Investidores estão mais protegidos a partir de agora. O que muda?

  • Rita Atalaia
  • 3 Janeiro 2018

Entra hoje em vigor a DMIF II, a diretiva europeia que visa proteger os investidores. Nova legislação vai também impor regras mais duras aos gestores e mais transparência nos mercados.

Ano novo… nova legislação. Entram em vigor, esta quarta-feira, novas regras para os mercados financeiros. Em causa está a Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros II (DMIF II), que tem como principal objetivo reforçar a proteção dos investidores, aumentar a responsabilidade dos intermediários, bem como dar maior transparência nos mercados. Arranca hoje, não vai chegar a todo o lado ao mesmo tempo. Portugal não será um dos pioneiros.

O novo pacote legislativo para os mercados financeiros foi apresentado pela Comissão Europeia em 2011, visando fazer com que a lei acompanhe os desenvolvimentos dos mercados financeiros, tornando-os “mais eficientes, seguros e transparentes”, numa altura em que há cada vez mais produtos financeiros complexos e opacos. Sete anos depois, a nova diretiva está pronta para entrar em vigor, mas ainda há 19 países que não aprovaram a legislação necessária. E Portugal faz parte desta lista. Isto porque o Governo ainda não aprovou a lei que a transpõe para o direito nacional.

Fonte oficial do Ministério das Finanças disse à Lusa que “o projeto de diploma que transpõe a DMIF II encontra-se já em processo legislativo”, acrescentando que prevê que aconteça “a sua aprovação e envio para o Parlamento no início de janeiro”. A legislação que revê as regras aplicáveis aos mercados de instrumentos financeiros terá, depois da aprovação pelo Governo, de ir à Assembleia da República, uma vez que integra alterações a sanções, que são competência do Parlamento.

DMIF II ainda está a carregar… em 19 países

Fonte: CMVM

São, segundo a Bloomberg, 7.000 páginas de novas regras. Ou seja, a diretiva é cinco vezes maior do que o livro “Guerra e Paz”, de Lev Tolstoi. Um conjunto vasto de legislação que serve para impedir os clientes que se dirigem aos bancos, ou a outro intermediário, de fazerem investimentos que não se enquadram no seu perfil e para garantir que o gestor que está atrás do balcão adequa os produtos que vende ao perfil dos clientes. Mas também para que haja mais transparência no mercado, limitando o número de transações que acontecem nas chamadas dark pools, onde não há regulação nem registo das transações, e o acesso ao research.

Proteção para os investidores

Uma das principais novidades no que respeita à proteção dos investidores relaciona-se com a imposição e preservação de registos de conversas entre gestores dos intermediários financeiros e os respetivos clientes na negociação de produtos financeiros.

A nova versão da DMIF pretende assim que seja feito um registo em suporte fonográfico, ou seja uma gravação, sempre que sejam transmitidas ordens oralmente pelo cliente. No caso de ordens dadas presencialmente, estas devem ser reduzidas a escrito e assinadas pelo respetivo subscritor. Esta é uma forma de clarificar o contexto em que os produtos foram comercializados, caso mais tarde seja necessário fazê-lo.

Portugal foi palco, nos últimos anos, de vários episódios lesivos para os investidores, muitos deles subscritores de produtos financeiros que lhes foram vendidos como de capital garantido mas, na realidade, acabaram por revelar-se com risco, ditando perdas para quem neles investiu. Foram várias as instituições que sucumbiram, casos do Banif e do BES.

"Na avaliação da adequação, em gestão de carteiras ou de consultoria para investimento, o intermediário deverá obter do investidor informação relativa à sua situação financeira, incluindo a sua capacidade para suportar perdas, e ainda os objetivos de investimento, incluindo a tolerância ao risco.”

CMVM

Além disso, os clientes têm ainda de preencher uma ficha detalhada para que seja possível definir qual o seu perfil e produtos financeiros que mais se adequam. “Na avaliação da adequação, em gestão de carteiras ou de consultoria para investimento, o intermediário deverá obter do investidor informação relativa à sua situação financeira, incluindo a sua capacidade para suportar perdas, e ainda os objetivos de investimento, incluindo a tolerância ao risco”, de acordo com a CMVM.

