Brexit chumbado. E agora? Portugal em alerta

Depois de muita negociação para um acordo de saída com a União Europeia, o Brexit chumbou no Parlamento. O que vai acontecer agora? Há ou não Brexit, nem que seja de forma desordenada?

23 de junho de 2016. Foi neste dia que a maioria dos britânicos que votaram no referendo manifestaram a intenção de abandonar a União Europeia (UE). Foi o “tiro de partida” para o Brexit, levando a um complicado processo de negociação entre o Reino Unido e os parceiros europeus sobre a forma como se iria aplicar o Artigo 50.º. Meses de encontros e desencontros que culminaram num acordo que, contudo, agora foi chumbado no Parlamento britânico.

Depois dos 52% que votaram a favor da saída, contra os 48% que pretendiam que o Reino Unido permanecesse na UE, na Câmara dos Comuns o resultado da votação ao acordo negociado por Theresa May foi bem diferente: 432 deputados votaram contra — apenas 202 aprovaram o acordo alcançado pela primeira-ministra com a UE –, deixando o processo de saída em suspenso.

Então, o que vai acontecer agora? May, que viu muitos dos membros do seu partido votarem contra o seu acordo, enfrenta já uma moção de censura por parte da oposição, apresentada por Jeremy Corbyn imediatamente após a votação. A primeira-ministra passa? Tem agendada a apresentação de um “Plano B”, mas será que a UE aceita? Estas são só algumas das muitas dúvidas que agora se colocam.

Moção de censura. May passa ou cai?

Foi praticamente automático. Assim que na Câmara dos Comuns se anunciaram os resultados da votação ao acordo para o Brexit, Jeremy Corbyn avançou com uma moção de censura que vai testar mais uma vez a liderança de May — em dezembro, a primeira-ministra enfrentou uma moção do seu próprio partido que acabou por vencer. Desta vez, May passa ou será que cai?

Apesar de muitos dos deputados conservadores terem votado contra o plano da primeira-ministra, May deverá, tal como aconteceu recentemente, escapar. Mesmo que muitos deputados estejam contra o acordo firmado com a UE, não quererão ver o destino do Reino Unido nas mãos de Corbyn, pelo que a sua moção deverá ser fracassada. May deverá sobreviver (mais uma vez), podendo utilizar este teste a seu favor. Sairá com poderes reforçados para enfrentar, depois, os parceiros europeus. Legitima-a para forçar um acordo melhorado com a UE.

Eleições antecipadas à vista?

A expectativa é de que a moção de censura seja fracassada. Daí que eleições antecipadas sejam vistas como altamente improváveis. Ainda assim, podem acontecer. Bastaria para isso que o Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla inglesa), um partido da Irlanda do Norte que apoia o Partido Conservador de May, deixasse de o apoiar.

Nesse caso, May teria de abandonar o cargo. Haveria depois um período de 14 dias para que os partidos encontrassem uma nova solução governativa, sendo que May poderia fazer parte dela. Caso não houvesse um entendimento que levasse à formação de um novo executivo, então chegaríamos às eleições antecipadas. Mas, mais uma vez, é um cenário que parece distante.

“Plano B” dá mais tempo ao Brexit. Mas UE aceita negociar?

Perspetivando-se que May sobrevive à moção de censura, a primeira-ministra avançará então para a apresentação do “Plano B” do Brexit. A apresentação deste plano já tem data marcada: 21 de janeiro.

E o que é esse plano? Passará, em primeiro lugar, por apresentar aos deputados britânicos a proposta para que a data do Brexit seja adiada. Faltam 78 dias para o dia da saída, 29 de março, sendo que é cada vez mais difícil que essa data seja cumprida. May terá, depois, de convencer os parceiros da UE que precisa de mais tempo, o que não será difícil. Ainda assim, só deverá conseguir mais três meses por causa das eleições europeias.

Desse “Plano B” deverá constar o famigerado backstop — um mecanismo ou solução de salvaguarda — que atende unicamente às condições específicas da ilha da Irlanda e que, em conformidade com os termos do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, não pode estabelecer os termos da futura relação entre o bloco comunitário e Londres.

Mesmo que May não procure retirá-lo do acordo, o Parlamento britânico poderá votar uma alteração que o retire. O Parlamento poderá assim ganhar mais poder neste processo de saída, mas caberá sempre a May levar o novo acordo aos líderes da UE que têm sido intransigentes relativamente a qualquer alteração ao acordo alcançado em novembro de 2018.

Vem aí um novo referendo?

Foi em 2016 que a maioria dos britânicos decidiu em referendo que o Reino Unido deveria abandonar a UE. Desde aí, e até esta terça-feira, Theresa May tem vindo a sublinhar que o desejo dos cidadãos é para ser mantido até ao fim. Da mesma opinião partilha Jeremy Corby, mesmo sendo da oposição. Contudo, há quem não concorde: todos aqueles que são contra ao Brexit.

