Está perdido? Quem disse o quê na polémica da CGD
Já não sabe quem disse o quê, quem mentiu, disse inverdades, o que existe e inexiste? Não se preocupe. O ECO dá-lhe os factos.
Parecia que o assunto já estava arrumado: António Domingues saiu da Caixa Geral de Depósitos por não concordar com a obrigação de entregar uma declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. O banco público ganhou uma nova liderança, encabeçada por Paulo Macedo. Mas as cartas que chegaram à comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD, e que foram reveladas pelo ECO, reacenderam a polémica. Afinal, o ministro das Finanças comprometeu-se com António Domingues sobre esta dispensa, ou não? O que disse Centeno? E o que disse Domingues? Quem disse o quê? Venha daí, o ECO dá-lhe os factos.
Mário Centeno
“Reitera-se todas as declarações públicas que o ministro das Finanças fez sobre esta matéria”.
Esta foi a resposta do Ministério das Finanças ao Expresso esta quarta-feira, 8 de fevereiro, face à revelação do conteúdo das cartas escondidas.
“A ideia é a CGD ser tratada como qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas. Não foi lapso. O escrutínio já é feito.”
A frase é do gabinete de imprensa do Ministério das Finanças a 25 de outubro, e foi enviada a vários jornais na sequência da questão suscitada pelo social-democrata Marques Mendes. O comentador tinha explicado que, ao retirar os administradores da Caixa do Estatuto do Gestor Público, dispensava-os da entrega das declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional.
“O único compromisso que existe é o de que se manterá um banco público, capitalizado de maneira a poder desempenhar o papel que tem de desempenhar no sistema financeiro e na economia portuguesa e um banco que seja competitivo. Esse é o compromisso, foi assumido de forma muito explícita interna e externamente. É esse o único compromisso que temos neste momento assumido em relação à Caixa Geral de Depósitos.”
Estas foram as declarações do ministro das Finanças, Mário Centeno, numa conferência de imprensa com o comissário europeu Pierre Moscovici no Ministério das Finanças.
“O Governo garantiu ao dr. António Domingues todas as condições para que o dr. António Domingues pudesse ter um mandato de quatro anos à frente da Caixa com os objetivos para a missão da CGD que o Governo estabeleceu.”
Esta foi a resposta dada pelo ministro das Finanças numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, a 4 de janeiro, perante a pergunta direta dos jornalistas sobre se “o Governo garantiu ou não, em algum momento e de que forma, a António Domingues, que ele estaria dispensado da apresentação da famosa declaração de rendimentos?”
Nessa entrevista, o ministro acrescentou ainda:
“O dr. António Domingues pôs várias condições. Essas condições foram todas conversadas entre o acionista e o dr. António Domingues. Foi muito claro, para todos, quais eram as condições com que o dr. António Domingues entrava. A legislação que foi passada, a esse propósito, teve como objetivo principal este que eu acabei de dizer — permitir alinhar os incentivos e as remunerações e, no fundo, o estatuto do gestor da Caixa com os do restante setor bancário…”
E continuou:
“E, nesse contexto, da legislação decorreria isso. Acontece que há entendimentos diversos sobre a legislação e a vida é o que é. E, quando estamos à frente de uma instituição da dimensão da CGD ou de outras entidades que mesmo não sendo públicas ou sendo públicas ou privadas têm uma dimensão muito significativa na vida pública nacional, temos de ser capazes de reagir àquilo que são as interpretações que fazem…”
António Domingues
“Foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais, como de resto o Ministério das Finanças publicamente confirmou”. “Foi, desde logo com grande surpresa que vimos serem suscitadas dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do conselho de administração da CGD do Estatuto do Gestor Público (EGP), concretamente sobre a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional”.
São estas as declarações do gestor, na carta de 15 de novembro, que afirmam a existência de um compromisso entre o Ministério das Finanças e António Domingues.
“Não, por amor de Deus, porque é que haveria de sair zangado?”
Foi assim que António Domingues reagiu quando os jornalistas, a 16 de dezembro, lhe perguntaram se saía da Caixa Geral de Depósitos zangado com o Governo.