Regras mais apertadas para os intermediários

Mas há mais novidades no que respeita às obrigações tanto das instituições que criam os produtos financeiros como dos intermediários financeiros a quem os compete vender. Enquanto na DMIF I o foco estava no produto, com a DMIF II, este é alargado ao reforço da definição daquele que é o respetivo mercado alvo. A nova diretiva pretende que o produtor — ou seja, quem emite, concebe, cria e desenvolve o produto — adote medidas que assegurem que a distribuição é feita junto de clientes pertencentes ao respetivo mercado alvo e com uma estratégia de distribuição compatível com este.

Já do ponto de vista de a quem compete fazer essa distribuição é exigido que avalie a compatibilidade do instrumento financeiro com as necessidades do cliente, tendo em conta o mercado alvo, bem como a compreensão dos instrumentos financeiros por parte deste. Cabe ainda a estes dois tipos de entidades monitorizar, numa base contínua, a compatibilidade do instrumento financeiro a quem investe, numa base de partilha de informação e cooperação.

Aos intermediários financeiros é exigido ainda que disponham de um sistema de controlo interno que supervisione e faça uma análise periódica dos procedimentos na comercialização de produtos financeiros. É imposto que estes distribuidores garantam que os seus colaboradores possuem os conhecimentos técnicos necessários sobre as características e riscos associados aos instrumentos financeiros que comercializem. Este tipo de conhecimentos é essencial para que estes colaboradores façam uma correta avaliação da adequação dos produtos financeiros aos clientes que têm à sua frente.

A remuneração desses colaboradores é outro dos focos da DMIF II, quando para além de uma componente fixa esteja associada uma variável, que deve ser equilibrada. O objetivo é que não sejam considerados na determinação da remuneração apenas critérios comerciais quantitativos, mas também qualitativos e que reflitam o cumprimento da regulamentação aplicável. O objetivo é desincentivar a comercialização de produtos financeiros “em quantidade”.

Mais transparência no mercado. Traders sob pressão

Este novo pacote de regras, para além de reforçar a proteção dos investidores e impor regras mais duras a quem vende os produtos financeiros, quer também garantir mais transparência nos mercados financeiros. “Trata-se de clarificar áreas do mercado que antes estavam ‘às escuras’, [garantir] transparência e tratar sempre o investidor de forma justa”, afirma Ronan Brennan, da Compliance Solutions Strategies, à Bloomberg.

As chamadas dark pools, ao contrário das bolsas de valores tradicionais, são mercados privados que permitem que os investidores comprem e vendam grandes quantidades de ações sem revelarem previamente a dimensão da transação ou o preço que vão pagar. A DMIF II impõe agora um novo limite: apenas 8% do volume de qualquer ação pode ser negociado nestes mercados.

"Trata-se de clarificar áreas do mercado que antes estavam ‘às escuras’, [garantir] transparência e tratar sempre o investidor de forma justa.”

Ronan Brennan

Compliance Solutions Strategies

 

Outra forma de trazer mais transparência ao mercado é exigir que haja uma troca constante de informação. As instituições terão de reportar quase imediatamente toda a informação sobre uma transação, incluindo preço e volume, os traders têm de sincronizar os relógios e registar todas as operações e os traders de obrigações têm de, pela primeira vez, comunicar ao mercado todas as operações no máximo 15 minutos após as terem realizado. Para além disso, corretores e gestores de investimento terão de gravar todas as conversas relacionadas com uma transação e guardar essa gravação durante, pelo menos, cinco anos.

Há ainda outras mudanças, nomeadamente a nível das notas de investimento que vão deixar de ser distribuídas de forma gratuita. Isto porque a DMIF II exige que os bancos de investimento cobrem separadamente o research e os serviços de corretagem para evitarem que haja conflitos de interesse. Uma imposição que vai aumentar os custos para os investidores que procuram essa informação. Mas que também pode atirar muitos analistas para o desemprego caso a adesão não seja grande.

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