“Volto já”. O que significa o shutdown do Governo norte-americano?

  • Juliana Nogueira Santos
  • 19 Janeiro 2018

Esta sexta-feira, cerca de 800 mil trabalhadores podem não ter de ir trabalhar para a próxima semana e a economia pode perder 20 mil milhões de dólares por um impasse entre partidos.

A imigração está no centro deste impasse. O Governo federal poderá ter de escrever “Volto Já” nas portas.Ana Raquel Moreira/ECO

Na próxima semana, mais de 800 mil funcionários públicos norte-americanos podem ver os seus serviços paralisados, sendo obrigados a tirar licença sem vencimento, porque os congressistas ainda não conseguiram chegar a um consenso em relação ao financiamento federal para 2018. Parece-lhe um cenário bizarro? Nada disso, já aconteceu 18 vezes na história dos Estados Unidos.

O orçamento do Governo federal relativo a 2018 deveria ter entrado em vigor no dia 1 de outubro de 2017, mas o partido que detém a maioria no Congresso norte-americano ainda não chegou a um projeto-lei capaz angariar a maioria absoluta dos votos. O republicano Paul Ryan, presidente da Câmara dos Representantes, conseguiu encontrar três soluções nos últimos quatro meses para evitar a paralisação do Governo federal — em inglês, um shutdown –, mas poderá não encontrar uma quarta.

Em setembro, mesmo antes de o orçamento anterior expirar, os republicanos aprovaram uma extensão temporária do financiamento que permitiu aos serviços do Estado continuarem a trabalhar e a gastar sem qualquer restrição. O mesmo aconteceu no princípio e no fim do mês de dezembro, quando o Congresso deu luz verde, pelas duas vezes, às despesas extraordinárias.

Assim, e depois de quase meio ano a empurrar o planeamento de despesas com a barriga, dando como justificação a urgência de ver aprovados projetos-leis mais impactantes, como a nova estratégia para o sistema de saúde nacional ou a tão prometida reforma fiscal, as hipóteses passaram a ser: consenso ou paralisação.

Mas o Governo para mesmo?

Quando o plano de financiamento anual expira sem um substituto, a lei prevê que os setores não essenciais do Governo fechem temporariamente para evitarem gastos não programados. Os norte-americanos chamam-lhe um spending gap, ou seja, um hiato nas despesas.

Neste período, os parques naturais, os museus públicos, os monumentos, os jardins zoológicos e até certos departamentos como o do comércio, ou o da justiça ficam de portas fechadas e a maioria, ou até a totalidade, dos seus trabalhadores é enviada para casa, sem vencimento, até que haja um acordo em Washington.

Os cidadãos deixam de poder tirar ou renovar documentos de identificação, veem os seus voos atrasados e podem até ter problemas nos bancos, por estes não conseguirem ter acesso aos dados fiscais dos seus clientes.

No entanto, as consequências mais graves são para os militares e as empresas. Os membros da polícia, dos bombeiros, do exército, do FBI e até as patrulhas de fronteira são considerados trabalhadores essenciais, ou seja, não podem ser dispensados. No entanto, e tal como todos os outros funcionários públicos, deixam de receber durante o período de paralisação.

No caso das empresas, todas aquelas que têm no Estado um cliente direto não recebem pagamentos. Também os bancos veem a sua atividade diminuída por não terem esse acesso aos dados. Os cálculos dos analistas apontam para perdas na economia que podem ascender até aos 20 mil milhões de dólares.

E nos mercados? Analisando os 18 shutdowns que já aconteceram em território norte-americano — e que aconteceram tanto com presidentes republicanos como com democratas –, os impactos nos mercados não são assim tão fortes. Segundo uma análise do Marketwatch, os índices caíram uma média de 0,6% nessa altura. Ainda assim, a volatilidade dos mercados aumenta significativamente, fazendo transparecer a incerteza dos investidores em relação à incerteza que também se vive em Washington.

E quem é que continua a ganhar salário durante essa altura? Os congressistas e todos os senadores, os membros da Casa Branca e até o Presidente. Parece um incentivo pouco forte para resolver este impasse.

O jogo das culpas

A travar o acordo bipartidário estão questões relacionadas com a imigração. Os democratas garantem que não vão votar em nenhum projeto-lei que não inclua fundos para proteger os imigrantes sem documentos que chegaram ao país menores de idade — os Dreamers — e que viram o DACA, o programa criado por Obama, cessado pela administração atual.

Por outro lado, os republicanos — leia-se o presidente — insistem não só no financiamento para o muro que poderá vir a dividir a fronteira entre os EUA e o México, mas também que o alargamento por seis anos do CHIP, o programa de saúde dedicado às crianças que permite o acesso aos cuidados por parte de mais nove milhões, é a cedência suficiente às exigências dos democratas.

Divergências à parte, e até à semana passada, o acordo parecia atingível, com o presidente a mostrar abertura para discutir este tópico quente com os democratas. Mas como coerência não é algo a que Trump nos tenha acostumado, explodiu um escândalo. Um democrata afirmou que na reunião na Casa Branca dedicada a essa discussão, o presidente questionou-se porque é que os EUA continuam a acolher imigrantes de “países de merda”, referindo-se ao Haiti e a El Salvador.

Estas declarações, consideradas por muitos racistas e nada presidenciais, deitaram por terra quaisquer possibilidades de chegar a um consenso. Entretanto, os dois partidos têm conseguido bater recordes no jogo da ‘batata quente’, ou seja, de passarem as responsabilidades de um lado para o outro. Até o presidente já se envolveu, não como árbitro, mas como reforço de peso para os republicanos.

No Twitter, Trump tem chamado à atenção para a necessidade de resolver este impasse, impondo como principais lesados as forças militares do país. Já no serão desta quinta-feira, argumentou que “uma paralisação do Governo será devastadora para os militares… algo com o qual os democratas se preocupam pouco”. Por outro lado, em ano de eleições intercalares que se avizinham esperançosas para os democratas, estes também não querem ficar com as culpas.

Republicanos preparam o plano D

Com este cenário pouco seguro, são muitos os que já apontam o shutdown governamental como uma certeza. Os críticos — onde se inclui o presidente — afirmam que já não há margem para continuar a empurrar estes temas com a barriga sob a pena de os setores saírem prejudicados. As soluções apresentadas até então, todas temporárias, não podem ser seguidas por falta de estabilidade.

À falta de solução, os republicanos já têm o plano na manga, o de adiar a paralisação — e consequentemente a discussão entre azuis e vermelhos — para 16 de fevereiro. Esta quarta extensão já foi aprovada na Câmara dos Representantes e passa agora para o Senado, também controlado pelos conservadores. Ainda assim, são necessários 12 votos do lado dos democratas, algo não é já dado como certo.

As horas vão passando e o financiamento vai acabando. Cerca de 800 mil trabalhadores podem não ter de ir trabalhar para a próxima semana e a economia pode perder 20 mil milhões de dólares por este impasse. Por agora, está tudo nas mãos do Senado.

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