Banca ao ataque no crédito à habitação. Até a CGD vende “solução rápida”
A concessão de crédito para a compra de casa está em máximos da década, com a banca a apostar em força neste segmento com campanhas agressivas. Há risco de facilitismo?
Agilidade e solução rápida. A linguagem remete para as campanhas agressivas de crédito ao consumo, mas está a ser usada para vender crédito à habitação. Até a Caixa Geral de Depósitos (CGD) entrou na corrida, com uma campanha em que promove uma “solução rápida” para crédito à habitação. Estarão os bancos a facilitar demasiado na concessão deste tipo de empréstimos? Os bancos dizem que não, apesar dos alertas que já surgiram. Tanto o Presidente da República como o Primeiro-Ministro já mostraram preocupação face à escalada do crédito.
A maior agressividade nas campanhas de captação de clientes surge num contexto de forte crescimento da concessão de crédito à habitação. Nos primeiros 11 meses de 2017, os bancos disponibilizaram 7.441 milhões de euros em empréstimos para a compra de casa. Um aumento de 44%, em termos homólogos, que já faz de 2017 um recorde da década.
Crédito à habitação em máximos da década
A CGD é o exemplo mais recente que sinaliza o novo crescendo da agressividade na concessão de crédito. Tem em vigor uma campanha de crédito à habitação, em que se compromete a oferecer uma “solução rápida”, expressão que sublinha a vermelho. Trata-se do crédito à habitação “Caixa Casa Fast”, onde a CGD diz ser possível assegurar a respetiva contratação em até 15 dias úteis, o intervalo de tempo entre a simulação e a tomada de decisão.
A vontade de captar clientes para o seu crédito à habitação levou ainda a CGD a anunciar que vai passar a isentar o pagamento da comissão de reembolso antecipado do crédito à habitação a quem solicitar um novo empréstimo para a compra de casa nos três meses seguintes. Alterações que serão válidas em operações de crédito realizadas a partir de julho.
Mas os outros bancos também apostam em força neste segmento, bastando visitar os respetivos sites para constatá-lo. Por exemplo, o banco CTT, que se iniciou há um ano na oferta de crédito à habitação, também promete “agilidade” no processo até à contratação. Agilidade que é possível através da utilização da app Casa BCTT, a partir da qual é possível acompanhar todas as etapas do processo até à contratação do crédito à habitação.
Rapidez não é uma expressão que combine bem quando está em causa um compromisso financeiro que assume valores muito elevados e prolongado no tempo, como acontece com o crédito à habitação.
"O que receámos e estamos a ver é, apesar de não estarmos num nível idêntico ao que foi antes da crise, a repetição de algumas das práticas na banca.”
“O que receámos e estamos a ver é, apesar de não estarmos num nível idêntico ao que foi antes da crise, a repetição de algumas das práticas na banca, como a política agressiva na concessão de credito ou a disponibilização imediata através do homebanking, por exemplo”, diz a esse propósito Nuno Rico da Deco Proteste. Relativamente à campanha em vigor na CGD, o economista alerta que “devia haver mais cautela neste tipo de políticas” por parte do banco de capitais públicos.
Não há risco, dizem os bancos
Questionados sobre o risco de este tipo de estratégias de promoção dos respetivos créditos à habitação poder conduzir a uma avaliação errada do risco dos clientes em causa ou a decisões precipitadas, tanto a CGD como o Banco CTT descartam essa possibilidade.
A Caixa disponibiliza ao mercado, mas nunca impõe ou condiciona, os atributos de rapidez na resposta a nível do serviço que oferece aos clientes.
“A Caixa disponibiliza ao mercado, mas nunca impõe ou condiciona, os atributos de rapidez na resposta a nível do serviço que oferece aos clientes”, começa por explicar a instituição financeira liderada por Paulo Macedo, acrescentando que a avaliação dos créditos dessa campanha é feita com “rigor”, do ponto de vista da sua elegibilidade e do risco associado. A CGD explica ainda que essa avaliação de risco é “assente em modelos robustos de scoring”.
O banco CTT reage de uma forma similar, dizendo que na disponibilização da sua app “não há qualquer risco”. “O processo de crédito à habitação é muito longo e não se fecha na primeira interação com o banco. Um pedido de crédito desde a sua entrada até à sua conclusão com a escritura do imóvel não demora menos de 20-30 dias”, esclarece fonte oficial do banco, alertando que “a decisão não depende se o pedido foi feito online ou numa loja” e que “existe uma política de decisão de crédito definida e que tem por base rigorosos critérios de avaliação de risco“.
Regulador não pode pronunciar-se, mas está atento
Confrontado com este tipo de estratégias de promoção de crédito à habitação, o Banco de Portugal diz que não se pode pronunciar sobre campanhas de publicidade concretas, mas demonstra estar atento a esta realidade. “O Banco de Portugal, no exercício das suas funções de supervisão comportamental, fiscaliza todas as campanhas de publicidade e produtos de crédito à habitação e a sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor”, diz a esse propósito.
O regulador diz que “tem acompanhado de perto a crescente comercialização e utilização de produtos e serviços bancários de retalho através de canais digitais”, tendo como objetivo “garantir que a inovação financeira nos serviços bancários não cria novos riscos e que as práticas comerciais das instituições cumprem elevados padrões de diligência e respeitam os interesses dos clientes bancários”.
A recente alteração do enquadramento legislativo do crédito à habitação que entrou em vigor no início deste ano é um dos elementos que o Banco de Portugal considera poder ajuda a proteger os consumidores. “Uma das alterações introduzidas veio fixar um período mínimo obrigatório de reflexão para o cliente bancário”, destaca o banco central português. O cliente passa a dispor de sete dias para analisar as implicações do crédito, sendo o contrato de crédito celebrado apenas após esse prazo.
A importância da nova legislação também é salientada por Nuno Rico. “A entrada em vigor da diretiva de crédito hipotecário veio atribuir maior responsabilidade às instituições financeiras”, considera o especialista da Deco. Mas este defende que é necessário fazer mais: “queremos medidas mais concretas, como maior avaliação do risco de cada cliente e da construção da publicidade que deveria ser feita de forma muito mais especificada, sobretudo tendo em conta os elevados níveis de iliteracia financeira dos portugueses que não foram corrigidos com a crise”.
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