“Se me dissessem ‘não’, eu ia à minha vida. Mas tenho o direito de defender os meus interesses. Essas condições foram postas à cabeça.”
Disse, segundo o Observador, o já presidente executivo demissionário na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, a 4 de janeiro de 2017. Na mesma sessão dessa comissão, Domingues acrescentou:
“Considerava que não se devia aplicar à Caixa o estatuto de gestor público, porque manter esse estatuto significa que o Estado continuava a ter direitos especiais diferentes de um acionista normal e isso iria criar dificuldades”
“O que estava em causa era um afastamento da aplicação do Estatuto do Gestor Público”, porque manter esse estatuto poderia “dificultar as negociações com Bruxelas”, já que o Estado teria “poderes especiais” face aos outros acionistas, afirmou na mesma ocasião António Domingues.
Ricardo Mourinho Félix
“Sim, foi intencional, sabíamos que isto [o fim do escrutínio público dos rendimentos dos novos gestores da CGD] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público”. “Não haverá acesso do público em geral às suas declarações de rendimentos. Será um processo entre o gestor e o regulador [Banco de Portugal]”.
A 28 de outubro, o Diário de Notícias, citando declarações do secretário de Estado, noticia que Mourinho Félix assumiu que não tinha sido por lapso que o Governo isentara os novos administradores do banco público do dever — imperativo para todos os outros gestores públicos — de apresentarem declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional. Mais tarde, segundo o mesmo jornal, o Governo voltava atrás remetendo para a lei de 83.
“Não existe nenhum acordo. [As afirmações sobre a existência de um acordo escrito] são falsas, não têm nenhum fundamento, não existe nenhum acordo, esse acordo não existe. (…) Não assinei nenhum acordo, nenhum acordo aludia a essa questão.”
Foi esta a reação de Mourinho Félix, à TSF, a 18 de novembro, sobre as afirmações de Lobo Xavier que diz haver um “compromisso escrito” entre o Governo e António Domingues sobre a dispensa de entrega das declarações de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional.
Pedro Nuno Santos
“Aos gestores da CGD não se aplica o estatuto do gestor público, mas eles têm de apresentar a declaração de rendimentos porque a lei de 83 — invocada pelo Presidente da República — diz isso mesmo e essa não foi alterada.”
Foi assim que o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares esclareceu o seu ponto de vista sobre o assunto, numa entrevista à TSF e Diário de Notícias, a 7 de novembro de 2016.
António Lobo Xavier
“Havia uns senhores que tinham belíssimos lugares nos sítios onde estavam e foram desafiados pelo governo para tratar da CGD. [Os gestores] Puseram as suas condições, como acontece sempre, e foi-lhes prometido, foi-lhes até escrito, foi-lhes até escrito.”
Lobo Xavier falava na Quadratura do Círculo, na SIC Notícias, a 18 de novembro, e referia-se à existência de um compromisso escrito, por parte do Governo, de que estariam dispensados da entrega de declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional. Lobo Xavier acrescentou ainda:
“Os governos não funcionam assim, os compromissos eram do conhecimento de todos, e toda a gente tinha era a ideia de que bastava alterar o Estatuto do Gestor Público para resolver todos os problemas colocados, ou seja, quer o salário, quer o da revelação das declarações.”
António Costa
“O ministro das Finanças não mentiu. Não tiro conclusões sobre a posição do ministro com base em compromissos que terceiros alegam que ele tem sem que haja qualquer prova”.
Esta quarta-feira, dia 8 de fevereiro, no debate parlamentar, o primeiro-ministro respondeu aos deputados do PSD e CDS sobre a polémica da correspondência.
“A interpretação que faz o senhor Presidente da República, a interpretação que os gestores da CGD fazem e a interpretação que fará o Tribunal Constitucional respeita a cada um. Respeitaremos a interpretação que for feita.”
Esta foi a resposta do primeiro-ministro, quando confrontado pela Lusa, a 5 de novembro, sobre se os administradores da Caixa têm de apresentar as declarações de rendimentos.
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