Polícia de elite, agentes à paisana e PSP pronta a disparar. Tudo por causa de Rui Pinto

Primeira sessão de julgamento decorreu na 6ª feira. Jornalistas revistados e impedidos de usar telemóveis e computadores. Rui Pinto chegou de carrinha blindada e com colete à prova de bala.

A sessão estava marcada para as 9.30 mas só às 10.50 é que a juíza Margarida Alves deu o sinal de início do julgamento. O hacker português Rui Pinto – criador da Football Leaks e acusado de 90 crimes – será julgado até ao final do ano, tendo já o coletivo de juízes marcado três sessões por semana. Na sexta-feira foi a primeira daquele que já é chamado de julgamento do século – esquecendo-se que nos bancos dos arguidos da Justiça portuguesa estão também o ex-primeiro ministro José Sócrates, acusado de corrupção e o ex-banqueiro Ricardo Salgado, investigado por associação criminosa.

Certo é que apenas Rui Pinto teve honras de um aparato policial tal que contou com polícias à paisana, vários agentes da polícia de elite (‘snipers’) e agentes da PSP, fardados e visivelmente armados e prontos a disparar, caso houvesse registo de ameaças à integridade física do arguido. Foi ainda criado um perímetro de segurança em torno das instalações e com a presença de várias unidades especiais da polícia. “Sou arguido mas também uma testemunha protegida pelo Estado”, dizia o arguido, nas primeiras declarações feitas à juíza.

O mesmo arguido que apareceu no Campus de Justiça vestido com um colete à prova de balas, numa carrinha de segurança blindada e que em momento algum foi visto fora da sala de audiências rejeita ser chamado de ‘hacker’ ou ‘pirata informático’, e diz que prefere ser chamado de “whistleblower” (denunciante), esquecendo-se que para isso teria de pertencer a uma organização ou empresa onde esses crimes tivessem sido cometidos. Mas é nesse ponto que a defesa do arguido, protagonizada por Francisco Teixeira da Mota, se vai focar. Tentando convencer o coletivo de juízes que o seu cliente é um herói nacional e não um criminoso, como alega a acusação.

O advogado Francisco Teixeira da Mota à chegada ao Campus de Justiça, em LisboaMARIO CRUZ/LUSA

Rui Pinto é também responsável pelo processo Luanda Leaks, em que a angolana Isabel dos Santos é a principal visada e está em liberdade desde o dia 7 de agosto — depois de sete meses em prisão preventiva — encontrando-se, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial. Porém, a morada de Rui Pinto, onde a família se encontra ainda a viver, foi divulgada no início da sessão, para que todos ouvissem.

Na sala de audiência, apenas 12 pessoas puderam estar presentes. No caso de jornalistas, apenas os primeiros dez poderiam entrar, tendo alguns chegado às 5.00 da manhã ao Campus de Justiça, com o objetivo de marcar lugar. E apesar de estarem dezenas e dezenas de jornalistas, portugueses e estrangeiros e até advogados estagiários de escritórios que não tinham qualquer presença no processo, a sala escolhida para a realização da audiência não era das maiores do Campus de Justiça.

Os restantes — apesar de credenciados semanas antes — puderam assistir à sessão apenas através de videoconferência numa sala de outro edifício onde, para entrar, foram necessárias não uma, não duas, mas três revistas às malas, mais de cinco confirmações da identificação e ainda a passagem pelo detetor de metais. Qualquer cidadão, advogado, jornalista ou familiar do arguido, para estar nessa mesma sala onde apenas se encontravam cadeiras, mesas e três ecrãs, foram impedidos de entrar e sair da sala quando quisessem, impedidos de levar telemóveis e ainda computadores, instrumento de trabalho para a maioria dos jornalistas presentes.

As horas de entrada e saída dessa mesma sala era registadas numa folha A4 de papel, mesmo que a saída fosse apenas para apanhar um pouco de ar na rua ou satisfazer necessidades fisiológicas. “Não percebo sinceramente para quê isto tudo e não sei sequer se alguém tem intenção de magoar o Rui Pinto, mas as forças de segurança é que sabem”, comentava o advogado Tiago Rodrigues Bastos, à entrada do julgamento, quase engolido pelas dezenas de câmaras de televisão que o filmavam em direto. Advogado que representa alguns assistentes no processo, como o escritório de advogados PLMJ e o ex-sócio João Medeiros, que viu a sua correspondência eletrónica divulgada pelo hacker. “Segurança nunca é demais”, justificava-se um dos cinco agentes da PSP à entrada da sala. “Isto tudo para o Rui Pinto?”, questionava uma jornalista. “Tem de ser”, explicavam os agentes.

