Tancos. O ladrão, o juiz e o papagaio-mor do Reino
O caso Tancos entrou na campanha eleitoral com estrondo. Tudo começou com uma dívida de 1.000 euros e terminou numa intriga palaciana entre Belém e São Bento.
Era uma vez um ladrão, um juiz e um papagaio. Parece o inicio de uma anedota, mas não é. Ou se calhar é.
Conhecida a acusação do Ministério Público, chegamos à conclusão que o assalto a Tancos foi uma autêntica anedota. Envolveu personagens como o Pisca, o João Paulinho (o alegado organizador do assalto), o António Laranjinha, o Nando, o Caveirinha e o Paulo Lemos, mais conhecido por Fechaduras. Um elenco digno de um filme de comédia de Louis de Funès.
O maior assalto de sempre de armamento militar em Portugal aconteceu porque o Pisca devia 1.000 euros ao João Paulinho. A ideia surgiu quando Pisca ouviu o sobrinho, que cumpria o serviço militar em Tancos, lamentar-se das pobres condições de segurança do local onde se encontravam os Paióis Nacionais de Tancos.
Aqui chegados, vale a pena um parêntesis para contar uma outra anedota, ou seja, a segurança do paiol que albergava armas de guerra. Escreve o jornal Público que o “sistema de videovigilância não funcionava; os sensores de movimento estavam avariados; o sistema de deteção sísmica que se ativava com o peso e o de vibração, na rede exterior, estavam inoperacionais; as duas redes, exterior e interior, estavam degradadas; a iluminação em toda a zona era insuficiente e os projetores nas torres de vigia não funcionavam. As rondas também eram poucas e não existiam alarmes sonoros ou de iluminação junto aos paióis, bem como qualquer equipamento que permitisse visão noturna”.
Quando estava a planear o assalto, o grupo de malfeitores apercebeu-se que nenhum deles sabia abrir uma fechadura. Ladrões que não sabem abrir uma fechadura deviam procurar outra ocupação. Perante este contratempo, resolvem pedir ajuda ao amigo Paulo Lemos, o tal conhecido por Fechaduras, alcunha que conquistou porque aparentemente conseguia abrir qualquer fechadura. Depois de ensinar os meliantes a abrir uma fechadura, o Fechaduras ter-se-á arrependido do envolvimento no golpe porque tinha prometido à mãe que não seria preso. Ladrões de barba rija.
O juiz Ivo Rosa
Pouco depois, o arrependido Fechaduras telefona a uma procuradora do DIAP do Porto, a contar que um grupo estava a planear um assalto, só não se recordava ao certo do nome do local onde deveria ocorrer o assalto. Foi então que a Justiça começou a investigar o assalto, ainda antes de ter acontecido. Depois dos alertas de Fechaduras, a Judiciária tentou colocar alguns dos suspeitos sob escuta para evitar que o assalto se consumasse. Só que foi impedida de o fazer pelo juiz de instrução criminal Ivo Rosa que terá considerado os factos descritos como “demasiado vagos” para serem autorizadas as medidas de investigação pedidas pelo Ministério Público.
Aqui, vale a pena fazer uma pausa. Deduz-se que se não fosse esta decisão de Ivo Rosa, o assalto de Tancos, provavelmente, nunca teria acontecido. E aqui vale a pena dedicar um ou dois parágrafos a este juiz.
O juiz madeirense é conhecido por ter uma visão excessivamente garantística da Justiça e de levar ao exagero o princípio de que a dúvida beneficia os suspeitos. Está em permanente guerra com o Ministério Público e em todos os casos que lhe vão parar às mãos os procuradores sabem que vão ter vida difícil nas investigações. Já aconteceu em vários casos, como o da EDP, o do BES e agora o da Operação Marquês. Escrevia o jornal Público este fim de semana que os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto vieram acusar o juiz Ivo Rosa de estar a “minar” o processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates e alertaram para “consequências catastróficas” dos atrasos no envio dos recursos dos procuradores para o Tribunal da Relação.
