Empresas que passam de pais para filhos
O melhor sucessor é aquele que proporcione o melhor desempenho à empresa. Em Portugal há de tudo. Filhos que sucedem a pais, netos que sucedem a avôs e até gestores externos à família.
A sucessão das empresas familiares, um tema que voltou à ribalta com a passagem do testemunho de Américo Amorim para a filha Paula nos comandos da Galp Energia é um dos principais desafios com que as empresas — ditas familiares — se deparam. O tema assume especial importância na medida em que, em Portugal, 80% das empresas nacionais são de cariz familiar, são responsáveis por 60% do PIB nacional e por 50% do emprego. Na Europa, por exemplo, 700 mil empresas passam o testemunho para a nova geração todos os anos, envolvendo 2,8 milhões de pessoas e respetivos postos de trabalho.
Segundo o livro branco da sucessão empresarial lançado pelo Associação Empresarial de Portugal (AEP), em 2014, 50% das empresas familiares não passam para a segunda geração e apenas 20% consegue atingir a terceira geração.
A sucessão, dizem os manuais, é um processo complicado e exigente que não raras vezes os fundadores das empresas descuram para um segundo plano. Mas devia ser tratado com rigor, transparência e sobretudo com tempo. Uma sucessão bem-sucedida é sinónimo de prolongamento do ciclo de vida das empresas. Ou por outras palavras, o sucessor deve ser aquele que proporcione melhor desempenho à empresa.
Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares adianta em declarações ao ECO que “os maiores desafios que se colocam às empresas familiares são a profissionalização da sua gestão, o desenvolvimento de um modelo de corporate governance eficaz, moderno e transparente e a questão da sucessão de uma geração para a outra”. Peter Villax diz mesmo que no caso da sucessão “esta tem que ser um processo longo que pode durar dez anos e sobretudo tem que haver partilha. Partilha de tudo, de informação, de problemas. Tem de existir um conceito de partilha que passe por ter, saber e poder”.
"Os maiores desafios que se colocam às empresas familiares são a profissionalização da sua gestão, o desenvolvimento de um modelo de ‘corporate governance’ eficaz, moderno e transparente e a questão da sucessão de uma geração para a outra”
A sucessão mais recente de pai para filha é precisamente a protagonizada pela família Amorim. Com a Corticeira Amorim nas mãos do sobrinho António, Américo Amorim, de 82 anos de idade, entregou em meados do mês, a presidência da Galp à filha Paula, que ocupava a vice-presidência da petrolífera.
Estava encontrada a sucessão do homem mais rico de Portugal- com a fortuna avaliada pela Forbes em perto de 5,3 mil milhões de dólares. A decisão não surpreendeu. Considerada ponderada, intuitiva e concentrada no essencial, Paula Amorim trabalhava com o pai há mais de 20 anos. A empresária- é dona da Fashion Clinic- foi aos poucos consolidando a sua posição dentro do grupo AA, onde de resto é presidente da Amorim Holding e vice-presidente de quase todas as empresas do grupo. Na Galp a filha mais velha de Américo Amorim entrou em 2012 para a administração da petrolífera. Três anos mais tarde assume a presidência da empresa sendo agora a nova “chairwoman”. Paula que já adiantou que o seu trabalho será o de continuidade tem a difícil missão de substituir “o patriarca” da família.
Casos de sucessão bem feitos
Algumas das principais empresas portuguesas são empresas de cariz familiar. E há casos em que a sucessão já aconteceu. A Sonae é talvez um dos casos mais emblemáticos. O “processo foi completamente transparente e rigoroso e sobretudo foi feito com o fundador da empresa, Belmiro de Azevedo presente”, contam fontes próximas do processo ao ECO.
Estávamos em 2007, em pleno rescaldo da OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom, processo que a empresa da Maia tinha perdido. Ainda assim, Belmiro de Azevedo achou por bem nomear o seu sucessor. Belmiro tinha então 68 anos de idade. Na calha estavam os quatro vice-presidentes da Sonae: Álvaro Portela, Ângelo Paupério, Nuno Jordão e Paulo Azevedo. Belmiro de Azevedo inquiriu os quatro. “Primeiro tenho que saber se querem”, disse à data o presidente. E só semanas mais tarde anunciou o nome do novo presidente executivo da Sonae: Paulo Azevedo. A escolha não surpreendeu ninguém, mas mais importante do que isso, não chocou ninguém.
