menos, 10 anos nos Tribunais Administrativos, o que, sendo em qualquer contexto absolutamente inaceitável, é, no contexto atual, absolutamente incompatível, quer com o atual estado do setor, quer com as atuais condições de financiamento. Como se disse atrás: esperar pela execução de uma obra, remetendo-se a discussão para Tribunal não resulta, porque as empresas não têm capacidade financeira para esperarem 10 anos para serem reembolsadas.
Sejamos claros: se não se encontrarem soluções consensuais de resolução de conflitos é mais do que certo que, mais cedo que tarde, não teremos concorrentes em concursos públicos ou, pelo menos, não termos concorrentes responsáveis e com qualidade.
Assim, tendo este diploma sido apenas aprovado na generalidade, era essencial que na sua redação final se encontrassem mecanismos expeditos de resolução dos conflitos que, inevitavelmente, surgem na execução de empreitadas e que já se verificam em inúmeras obras públicas. Note-se que estes mecanismos estão até, em grande medida, pensados, estruturados e prontos a serem utilizados, assim haja vontade política de os concretizar.
Na verdade, basta que haja vontade política para se utilizar o muito trabalho que, por exemplo, tem vindo a ser desenvolvido no seio do Observatório das Autarquias Locais para se encontrarem rapidamente soluções que, entre outras, possam passar pela possibilidade de qualquer uma das partes recorrer a arbitragem (naturalmente desde que sedeada num centro legalmente constituído) ou pela constituição de um Comité de Prevenção e Acompanhamento de Litígios que poderá funcionar como os internacionalmente reconhecidos Dispute Boards que têm em vista a resolução, quase em tempo real, de litígios.
O que manifestamente não funcionará será criar apenas um mecanismo que, face a qualquer disputa, remeta as partes para um processo judicial que nunca demorará menos de 10 anos.
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