Do Porto a Lisboa, os clientes tentam combater a inflação para ter produtos com qualidade e uma mesa recheada na ceia natalícia. Bacalhau, cabrito e queijo com subidas de preço.
Nesta época natalícia, a pressão inflacionista continua a pesar no bolso dos portugueses. Os comerciantes de mercados em Lisboa, Porto e Coimbra confirmam ao ECO que alguns produtos tipicamente consumidos nesta altura, como o bacalhau, o cabrito e o queijo, subiram de preço face ao ano anterior. Ainda assim, os vendedores admitem que os clientes acabam por fazer um “esforço” adicional e há já quem tenha assegurado várias encomendas.
“Estamos a vender menos um bocadinho do que o ano passado”, mas, “como o povo deixa tudo para a última, esperamos que [nestas últimas horas] venham buscar mais alguma coisa”, conta Rosa Maria Castro, que tem uma banca de congelados no mercado do Bolhão há 47 anos, juntamente com a filha Ana Castro Silva, que já está à frente do negócio familiar.
“Acho que as pessoas têm medo, mas depois, quando chega a hora, não querem deixar de ter as coisas para o Natal e acabam sempre por comprar“, corrobora Filomena, responsável pela HM Caneira, no mercado 31 de Janeiro, em Lisboa, enquanto prepara uns cabazes de Natal. Apesar de a inflação estar a abrandar, a subida dos preços continua a pressionar o orçamento das famílias — com o preço de um cabaz de 16 produtos tipicamente consumidos nesta altura a aumentar quase 10% face ao período homólogo — e esta circunstância repercute-se nas vendas.
É o caso do bacalhau, um dos produtos mais procurados para a ceia de Natal. Os portugueses “fazem um esforço para ter um produto de excelência” nesse dia, e, por vezes, “não se importam” de pagar um pouco mais, adianta, ao ECO, Alexandre Pires. E se o proprietário da banca “Conserveira do Bolhão” garante que, na sua banca, os “preços estão mais ou menos iguais”, com o preço do bacalhau a começar “nos 19,50 euros/kg até aos 75 euros”, pela capital e em Coimbra os preços aumentaram.
“Temos o bacalhau graúdo seco que aumentou cerca de 1 euro face ao ano passado”, para “19,80 euros/kg”, enquanto o bacalhau congelado subiu “cerca de 1,5 euros” face a igual período de 2022, revela Paulo Neves, responsável pela banca “Pioneiros do Mar” e que trabalha no mercado 31 de Janeiro há mais de três décadas. “O preço do bacalhau da Islândia, o graúdo especial, subiu um bocadinho. Os outros não. Mantêm-se mais ou menos ao mesmo preço”, sinaliza Graça Fresco. Ainda assim, há quem opte pelo da Islândia “porque sabem que é melhor”, diz a vendedora do mercado D. Pedro V, em Coimbra.
O polvo é outro prato típico consumido na consoada, sobretudo na região Norte, e aqui há já boas notícias. “O polvo tem tido muita saída também e os preços estão inalterados face ao passado”, conta ainda Paulo Neves, referindo que “vai desde os 8 euros/kg aos 17,80 euros/kg, conforme o tamanho”. Já na banca de Rosa Maria Castro, está “ainda mais barato que o ano passado”, com os preços a irem até aos 19 euros/kg.
Por outro lado, a pesar na fatura, estão ainda as hortaliças que acompanham estes pratos típicos. “Os brócolos e a couve-flor estão mais caros”, admite, ao ECO, Maria Alice, que trabalha há 50 anos no mercado D. Pedro V. A indicação é confirmada por Ilda Magalhães, que justifica as subidas com as condições climatéricas. “Os preços estão mais caros porque não há hortaliça, o tempo estragou as hortaliças, não há muita oferta e os preços ficam mais caros”, atira a vendedora que está no mercado do Bolhão há 35 anos.
A escalada de preços chegou também à carne utilizada em vários pratos típicos consumidos pelos portugueses nesta altura, e o cabrito e o leitão não são exceção. “Estou a contar meter aí uns 20 cabritos até ao Natal, acho que vendo tudo“, diz, confiante e de sorriso no rosto, Humberto Ferreira, enquanto corta carne. No entanto, o talhante que trabalha no mercado 31 de Janeiro há mais de 30 anos, diz que os seus clientes “sabem que vão pagar mais” do que se forem ao supermercado e admite que este ano há novas subidas. “O cabrito nacional está a 21,98 euros/kg… No ano passado, era à volta de 17/18 euros/kg”,aponta.
A situação é semelhante em Coimbra. “Os meus clientes normalmente não são cristãos”, pelo que não celebram o Natal, realça Ahmet. Ainda assim, durante a semana que antecede ao dia 25 de dezembro, vende-se “mais cabra para chanfana, muito cabrito”. “Por agora já acabou, não tenho mais para vender hoje”, conta o jovem turco que está há cinco anos em Portugal, sinalizando que “os preços do cabrito subiram muito”. No entanto, reconhece que “as vendas estão mais fracas em relação ao ano passado”. Quanto ao leitão, já “aumentou cerca de 4 a 5 euros/kg” ao longo deste ano, acrescenta a responsável pela HM Caneira, no mercado 31 de Janeiro, ao ECO.