Não é a toa que a defesa de Sócrates ficou feliz quando soube que o sorteio da Operação Marquês calhou a este juiz e não a Carlos Alexandre na fase de instrução. Se calhar terá chegado a altura de, como certa vez sugeriu o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, acabar de vez com este Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) onde os processos ou vão parar às mãos do super juiz Carlos Alexandre ou deste polémico juiz Ivo Rosa. A sorte ou o azar de um suspeito de crime não deveria depender da relação mais ou menos azeda que um juiz possa ter com o Ministério Público e muito menos de correntes académicas mais ou menos garantísticas sobre a Justiça.
O “papagaio-mor do reino”
Acabar com o TCIC seria uma proposta que faria sentido aparecer nos programas eleitorais dos partidos às legislativas. Enquanto não chega o dia 6 de outubro, o caso do furto das armas de Tancos parece ter entrado na campanha eleitoral como uma bomba, com os estilhaços a chegarem a Belém e a São Bento. Aqui também a posição dos partidos tem sido anedótica.
À esquerda, Catarina Martins e Jerónimo Martins parecem envergonhados por terem ajudado a aprovar no Parlamento as conclusões de uma comissão de inquérito que ilibava o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes. À direita, o CDS entretém-se com o seu passatempo favorito: o de propor a criação de mais uma comissão de inquérito.
Rui Rio diz que 1) vai seguir o principio que tem seguido internamente nos casos de justiça no PSD e que não vai “julgar” Azeredo Lopes antes de este ser condenado pela Justiça. Na frase seguinte considera 2) ser “pouco crível” que o ex-ministro da Defesa não tivesse avisado António Costa do encobrimento do furto. Alguém explique ao líder do PSD que a segunda premissa anula a primeira.
São precipitados os julgamentos na praça pública. É precipitado e injusto aquele raciocínio linear do “se Azeredo Lopes sabia, também António Costa sabia”. Ou aquele outro de que “se o ex-chefe da Casa Militar, o tenente-general João Cordeiro, sabia de alguma coisa, também Marcelo Rebelo de Sousa sabia”. Também é injusto e estranho ouvir escutas no caso Tancos com referências a um “papagaio-mor do reino” e deduzir, sabe-se lá com que conhecimentos de política ou de ornitologia, que seja uma referência ao Presidente da República.
A ex-procuradora Joana Marques Vidal
É através da linearidade deste raciocínio, ou de alguma sinuosidade que desconhecemos, que entre Belém e São Bento se instalou nos últimos dias um ambiente de aparente intriga palaciana. Belém suspeita que São Bento queira envolver o nome do Presidente neste caso para desviar atenções do PS em plena campanha eleitoral. Os socialistas não acreditam que Belém esteja inocente na forma como o caso Tancos entrou na campanha. Há quem alvitre que estamos perante uma vingança do Ministério Público por causa do processo de nomeação da nova Procuradora Geral da República que substituiu Joana Marques Vidal, a preferida por aquele órgão.
A investigação ao caso Tancos começou por ser conduzida pela PJ Militar mas, por decisão de Joana Marques Vidal, passou para a PJ civil apesar das variadas tentativas, junto do Governo e de Belém, de reverter essa decisão. Sabemos hoje também que esse período coincidiu com a decisão de António Costa de não reconduzir Joana Marques Vidal, uma decisão secundada por Marcelo Rebelo de Sousa. Existe alguma ironia no facto de agora estarem ambos de candeias às avessas precisamente por causa de Tancos.
Quando foi à comissão de inquérito do caso Tancos, Joana Marques Vidal sugeriu que fosse feito um estudo aprofundado sobre “até que ponto se justifica a PJM como órgão de polícia criminal autónomo para investigar” os designados crimes “estritamente militares”. Do seu ponto de vista, “uma vez que esses crimes são apreciados em tribunais comuns, não vejo qualquer utilidade em serem investigados por um órgão autónomo”. Além da extinção do TCIC, o fim da PMJ também assentava bem em qualquer programa eleitoral e ajudava a criar mais transparência no sistema judicial.
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