Medidas de segurança reforçadas no perímetro do Campus de JustiçaMARIO CRUZ/LUSA

Nesse dia da audiência foram ainda estipuladas duas pausas de manhã e outras tantas de tarde para que os jornalistas pudessem redigir as suas peças, já que dentro da sala apenas notas num bloco de papel puderam ser escritas.

Rui Pinto assume-se como um whistleblower, faz a apologia do interesse público para justificar a divulgação de material que envolveu altas esferas do mundo do futebol, advogados e questões relativas ao caso Luanda Leaks, que envolve Isabel dos Santos. E recusa que tenha recebido dinheiro ao divulgar estas informações.

Rui Pinto vai responder por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, por 14 de violação de correspondência e por seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol e a Procuradoria-Geral da República, e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 7 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e o seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

Sob o pseudónimo ‘John’, divulgou informações a partir de Budapeste, na Hungria, país no qual foi detido em 16 de janeiro de 2019, no âmbito de um Mandado de Detenção Europeu. O português, de 31 anos, vivia na capital húngara desde fevereiro de 2015, após uma primeira passagem pela cidade, entre 2012 e 2013, enquanto estudante de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ao abrigo do Programa Erasmus.

Apoiantes de Rui Pinto no exterior do Campus de JustiçaMARIO CRUZ/LUSA

Natural de Mafamude, Vila Nova de Gaia, cidade onde nasceu em 20 de outubro de 1988, Rui Pinto, confesso adepto do FC Porto e “fanático por futebol desde criança”, cresceu na zona da Praia de Lavadores, na freguesia de Canidelo, tornando-se num autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.

Em 2013, foi o único suspeito de desviar cerca de 264 mil euros do Caledonian Bank após aceder ao sistema informático da instituição bancária sediada nas Ilhas Caimão. O inquérito-crime foi arquivado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, em outubro de 2014, na sequência de um acordo extrajudicial entre o jovem e o banco.8, Rui Pinto, confesso adepto do FC Porto e “fanático por futebol desde criança”, cresceu na zona da Praia de Lavadores, na freguesia de Canidelo, tornando-se num autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.

Em setembro de 2019, o Ministério Público acusou Rui Pinto de 147 crimes: 75 de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência e um de sabotagem informática e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais, sujeitos a segredo de justiça, segredo profissional de advogado e segredo comercial, acedendo também a dados pessoais de terceiros. O crime de tentativa de extorsão (de 500 mil a um milhão de euros) diz respeito à Doyen, com a contrapartida de o criador do Football Leaks não revelar documentos confidenciais deste fundo de investimento.

Rui Pinto arrolou 45 testemunhas para deporem no julgamento, entre as quais estão personalidades do desporto, da política e o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ).

A antiga eurodeputada Ana Gomes, que sempre defendeu Rui Pinto, é a primeira da lista de testemunhas, que tem outros nomes ligados à política, como o ex-coordenador do Bloco de Esquerda (BE) Francisco Louçã e o ex-ministro Miguel Poiares Maduro, ou personalidades do desporto, como o ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho, o treinador do Benfica, Jorge Jesus, e Octávio Machado.

O diretor nacional da PJ, Luís Neves, e Edward Snowden, antigo administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional (CIA) dos Estados Unidos, que revelou, em 2013, informações confidenciais e programas ilegais de espionagem, são outras das testemunhas arroladas.

Bruno de Carvalho, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, e o advogado Nuno Morais Sarmento, também vice-presidente do PSD, estão entre as 71 testemunhas arroladas pelo Ministério Público na acusação contra Rui Pinto.

Rui Pinto, nas suas primeiras declarações perante o coletivo de juízes, sublinhou que está neste processo “numa estranha situação”, já que é “arguido, mas também testemunha protegido pelo Estado”. Numa curta declaração feita com papel na mão e em pé, o alegado hacker assume-se não como um pirata informático mas sim “um whistleblower” que agiu no interesse público e “nunca por dinheiro”.

“Sou um denunciante, não um hacker, sou sim um whistleblower que divulgou informação com interesse público”, disse perante o tribunal. Mas assume que o seu “trabalho de whistleblower está terminado” e garante que não o fez “nunca por dinheiro”. O arguido, que disse ao tribunal estar “desempregado”, assumiu ainda que ficou “indignado” com tudo o que descobriu. “Fui incentivado, aliás, por várias organizações internacionais e jornalistas a divulgar essa informação”. Assumindo-se como uma espécie de herói nacional, o arguido disse ainda que foi “ameaçado, caluniado” e que o período de sete meses em que esteve preso, em isolamento total, não foram tempos fáceis”.

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