São vários os deputados que defendem a realização de um segundo referendo para “desbloquear” este impasse no divórcio entre o Reino Unido e a UE, incluindo membros do próprio partido de May — como comprova o resultado da votação do acordo no Parlamento, em que May apenas conquistou 202 votos a favor.

E há até dentro do Governo de May quem veja o novo referendo como solução. Amber Rudd, ministra do Trabalho, afirmou numa entrevista concedida em novembro ao canal ITV que não quer um novo referendo “mas, se o Parlamento falhar totalmente em alcançar um consenso, esse será um argumento plausível” para se voltar a dar a voz aos britânicos.

John Major, ex-primeiro-ministro dos conservadores, num artigo de opinião publicado no The Sunday Times no passado fim de semana, (conteúdo em inglês), alertou que “só um novo referendo salvará o Reino Unido de um mau acordo ou o desastre de um não-acordo”.

Um novo referendo parece difícil de acontecer, mas mesmo caso venha a ser aprovado, não seria um processo rápido: teria de ser criada uma nova legislação e a Comissão Eleitoral do Reino Unido teria de dar aprovação. Da parte da UE, esta hipótese teria apoio, tendo a Comissão Europeia já demonstrado que estaria disposta a agilizar todo o processo para que o novo referendo ocorra.

Saída desordenada? Ou não há Brexit?

“Sempre acreditei que a melhor maneira de avançar é deixar a UE de forma ordeira e com um bom acordo. Tenho dedicado os últimos dois anos nesse acordo”, disse a primeira-ministra britânica, após ver o seu acordo rejeitado no Parlamento. Mas o chumbo pode levar a uma saída desordenada, o que é visto como o pior cenário.

Caso essa saída venha a acontecer, ainda que as incertezas sobre as consequências sejam muitas, os britânicos abandonam a UE sem quaisquer garantias. O chamado “hard Brexit” deixaria o Reino Unido sem um período de transição que lhes permitisse negociar acordos comerciais, aduaneiros ou jurídicos. E provocaria uma forte recessão na economia britânica.

Ninguém quer que tal aconteça. Nem May, nem nenhum dos outros líderes europeus. António Costa, tal como Mário Centeno, entre tantos outros primeiros-ministros de países da UE, defendeu após o chumbo do acordo no Parlamento que “uma saída descontrolada” seria “mau para todos”.

O medo de uma saída sem acordo, pelo efeito nefasto que teria na economia britânica e no resto dos países da UE, poderá ser, contudo, uma “carta na manga” para May na hora de se sentar novamente à mesa com os seus atuais parceiros. Contudo, todos os países têm já planos de contingência para essa possibilidade. E mesmo que May utilize o “hard Brexit” para negociar, não deverá colocar grande pressão nesse sentido, até porque a própria admitiu que sem acordo o mais provável é que o Reino Unido acabe por não sair da UE.

Brexit põe Portugal em alerta

O chumbo do acordo no Parlamento britânico veio tornar mais real o risco de uma saída desordenada do Reino Unido da UE, cenário para o qual os 27 (sem o Reino Unido) tomaram medidas de prevenção. Mas além desse pacote conjunto, cada um dos países adotou outras medidas para evitar eventuais ondas de choque de um “hard Brexit”. Portugal, apesar do atraso, também já as apresentou.

Siza Vieira, ministro da Economia, revelou que uma das medidas que fazem parte do plano de contingência para um cenário de Brexit desordenado, e que o Governo irá aprovar no próximo Conselho de Ministros, é a criação de uma linha de crédito de 50 milhões de euros para apoiar as empresas portuguesas. Isto servirá para apoiar as empresas nas “adaptações nos seus modos de funcionamento interno” e “diversificação de mercados de exportações” que precisarão de executar caso o Brexit se desencadeie sem acordo.

Além disso, serão ainda acionadas algumas medidas para “tentar assegurar a manutenção dos fluxos turísticos”. Entre elas estão “medidas ao nível do atendimento dos turistas britânicos nos aeroportos de Funchal e Faro [os que têm mais tráfego de cidadãos britânicos], de forma a os atendimentos e formalidades de controlo de passaportes passem a processar-se da forma mais simples possível”.

E tendo em conta o peso que o turismo, nomeadamente o britânico, tem na economia nacional, “está a ser desenvolvido e preparado um projeto para ser apresentado no Reino Unido, para ser implementada uma campanha, muito brevemente, para procurar minimizar o impacto que os vários cenários do Brexit possam ter em Portugal”, disse Ana Mendes Godinho. “Além disso, temos passado a mensagem de que Portugal é um país que continuará a tratar sempre os turistas britânicos como sempre tratou até agora. Desde logo, em termos de circulação de pessoas para criar menos problemas e constrangimentos possíveis”, sublinhou a secretária de Estado do Turismo.

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