E, como já dizia Amália Rodrigues, numa ‘casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa’. Mas como estão os preços? “Está tudo igual ao ano passado. O ano passado vendi o cacete a 1,50 euros e este ano está igual“, assegura Amélia Babo. No entanto, a proprietária da banca do pão e doces tradicionais no mercado do Bolhão admite que o bolo-rei está ligeiramente mais caro. “Está mais caro 30 cêntimos o quilo, estou a fazer 15 euros ao quilo”, nota.
Por outro lado, os vendedores ouvidos pelo ECO notam ainda que há “subida significativa” no preço do queijo, “especialmente devido à escassez do leite na Serra da Estrela”. “Se não me engano, o ano passado o Queijo da ovelha amanteigado estava a 23,80 euros/kg, este ano está a 25 euros”, realça Ermelinda Leitão, filha do proprietário da banca “Queijaria do Bolhão”. “O [queijo] de cabra foi o que aumentou mais”, acrescenta Madalena Rodrigues, já reformada mas vendedora no mercado D. Pedro V desde 1977.
Clientes procuram qualidade, mas há cada vez mais foco no preço
Os comerciantes ouvidos pelo ECO realçam que a grande parte dos clientes que vão ao mercado procura “qualidade”, mas admitem que, face à subida dos preços, há mudanças nos hábitos de consumo. E há cada vez mais clientes a queixarem-se dos preços.
“Há um cliente por outro que gosta de qualidade, mas não são muitos. A maior parte dos clientes leva o que é mais barato. Porque o dinheiro é pouco, estão sempre a queixar-se que as coisas são caras“, afiança Aida, peixeira no mercado D. Pedro V, momentos antes de uma cliente lhe perguntar o preço do carapau. “O mais pequeno é cinco euros e este [enquanto aponta para o maior] é 7,75 euros/kg”, responde a vendedora. A senhora, prontamente, virou costas e murmurou: “credo, a esse preço lá compro alguma coisa!”.
“As pessoas vêm aos mercados. Mas em vez de levarem cinco couves, levam duas”, indica Beatriz Valente. “Estão a cortar muito porque as coisas estão muito caras e não é só por ser Natal”, acrescenta a vendedora de hortaliças no mercado 31 de Janeiro. “Antes vendia 48 quilos de couve por dia no Natal, este ano já não vou vender isso”, antecipa, por sua vez, Maria Alice, vendedora no mercado D. Pedro V.
Por outro lado, os vendedores notam ainda que há clientes que são mais seletivos nas escolhas consoante a gama dos produtos. “Tenho clientes que não se importam de pagar por um queijo Serra da Estrela certificado, mas outras optam por outro tipo de queijo que não seja tão caro, mas que seja bom. O que pesa mais são os clientes que querem qualidade”, resume Ermelinda Leitão, dona de uma banca de queijo no Bolhão que já vai na sexta geração.
Há quem tenha encomendas e entregue em casa
E se, “regra geral, o cliente escolhe e leva”, há já quem tenha encomendas para esta época natalícia. “Tenho clientes certas que fazem encomendas e também vou entregar [a casa]. Mas são aquelas pessoas de longa data, não são os jovens”, sublinha Graça Fresco. Já Ricardo Moreira, da banca “Talho do Toninho: António e Ricardo”, no Bolhão, assegura ter “cerca de 70 encomendas de cabrito, cordeiro e borrego”.
Certo é que a maioria das encomendas diz respeito a produtos que têm um curto prazo de vida e são levantadas na véspera de Natal. “As pessoas, principalmente os mais velhos, preferem comprar o pão e serem eles a fazer as rabanadas, não há nada como serem elas a meter a mão na massa, agora os mais novos é que não querem ter trabalho e compram tudo feito. Os mais antigos ainda gostam de fazer as coisinhas pelas suas próprias mãos”, conta Amélia Babo, ao ECO, apontando que tem “várias encomendas” de “cacetes para as rabanadas, broa de Avintes e broa de Valongo”.
No entanto, o facto de este ano a consoada ser a um domingo e, consequentemente, os mercados municipais estarem encerrados, não ajuda ao negócio. “Ainda se podia vender mais se o mercado estivesse aberto no domingo de manhã, antes do Natal. Era espetacular! Vendia-se mais umas coisas porque muitas lojas estão abertas e aqui nós temos que estar fechados”, assinala Humberto Ferreira, apontando para as “compras de última hora” e sinalizando, que, ainda assim, “tem uma mão cheia de encomendas”.
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Inflação pesa na ceia de Natal, mas não afasta clientes. “Quando chega a hora, acabam por comprar”
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