Já sabemos o que Marcelo disse. Mas o que é que os partidos ouviram?
O PSD ouviu um "pedido de maior ambição" nas palavras do Presidente. E os socialistas tomaram "boa nota" delas. Os politólogos não ouviram conflitos. A esquerda ouviu apelos contra a desigualdade.
Foi o próprio Presidente da República que o disse: em datas como o 25 de Abril, “os discursos devem ser correspondentes ao significado nacional das datas e não discursos para mensagens acerca da conjuntura política.” Porém, apenas um dia depois, esta terça-feira, nas comemorações do Dia da Liberdade na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa disse: “Os dois anos e meio que faltam de legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuição.” Foi um recado? Um aviso? Um incentivo?
Antes de mais, importa dizer que o discurso do Presidente da República foi muito para além daquela referência ao que se espera do país nos próximos dois anos e meio. Marcelo Rebelo de Sousa começou até por colocar em causa a própria cerimónia, partilhando na sala das sessões a dúvida colocada por muitos dos seus alunos: faz sentido celebrar o dia da liberdade naquele palácio fechado?
O Presidente-professor diz que sim. “É porque estes tempos são de substituição da substância pela forma”, do “debate das ideias pela proclamação básica”, que “faz sentido manter viva esta tradição, hoje mais do que nunca.” O objetivo é “mostrar que não nos esquecemos da nossa história”, é “confirmar que preferimos a democracia, imperfeita, injusta e incompleta” e que essa democracia “tem uma casa.”
"A democracia está longe de acabar nesta casa. A Assembleia da República é um símbolo primeiro da democracia portuguesa.”
Confirmada a importância da celebração, Marcelo passou para o reconhecimento dos portugueses. Chamou-lhes “heróis” que vão construindo a democracia e atribuiu-lhes o mérito das vitórias nas finanças na economia e na sociedade. Passou pelo tema dos nacionalismos e populismos e argumentou que Portugal é capaz de uma “visão descomplexadamente patriótica”. Reconheceu a importância do poder local e considerou-o como “um fusível de segurança singular da nossa democracia”. E foi já no fim da sua intervenção que disse: “Os dois anos e meio que faltam de legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuição.”
Sabemos o que disse o Presidente. E o que é que os partidos ouviram?
Para um relato mais detalhado do discurso do Presidente, pode consultar o Direto do ECO, aqui. Mas passemos ao que os partidos ouviram. Os partidos ouviram todos nuances diferentes do discurso do Chefe de Estado, mas todos se conseguiram identificar, em alguma passagem, com as palavras de Marcelo — o que não implica que todos tenham gostado, BE, PCP e Verdes não aplaudiram, por exemplo.
Não é de estranhar, “o Presidente evitou qualquer clivagem”, avalia Costa Pinto, politólogo. “Foi um discurso otimista sobre Portugal, quer do ponto de vista político, quer económico”, nota o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Foi um discurso pouco conflituoso com o Governo”, corrobora Marina Costa Lobo, também politóloga, notando que nem BE, nem PCP criticaram as palavras do Presidente da República.
PCP ouviu falar de desigualdades
Jerónimo de Sousa notou a importância dada pelo Presidente ao poder local, mas também à necessidade de “repartição da riqueza”. Mais tarde, em declarações durante o desfile de comemoração do 25 de abril na Avenida da Liberdade, em Lisboa, o secretário-geral do PCP notou que a constatação de Marcelo foi “genérica” e que agora “é preciso concretizar as medidas”. O comunista não aproveitou as palavras do Presidente para criticar o Governo, antes para exigir mudanças.
BE ouviu falar de Estado Social, transparência e combate à xenofobia
Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, frisou três aspetos do discurso do Presidente. Primeiro, o facto de Marcelo ter reconhecido que a liberdade, o Estado Social e a democracia terem sido feitos por “todos aqueles e aquelas que meteram as mãos ao trabalho”. Segundo, a referência à “luta pela transparência”. E terceiro, o combate à xenofobia. Só quando questionada pelos jornalistas sobre a referência do Presidente à necessidade de mais crescimento económico até ao final da legislatura é que Catarina Martins disse: “É preciso ter a coragem de não aceitar fatalismos”, referindo-se aos constrangimentos das regras comunitárias.
Os Verdes ouviram falar de poder local
José Luís Ferreira, deputado pelos Verdes, destacou a importância que Marcelo Rebelo de Sousa deu ao poder local. Sublinhou a importância da mensagem quanto à necessidade de combater as desigualdades e aproveitou para responder à questão colocada pelos alunos do professor Marcelo: as comemorações do 25 de abril devem ser feitas tanto na Assembleia da República, como nas ruas.
CDS ouviu falar do passado
João Almeida, deputado do CDS-PP, reconheceu a ação do anterior Governo de direita nas palavras de Marcelo. Em declarações na Assembleia da República aos jornalistas, frisou que o Presidente valorizou “o esforço dos portugueses” e argumentou que o “desafio neste momento é acrescentar qualidade de vida”. Não deixou passar as referências à necessidade de transparência e da participação cívica, dando conta de que as autárquicas são um espaço ideal para promover essa participação.
PSD ouviu um recado ao Governo…
Hugo Soares, deputado do PSD, frisou que Marcelo Rebelo de Sousa apelou “de forma muito firme à reforma do Estado.” Defendeu que será dessa forma que o país, “em cima das reformas que fez no passado, vai crescer mais e proporcionar maior qualidade de vida aos cidadãos.” E por isso ouviu nas palavras do Presidente um “pedido de maior ambição ao Governo” que vai ao encontro do que “o PSD tem repetido”, notou.
…e o PS ouviu o recado
Carlos César, presidente do PS, sublinhou o registo de “unanimidade” quanto a que o 25 de abril significa para a democracia portuguesa. Deu conta dos progressos conseguidos, mas acusou o toque sobre o crescimento: frisou que o país atingiu “o maior PIB de sempre” e que já cresce acima de outros países da União Europeia. “Durante este ano, não faltarão ocasiões em que essa confiança será reforçada pelos observadores internacional”, garantiu. Mais tarde, no desfile na Avenida da Liberdade, o primeiro-ministro António Costa foi confrontado pelos jornalistas quanto ao pedido do Presidente sobre o crescimento económico. “Trabalhamos nisso todos os dias”, disse, em declarações transmitidas pela RTP3. “O Governo não avalia [as palavras do Presidente], ouve com atenção”. E somou: “Tomamos boa nota.” Nota de quê? “Nota de grande otimismo do que têm sido estes 43 anos.”
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