Nova comissão da CGD: Descubra as diferenças
Em apenas oito meses, a Caixa Geral de Depósitos já levou à realização de duas comissões de inquérito. O âmbito é diferente, mas os deputados são quase todos os mesmos. Descubra as diferenças.
Há oito meses começava uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Quase um ano depois, e ainda com a primeira comissão a decorrer, arranca hoje uma nova. Uma é à gestão do banco estatal, a outra é sobre a contratação e demissão do conselho de administração liderado por António Domingues. O âmbito é diferente, mas os deputados que participam nesta audição sobre as negociações conduzidas pelo Governo são quase todos os mesmos. Afinal o que muda de uma comissão para a outra? Descubra as diferenças.
Estamos em julho de 2016. A CPI à gestão da CGD arrancou mesmo antes do verão, na mesma altura em que o Governo de António Costa anunciou que estava a negociar com a Comissão Europeia um plano de recapitalização para a CGD — que já teve luz verde. O objetivo seria libertar o banco estatal da carteira de crédito em risco e dos elevados custos que estão a pesar na rendibilidade da Caixa. Mas por que é que era necessário capital “fresco” na Caixa? Era, e é, isto que os deputados queriam saber.
“Avaliar os factos que fundamentam a necessidade da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, incluindo as efetivas necessidades de capital e de injeção de fundos públicos e as medidas de reestruturação do banco”, foi o que ficou definido no requerimento do PSD e do CDS, que queria analisar a gestão do banco público desde o ano 2000. Esta comissão ainda decorre, mas não há conclusões à vista. Mesmo assim arranca hoje uma nova, menos de um ano depois de a outra ter começado.
"Parece que remexer num passado que poderia dar pistas sobre a má gestão, má governação da Caixa, não agrada a partidos que estão na oposição.”
“Parece que remexer num passado que poderia dar pistas sobre a má gestão, má governação da Caixa, não agrada a partidos que estão na oposição”, diz Viriato Soromenho Marques ao ECO. O politólogo acrescenta que “há uma cumplicidade entre os dois lados da bancada. Não quer dizer que seja assumida ou que haja uma teoria da conspiração”.
Na nova comissão, o âmbito é outro: a contratação e demissão do conselho de administração liderado por António Domingues. O ex-presidente da CGD saiu do banco estatal por não concordar com a obrigação de entregar uma declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Entretanto, o banco público ganhou uma nova liderança, encabeçada por Paulo Macedo.
Parecia estar tudo arrumado, mas as cartas que chegaram à comissão parlamentar de inquérito sobre a recapitalização da CGD, e que foram reveladas pelo ECO, reacenderam a polémica. Afinal, o ministro das Finanças comprometeu-se com António Domingues sobre esta dispensa, ou não? O que disse Centeno? E o que disse Domingues? Quem disse o quê?
José Pedro Aguiar-Branco, o deputado do PSD que vai agora presidir os trabalhos, já deixou uma promessa: a nova comissão não vai ser a “comissão dos SMS”. Questionado pela Lusa se esta iniciativa parlamentar não poderá ficar demasiado centrada na troca de comunicações, inclusivamente mensagens telefónicas (SMS), entre Mário Centeno e o anterior presidente da Caixa, António Domingues, o futuro presidente da comissão garantiu que não.
Comissões à CGD? “É uma trapalhada”
Ambas as comissões são presididas pelo PSD. A primeira contou com Matos Correia — que se demitiu por considerar que os trabalhos não estavam a ser conduzidos da melhor forma, acabando por ser substituído por Emídio Guerreiro (PSD) –, a segunda com o social-democrata Aguiar Branco. As fileiras do partido ficam completas com a entrada de Luís Marques Guedes enquanto coordenador.
Já o PS repete alguns nomes: João Paulo Correia será o coordenador dos deputados socialistas e porta-voz do partido, João Galamba. Pelo CDS-PP, há também uma repetição: o deputado e porta-voz do partido João Almeida. O mesmo no Bloco de Esquerda: Moisés Ferreira volta representar os bloquistas. E no PCP? Igual. O deputado Miguel Tiago foi novamente o nome indicado pelo partido como membro efetivo da nova comissão.
É uma trapalhada (…) há uma grande dificuldade em estabelecer o que é logicamente relevante.
“É uma trapalhada”, diz Viriato Soromenho Marques ao ECO. “Há uma grande dificuldade em estabelecer o que é logicamente relevante”, refere o politólogo. Mas como é que já vamos em duas comissões? “O que está aqui em causa é uma inversão da hierarquia de valores”, explica o professor universitário. E acrescenta que o Parlamento deveria ser mobilizado pela missão de “tentar encontrar uma saída para o sistema financeiro” nacional e promover a robustez dos bancos com problemas, nomeadamente a CGD.
Para António Costa Pinto, a nova comissão deve durar pouco tempo. “O tema vai esgotar-se rapidamente”, diz o politólogo ao ECO. O professor relembra ainda a importância da agenda política. Ou seja, se num dia se fala da Caixa, no outro fala-se nas offshores. Já Viriato Soromenho Marques, citando Paulo Trigo Pereira, diz que “um Parlamento que multiplica as comissões parlamentares de inquérito corre o risco de as desprivilegiar”.
