“Si yo fuera Maradona, viviría como él”
Foi irresponsável, disparatado, apaixonado, controverso, divertido, foi sobretudo autêntico, e morreu cedo mas viveu muito, e como quis.
Chegam depressa as notícias más, ainda mais depressa agora, diretas no telemóvel, tantas mortes por estes dias, mas o Clarín argentino diz que morreu Maradona, Diego, El D10s, e com esse na Argentina não pode haver confusão, e não surge de um site de boataria, iludo-me que seja mentira mas temo a verdade, em grupos de whatsapp amigos manifestam a mesma incredulidade e receio igual, antes da confirmação, quando as fontes se multiplicam
Morreu mesmo, é verdade
Maradona foi único e dele até a notícia mais triste me devolve memórias de encantamento, regresso aos 10 anos e às primeiras fotos que vi na revista Onze, no azul e dourado do Boca que foi a sua casa, tenho 16 logo após, vibro com cada exibição no México inesquecível e lembro horas seguidas a treinar o meu pé esquerdo na ilusão de lograr algo vagamente parecido com o que o via fazer, nos relvados de um Mundial como se estivesse ainda no pelado dos Cebolitas onde o filmaram pela primeira vez. Faz a jogada imortal, na vingança das Malvinas frente a Inglaterra, mas tantas outras em jogos injustamente esquecidos, com a Coreia, a Bulgária ou o Uruguai, quando buscava a baliza e evitava a pancada ao mesmo tempo, nada ia impedir que o mundo percebesse que Maradona resgatava no México o trono que Pelé por lá ocupara em 70
Predestinado, acima de todos
Génio é uma das palavras de gasto exagerado no desporto, classificativo de tanta gente de mérito comum, herói é pior ainda, que um único dia feliz, ou um gesto apenas, parecem autorizar o epiteto em capas de jornais, e há ainda a lenda, quando as há tão poucas de verdade, que dizer então de Maradona, quantos dias, quantos gestos, quantas capas, génio desde o berço, herói definitivo de um país, lenda eterna na Nápoles que torceu por ele contra a própria Itália na meia final de 90, uma cidade que troca o país por um homem só não voltarei a ver decerto, e só mesmo Pelé se lhe compara – descontem os do presente para fugirmos a debates sem sentido nesta hora – mas nem o brasileiro dos mil golos terá emocionado tanto como Diego, o mais predestinado dos que algum dia jogaram futebol. Alguém disse que para se confirmarem como os melhores há futebolistas que precisam de uma equipa, outros de uma baliza, a Maradona bastava a bola
Nascer Maradona
Maradona é um nome musical, que se enche a boca para dizer, e Diego Armando dá-lhe o balanço certo, morreu aos 60 depois de ter nascido em 60, números redondos numa história feita em ciclos, virtuosos no relvado, viciosos fora dele, excessivo no talento como no comportamento, mas como pedir perfeição fora do relvado a quem só a realizava dentro dele? Por isso o contraste entre o jogador de fábula e o treinador de farsa, que aquela foi sempre a pele errada num homem autêntico, na impossibilidade concreta de ensinar o que só ele conseguiria executar, que o jogo que ele jogou não se ensina nem se aprende, brota, é intuição pura, capacidade de perceber e executar antes acima dos mortais, génio, desta vez sim, génio absoluto indiscutível
Morrer Maradona
Poucos minutos depois da notícia e ao referir lembranças de Maradona, Valdano, companheiro de uma vida, falou de sorrisos mas não conteve as lágrimas, pois chorar Maradona será sempre sorrir também, tantos os momentos singulares que preenchem as seis décadas de um homem imperfeito que acolheu o futebolista perfeito. Foi irresponsável, disparatado, apaixonado, controverso, divertido, foi sobretudo autêntico, e morreu cedo mas viveu muito, e como quis. Manu Chao cantou “si yo fuera Maradona, viviría como él”. Não consigo dizer o contrário.
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