“Em igualdade de circunstâncias, parece-me natural que a escolha recaia num membro da família”, dizem fontes próximas à Sonae. E a verdade é que “até hoje nada nos leva a crer que o sucessor não está à altura do fundador da empresa”.
Mas a verdade é que a sucessão dentro da Sonae não acabaria aí. O processo foi feito em “dois atos”. Primeiro Belmiro saiu de cena como executivo, depois abandonou as funções de chairman (Março de 2015) O anúncio foi feito na festa em que se comemoravam os 50 anos de carreira do empresário. Mais uma vez a escolha recaiu em Paulo Azevedo, que assim acumula o cargo de chairman e CEO do grupo, com a nuance de ter partilhado com Ângelo Paupério a presidência executiva do grupo.
A preparação e a antecipação parecem assim dois trunfos essenciais nos processos de sucessão das empresas. A Bial é um exemplo paradigmático da questão. Luís Portela, chairman do grupo fundado em 1924, ao completar 50 anos definiu dois objetivos: levar o primeiro medicamento português ao mercado mundial e segundo, começar a preparar a sucessão na liderança da empresa.
A decisão de Luís Portela é fácil de entender. O chairman da Bial, cujo pai morreu aos 50 anos, viu-se forçado a abandonar a carreira médica para liderar a Bial. Luís Portela nunca exerceu qualquer tipo de pressão sobre os filhos (tem dois) e no momento da escolha esteve quase a optar por um elemento externo à família, mas alertado por um elemento da sua equipa percebeu que não devia afastar o filho António da corrida. As capacidades de liderança e de gestão de António foram fundamentais para a escolha, apesar dos seus 39 anos de idade.
“Saber sair é um trunfo, e sobretudo saber sair e encontrar o sucessor quando ainda se está em pleno uso das capacidades é fundamental, até porque se a coisa corre mal, e às vezes corre mal, o fundador pode sempre apresentar um plano B, para além de que pode ir orientando”, explica Peter Villax para quem este tema é demasiado complexo para ser deixado ao “deus dará”.
Mas nem sempre a sucessão acontece de pais para filhos, pelo menos de imediato. Na Jerónimo Martins, onde Alexandre Soares dos Santos já admitiu que o processo de sucessão durou cinco anos, a escolha recaiu num primeiro momento no administrador executivo, Luís Palha da Silva. Gestor profissional escolhido para assegurar a transição entre as duas gerações da família.
Soares dos Santos abandonou a presidência executiva em 2004, sucedeu-lhe Palha da Silva e cinco anos depois foi a vez de Pedro Soares dos Santos, filho de Alexandre, assumir a presidência da empresa. O chairman da Jerónimo Martins garantia no momento da passagem de testemunho que “não havia espaço para confusões de papéis. Cada um sabe das suas responsabilidades”, diz. Fontes próximas ao processo dizem que “o caso da Jerónimo Martins é outro exemplo de uma boa sucessão”. Mas porque não aconteceu de imediato? A resposta parece óbvia. “Esperava-se o momento em que a empresa estivesse madura para um passo desta envergadura”, referem.
"Não há espaço para confusões de papéis, cada um sabe das suas responsabilidades””
Caminho idêntico parece ter feito a Impresa, de Francisco Pinto Balsemão. Em 2008, Balsemão entregou a Pedro Norton, na altura com 40 anos, a vice-presidência do grupo. Pedro Norton era um elemento externo à família, mas era um rejuvenescimento nos quadros da Impresa. Mas é só em 2012 que Norton assume o cargo de CEO do grupo, debaixo da supervisão do chairman Balsemão. A sucessão parecia concluída. Mas nem tudo o que parece é. Em janeiro deste ano, a liderança da Impresa muda de novo de mãos e volta para o seio da família Balsemão. Francisco Pedro Balsemão, que já fazia parte da comissão executiva com os pelouros de recursos humanos e jurídicos, é agora o senhor que se segue.
Na Sogrape a história é um pouco diferente. Fernando Guedes (pai) começou por lavar pipas na empresa do pai. Mais tarde comprou a Ferreira aos descendentes da Dona Antónia e dá um passo de gigante no mundo dos vinhos. No ano 2000, Fernando Guedes decide que está chegado o momento para proceder à sucessão dentro do grupo. Salvador Guedes, o filho mais velho, na altura já com 20 anos de casa e 10 na administração, assume a liderança. Mas em dezembro de 2014 Salvador Guedes é obrigado a abandonar a presidência do grupo devido a motivos de saúde. A escolha recaiu no irmão Fernando Cunha Guedes. É a terceira geração que está nos comandos, mas na empresa trabalha já a quarta geração.