CGD pagou a advogados? PCP quer esclarecimentos
O PCP apelida a nova comissão de inquérito criada de forma potestativa pelo PSD/CDS de “folhetim”, mas admite que o pagamento feito pela Caixa Geral de Depósitos ao escritório de advogados merece esclarecimento. Em causa está a Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados, sociedade de advogados que assessorou António Domingues antes de este ter assinado o contrato como presidente do banco público. Tal como o ECO noticiou, não foi o ex-CEO quem pagou, mas sim a Caixa.
“Se é uma pessoa que a título próprio vai buscar uns advogados que lhe apetece e apresenta a fatura à Caixa, claro que nesse caso é preciso compreender como é que isso foi possível”, admite o deputado do PCP, Miguel Tiago, em declarações ao ECO. “Julgo que isso resultará dos trabalhos normais da comissão porque temos os documentos que nos permitem identificar todo o processo de elaboração das propostas desse escritório de advogado”, explica, referindo que os documentos que vão ser visualizados na outra comissão “passam certamente” para esta.
"Se é uma pessoa que a título próprio vai buscar uns advogados que lhe apetece e apresenta a fatura à Caixa, claro que nesse caso é preciso compreender como é que isso foi possível.”
Para Miguel Tiago não será “difícil compreender em que moldes é que foi realizado aquele trabalho por aqueles advogados“, dado que os deputados podem consultar esses documentos. Contudo, esta “não é uma prioridade, nem de perto nem de longe, do PCP”. Para os comunistas o assunto “já está todo clarificado”. “A última preocupação dos portugueses é saber se o ministro nomeou António Domingues por este motivo ou aquele”, afirma Miguel Tiago, apelidando de “incompreensível” a constituição de uma comissão de inquérito para esse efeito.
“Não me parece que o PCP vá pedir muitas audiências”, admite, referindo que dado o âmbito da nova comissão, “só basta chamar os membros da administração e os membros do Governo”. Miguel Tiago reforça que “o PCP nem sequer entendia que esta comissão de inquérito fosse necessária” e que ainda não têm “ninguém para ouvir”. Na questão de quem pagou aos advogados, o deputado comunista admite que é uma das “questões que merece esclarecimento“, mas aponta uma explicação já dada anteriormente.
“Tanto quanto nos esclareceram, a Caixa tem com este escritório uma espécie de avença regular e este trabalho foi-lhes pedido neste âmbito”, começa por explicar Miguel Tiago. “Temos de apurar se é verdade ou não”. “Tanto quanto deram a entender foi que uma pessoa que já estava nomeada administrador usou advogados que estão ao serviço da Caixa para fazer um trabalho que, na verdade, era sobre a Caixa”, complementa. Se esta versão for verdadeira, para o deputado comunista, “também não é nada de grave”. O Bloco de Esquerda, o CDS e o PSD foram contactados pelo ECO, mas ainda não responderam até ao momento de publicação.
PS disponível para interromper nova CPI até terminar a primeira
João Paulo Correia diz ainda ser “muito cedo” para decidir que audições vão requerer ou que documentos vão pedir. “Não faz sentido estar a correr mais que a bala“, afirma o deputado socialista ao ECO, referindo que ainda não tomaram “nenhuma decisão”. No entanto, o Partido Socialista está disponível já, neste momento, “para aceitar uma proposta de interrupção dos trabalhos da nova comissão até que a comissão de inquérito que está a decorrer termine o seu trabalho”. Ainda assim, a proposta não vai partir do PS. “Alguém tem de apresentar a proposta”, refere João Paulo Correia.
Essa mesma ideia é defendida pelos comunistas. Ao ECO, Miguel Tiago responde que o PCP entende que os trabalhos da primeira comissão devem ser terminados. “Nós defendemos isso mesmo, já na última reunião da atual comissão”, afirma o deputado comunista. Nessa reunião, o também deputado comunista Paulo Sá argumentava que, por falta de recursos humanos, a sobreposição das comissões iria trazer problemas de gestão do grupo parlamentar do PCP.
BE: nova comissão não pode servir para “esconder responsabilidades”
Catarina Martins disse esta terça-feira que a nova CPI sobre a CGD não pode apagar as responsabilidades que se quer apurar na primeira comissão ainda em funcionamento. “O que nós desejamos e aquilo para que trabalharemos é para que não sirva a nova comissão para tentar esconder responsabilidades que estavam a ser apuradas na anterior e que talvez sejam desconfortáveis”, disse a coordenadora do BE em declarações à Lusa no final de uma visita à Galeria Pública de Arte Urbana, no Bairro Padre Cruz, em Lisboa.
A líder dos bloquistas garante que o partido “tem colaborado em todas as comissões de inquérito com muito empenho”. “O BE, que terá todo o empenho na nova comissão de inquérito, não esquece a comissão de inquérito em curso e a comissão de inquérito em curso é muito importante”, afirmou à Lusa. “É aquela comissão de inquérito que nos deve explicar como é que nós chegámos a esta situação na Caixa, quem são os responsáveis, para conhecermos tudo o que se passou e podermos responsabilizarmos quem deva ser responsabilizado”, argumentou.
(Atualizado às 13h29 com declarações de Catarina Martins)
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