Um Orçamento ‘light’ e bem educado, mas que ninguém quer (nem mesmo o Governo)
Miranda Sarmento apresentou um OE2026 tão vazio que ninguém se queixou muito. Oposição deve deixar passar, mas nem o próprio Governo mostra muito orgulho no plano que deixa de fora os temas quentes.
Parecia mais um evento da Apple na Califórnia do que um das Finanças no velho Salão Nobre. Não havia mesa nem cadeiras no palco, apenas um púlpito que Joaquim Miranda Sarmento usou somente para pousar o copo de água. Qual Steve Jobs, o ministro de Estado e das Finanças dirigiu-se ao centro do palco e, utilizando o microfone headset, começou a explicar a proposta do Orçamento do Estado para 2026, dando aqui um passo para a esquerda para explicar uma medida, ali outro à direita para salientar um dado.
Após os habituais agradecimentos, Miranda Sarmento fez questão de salientar que o Governo entregou o plano orçamental a tempo. Não explicou foi a repentina antecipação (na véspera) da entrega por um dia, numa semana de campanha autárquica e na qual o primeiro-ministro teve de se insurgir contra notícias sobre a investigação à Spinumviva. Mas isso é outra conversa, porque o importante era, mais dia menos dia, entregar a tempo e bem a tempo. Longe vão os anos em que tínhamos de esperar até à última hora para ver um ministro exausto (ladeado por uma equipa igualmente cansada) a explicar durante várias horas um documento que tinha tudo e mais alguma coisa.
A ideia de Miranda Sarmento é mesmo essa, ‘desempoeirar’ todo o processo do Orçamento. Uma das formas de fazer isso foi através do que chamou de “mudança de paradigma” na forma como o Estado planeia, executa e avalia a sua política orçamental. Pela primeira vez, toda a Administração Central, bem como o orçamento da Segurança Social, passam a integrar o modelo de orçamentação por programas. A ideia é boa, esperemos que resulte na meta de olhar mais para os impactos das políticas públicas e não só à afetação de recursos.
A outra forma de revolucionar o OE foi mais imediata, ao simplesmente esvaziá-lo de medidas polémicas. De fora, “a médio prazo”, ou “a seu tempo” ficaram medidas como as reduções do IRC e do IRS, o salário mínimo, as mexidas no desconto no ISP, o suplemento das pensões, os novos apoios para a habitação e as propostas para alterar a lei laboral. Esta versão light do documento orçamental permite que o Parlamento faça um debate sério, profundo, informado sobre cada uma das medidas do Governo se a rejeitam ou aprovam, argumentou o ministro. O objetivo é cada vez mais o articulado da lei ser aquilo que é matéria orçamental, os mapas da lei refletirem a decisão política, mas quando é competência do Parlamento seja discutida autonomamente, sublinhou.
Miranda Sarmento vincou que a estratégia de ‘emagrecimento’ do OE é uma marca de água do Governo, e que não é nova, tendo a apresentado quando ainda estava na oposição aos Executivos socialistas. É fácil perceber a ideia do ministro de deixar para o Parlamento discutir os temas ‘quentes’ que extravasam o OE. Os resultados já são visíveis: menos especulação antes da apresentação do documento, menos confusão nas explicações detalhadas e menos ruído político. Se resultar daqui para a frente ainda bem, mas para isso Miranda Sarmento irá ter de resistir à velha tentação de usar a política orçamental como política pura, nomeadamente para lançar medidas que agradem aos eleitores. E ter a sorte de repetir o contexto único no qual apresentou este Orçamento.
O Governo da AD vive estes meses numa espécie de impasse político. Não tem uma maioria absoluta para aprovar o que quer sozinho ou dar estabilidade e durabilidade. Até meados do próximo ano, provavelmente junho — ou seja, seis meses depois da eleição do novo Presidente da República — não pode ser derrubado. Nesse período tem de fazer passar um Orçamento nos pingos da chuva e para isso optou pela via mais fácil, deixando para outras núpcias as batalhas mais duras, especialmente as da lei laboral.
E a estratégia deve resultar. Ninguém se queixou muito até agora e os dois principais partidos da oposição, o PS e o Chega, até já deram sinais de viabilizarem o Orçamento. Neste momento, nenhum deles quer ser visto como o partido que complicou a passagem de um Orçamento numa altura em que ninguém tem grande espaço de manobra. Por outro lado, nenhum deles quer ser visto como o parceiro da AD no OE, quer em vez disso ser visto a fazer a coisa certa, mas mantendo espaço para criticar o Governo e tentar passar algumas alterações antes do voto final. Mesmo aí não devem ter muita sorte, pois dado o foco no excedente orçamental, Miranda Sarmento já alertou que a margem é zero.
O próprio Governo também não demonstra muito orgulho em ser o ‘pai’ deste Orçamento. O que lhe interessa mesmo, o que causa paixão, está de fora, especialmente o IRC e as mudanças nas leis to trabalho. O importante é que passe, sem grande barulho e sem dano político.
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Um Orçamento ‘light’ e bem educado, mas que ninguém quer (nem mesmo o Governo)
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