“Sim, vejo-me no lugar do meu pai”
Na Vila Galé, a sucessão parece óbvia mas não está ainda efetivada. Gonçalo, filho de Jorge Rebelo de Almeida, faz parte, juntamente com o pai, do conselho de administração da empresa. São, aliás, os dois únicos elementos. Jorge, com 67 anos continua a ser o presidente e Gonçalo é o número dois.
Gonçalo tem 42 anos e um percurso longo e multifacetado dentro da Vila Galé e assume “que se um dia vier a suceder ao pai será mais ou menos um processo natural dentro da empresa e da família”.
“Sim, vejo-me no lugar do meu pai”, admite o gestor. Gonçalo tem mais três irmãos, um que estuda medicina e duas irmãs pequenas com três e seis anos. Licenciado em Direito, Gonçalo pensava vir a exercer a advocacia, de tal forma que inicialmente repartiu o tempo entre um escritório de advogados e a empresa. Mas em 1998 optou por ficar apenas ligado à cadeia de hotéis onde permanece até hoje.
Empresas sem sucessão direta
Fortunato Frederico, presidente do grupo Kyaia, o maior fabricante português de calçado, não tem sucessão direta no que respeita aos negócios. O empresário diz que caso “perdure a lei natural da vida, será o meu sócio” a continuar a obra. Ainda assim, Fortunato Frederico enaltece o fato da empresa “ter uma gestão profissionalizada” e adianta que “os interesses da família Fortunato Frederico estão salvaguardados”. De resto, o empresário criou em 2014 a fundação Oliveira Frederico, o nome do filho que faleceu, e adianta que a empresa fará parte da fundação.
Na Riopele, uma das maiores empresas têxteis a tradição pesou mais forte. A empresa que hoje é liderada e detida por José Alexandre Oliveira foi fundada pelo avô deste, em 1927. “O meu pai era o mais velho de cinco irmãos e acabou por ser ele a gerir a empresa por 50 anos”, conta o atual presidente da Riopele. Com a morte do pai, a empresa passa a contar com cinco acionistas: José Alexandre e os quatro tios.
José Alexandre Oliveira assume o cargo desempenhado pelo pai em 2001 e passados 12 anos compra a posição aos tios. Agora diz: “a Riopele conta com uma estrutura profissionalizada com pessoas preparadas para dar continuidade ao trabalho desenvolvido”. O presidente da Riopele tem duas filhas ainda longe de abraçarem a vida profissional. “Não faço a mínima questão que sigam as minhas pisadas, se vierem e tiverem capacidade serão bem-vindas, mas não faço questão”, diz.
"Não faço a mínima questão que sigam as minhas pisadas, se vierem e tiverem capacidade serão bem-vindas, mas não faço questão.”
De resto, há hoje um cuidado maior dos líderes das empresas em apostarem numa gestão profissional e de darem “mundo” aos descendentes de modo a que estes façam as suas opções. João Miranda, presidente da Frulact tem três filhos: um com 23 anos, um com 20 e outro com 14 anos. O mais velho tirou o curso de Medicina Dentária e trabalha na Holanda, o do meio estuda Marketing e está no programa Erasmus na Polónia. O mais novo é ainda muito…novo.
João Miranda diz que “mais importante do que os preparar para gerir a empresa é prepará-los para serem acionistas”. “Não temos que deter a gestão, temos sim que preservar o projeto. Portanto o mais importante é que os meus filhos se possam rever como acionistas e interagir com o património”. Se optarem por seguir as pisadas do pai, “aí é a cereja no topo do bolo”. Mas acrescenta: “a minha preocupação é em dar-lhes mundo, para terem outra visão e para que se tornem homens do mundo”.
"Mais importante do que os preparar para gerir a empresa é prepará-los para serem acionistas.”
Mas será bom ter um elemento na liderança da empresa fora da família? Os autores que estudam o tema, e são muitos, dizem que há vantagens e desvantagens em cada uma das opções. Quando a escolha recai fora de elementos da família existem vantagens nomeadamente a profissionalização da gestão, um novo estilo de liderança e uma visão mais distanciada. Mas as desvantagens também existem: conflitos familiares, transferências de poder e perda de herança familiar.
O modelo oposto, quando a escolha recai sobre um membro da família tem a vantagem da lealdade, da união e do comprometimento, mas nem tudo são vantagens. Nepotismo, preparação inadequada e o conflito “família/empresa” são as maiores desvantagens apontadas.
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