Cazaquistão dá cartas no corporate governance. Em Portugal falta poder aos minoritários
Portugal ficou em 56.º no ranking de competitividade do Fórum Económico Mundial em shareholder governance, que é liderado pelo Cazaquistão. Há falta de poder nos acionistas minoritários.
Desconhecido para a generalidade dos portugueses, há muitos pontos de interesse no Cazaquistão. Para começar, o facto de ser o maior país do mundo sem costa marítima, razão que não invalida que tenha uma marinha própria. Geografias à parte, no campo económico sobressai como a maior e mais forte economia da Ásia Central. Tudo graças ao aumento da produção e dos preços do petróleo que levou o país a cresceu a uma média de 8% ao ano na última década. E, apesar de poder parecer um pormenor, é também a nação mais competitiva do mundo em shareholder governance (direitos dos acionistas), uma das componentes do corporate governance. Muito melhor posicionado do que Portugal, que ocupa o 56.º posto.
No relatório de competitividade global de 2018 elaborado pelo Fórum Económico Mundial, Portugal é considerado o 34º país mais competitivo em termos globais, entre um conjunto de 140 nações. Por critérios mais específicos, o país surge umas vezes melhor classificado enquanto noutras em pior posição entre os diversos indicadores que compõem os 12 pilares analisados e os quase cem indicadores observados. Um dos pilares analisados diz respeito às instituições, sendo o corporate governance um dos sub-pilares em avaliação. Este conceito refere-se ao conjunto de boas práticas de governo pelas quais as empresas se regem.
Um dos focos de análise do Fórum Económico Mundial, neste campo, incidiu sobre a competitividade tendo em conta o shareholder governance. Ou seja, a avaliação das boas práticas de governo das empresas em prol da proteção dos direitos dos seus acionistas. O índice construído pelo Banco Mundial pretendeu avaliar três dimensões. Designadamente, os direitos dos acionistas e o seu papel nas grandes decisões da empresa, a salvaguarda da proteção dos acionistas de controlo indevido por parte do conselho de administração, e transparência nas participações detidas, compensação, auditorias e perspetivas financeiras.
Feitas as contas, o Cazaquistão consegue uma classificação de 9, entre um mínimo de 0 e um máximo de 10, na avaliação conjunta desses critérios, enquanto a Portugal cabe uma avaliação bastante mais modesta neste índice: 6. Daí resulta então, o 1º posto para o Cazaquistão e o 56º para Portugal, tendo em conta esse critério.
Mas porque está o Cazaquistão em primeiro?
Esta classificação “reflete o nosso clima de investimento e medidas para atrair investimento e criar condições favoráveis para os negócios“, diz Bauyrzhan Turlybekov, um elemento de topo da equipa do ministro da Economia do Cazaquistão, após a divulgação do relatório do Fórum Económico Mundial, referindo-se em concreto à posição destacada alcançada pelo país no critério shareholder governance.
A importância atribuída ao papel dos acionistas no caso das empresas do Cazaquistão é realçada numa análise ao corporate governance da responsabilidade da OCDE. “O código [de corporate governance] do Cazaquistão coloca ênfase nas responsabilidades do conselho de administração em relação apenas aos acionistas. Pede ao conselho que atue no melhor interesse dos seus acionistas e em fazer crescer o valor de mercado da empresa”, dizia a OCDE no estudo divulgado no final do ano passado.
"Em termos regulamentares, não parece haver muita distancia entre a realidade portuguesa e a do Cazaquistão. Do ponto de vista legal, em Portugal seguimos basicamente as mesmas regras.”
Apesar disso, vários especialistas em corporate governance consultados pelo ECO mostraram alguma estranheza em relação à posição destacada em que aquele país da Ásia Central foi colocado neste indicador. Até porque “países com uma grande tradição na proteção dos interesses dos acionistas como os EUA, Suíça ou Reino Unido não se encontram, neste critério, sequer nos 20 primeiros lugares“, alertou António Gomes Mota, presidente do Instituto Português de Corporate Governance.
No enquadramento legal que se prende com os direitos dos acionistas, os especialistas não identificam grandes disparidades. “Em termos regulamentares, não parece haver muita distância entre a realidade portuguesa e a do Cazaquistão. Do ponto de vista legal, em Portugal seguimos basicamente as mesmas regras”, diz Duarte Pitta Ferraz, professor de Governance & Banking da Nova SBE.
Há situações em que Portugal se rege mesmo por critérios mais protetores dos direitos dos acionistas. Por exemplo, no Cazaquistão ainda existe a figura de golden share que dá direito ao Estado de ter uma posição decisiva ou uma espécie de “direito de veto” nas empresas, no nosso país não.
“Em Portugal acabaram-se com as golden shares que são limitativas dos direitos dos acionistas”, recorda António Gomes Mota. Este também partilha da opinião de Duarte Pitta Ferraz, salientando que “Portugal não apresenta elementos menos robustos que o Cazaquistão”.
E em Portugal, o que falta fazer?
António Gomes Mota salienta os progressos que têm sido, aliás, levados a cabo em Portugal. “Globalmente creio que em Portugal já se avançou significativamente na proteção dos direitos dos acionistas“, considera o diretor do IPCG, lembrando que a integração no espaço europeu “favorece e potencia” essa evolução. E dá como exemplo a Diretiva II de 2018 sobre direitos dos acionistas, cuja transposição para Portugal está para breve.
“Esta Diretiva dá importantes passos no sentido de reforçar tais direitos em temas importantes como a supervisão das remunerações dos administradores pelos acionistas, a identificação dos acionistas, a facilitação do exercício dos direitos de participação e voto pelos acionistas, os requisitos de transparência aplicáveis aos investidores institucionais, gestores de ativos e proxy agencies e transparência nas transações com partes relacionadas.
Mas tal não invalida que haja mais progressos que possam ser feitos. “Há sempre áreas suscetíveis de melhoria“, diz António Gomes Mota. “Temas como um maior nível de informação sobre processos de nomeação e eleição, aperfeiçoamentos na relevância dos direitos dos acionistas minoritários, maior alinhamento de interesses e accountability nos modelos de remuneração dos gestores, promovendo ao mesmo tempo um adequado equilíbrio entre intervenção dos acionistas e a estabilidade do quadro remuneratório apenas para citar alguns exemplos, deverão merecer acrescida atenção”, considera este especialista.
Os interesses dos acionistas minoritários é um dos aspetos que Pedro Maia, professor da faculdade de Direito de Coimbra, e especialista em corporate governance, também inclui no conjunto de áreas que devem ser mais desenvolvidas em Portugal, falando na necessidade de uma “cultura de fiscalização e tutela mais eficaz dos interesses dos minoritários“. Acrescenta a essas “lacunas”, ainda os “conflitos de interesses (negócios com partes relacionadas)”.
"Um maior nível de informação sobre processos de nomeação e eleição, aperfeiçoamentos na relevância dos direitos dos acionistas minoritários, maior alinhamento de interesses e accountability nos modelos de remuneração dos gestores, promovendo ao mesmo tempo um adequado equilíbrio entre intervenção dos acionistas e a estabilidade do quadro remuneratório, deverão merecer acrescida atenção.”
Certo é que por mais progressos que estejam a ser feitos a relevância do corporate governance ainda não é uma realidade nem transversal a todas as empresas portuguesas nem de conhecimento generalizado na sociedade. “Há um elevado grau de complacência na maioria das empresas portuguesas sobre governance que pode resultar da falta de conhecimento ou da falta de sensibilidade das pessoas ao tema”, assume Duarte Pitta Ferraz.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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