Ex-titulares da pasta da Cultura defendem compra da Coleção Berardo pelo Estado

Joe Berardo está nas bocas do mundo depois da audição parlamentar onde assegurou que não tem dívidas, apesar dos 900 milhões que deve a três bancos. O valor da coleção continua a ser reconhecido.

O país está chocado com as declarações de Joe Berardo na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) onde defendeu que não tem dívidas à banca nem património em seu nome, apesar da extensa coleção de arte. A condenação da posição do empresário madeirense é unânime, mas não retira valor à coleção de 861 obras que estão em exposição no Centro Cultural de Belém. E, por isso, ex-responsáveis da pasta da Cultura são unânimes a defender, em declarações ao ECO, que o Estado deve exercer o direito de compra quando terminar o acordo de comodato.

“Valia a pena ficar com a coleção”, disse ao ECO o ex-ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, antecessor de Graça Fonseca, no Governo de António Costa. Mas “há que avaliar os recursos que o Estado tem”, sublinha o socialista que sucedeu na pasta a João Soares, depois de este se ter demitido em 2016.

E o mesmo defende Jorge Barreto Xavier. O secretário de Estado da Cultura de Pedro Passos Coelho (que não teve ministro da Cultura) disse ao ECO que se trata de “um conjunto de obras relevantes no contexto internacional, uma coleção única com aqueles elementos em território nacional e que, por isso, é importante que se encontre uma forma de a manter em Portugal”.

O ECO tentou ainda obter uma reação da ex-ministra da Cultura social-democrata, Teresa Morais, que exerceu o cargo entre outubro e novembro de 2015 e do seu sucessor, João Soares, o primeiro ministro da Cultura de Costa, mas ambos declinaram fazer comentários. No entanto, João Soares reconheceu que a coleção Berardo “é interessantíssima”. “Quem tem de fazer alguma coisa que faça”, diz.

"Trata-se de um conjunto de obras relevantes no contexto internacional, uma coleção única com aqueles elementos em território nacional e que, por isso, é importante que se encontre uma forma de a manter em Portugal.”

Jorge Barreto Xavier

Secretário de Estado da Cultura do Governo de Passos Coelho

A opção de compra deverá colocar-se em 2022, data em que cessa o segundo acordo que o Estado fez com Joe Berardo. Ou seja, até 2022 o empresário está impedido de vender qualquer elemento da coleção. Uma situação que se colocou em 2018, quando este pediu a expedição temporária de 16 obras para o Reino Unido, mas que admitia uma “eventual venda”.

A saída foi travada porque “enquanto vigorar o contrato de comodato, a Associação Coleção Berardo não pode dispor dos bens culturais”, disse o Ministério da Cultura ao Expresso (acesso pago) que avançou a história. “Enquanto ministro impedi que as obras que ele queria vender saíssem do país”, sublinha Luís Filipe Castro Mendes.

Agora, não está em causa a venda das obras de arte por parte de Joe Berardo, mas sim um processo judicial em que os três bancos — Caixa Geral de Depósitos, BCP e Novo Banco — a quem Berardo deve cerca de 900 milhões de euros estão, em conjunto, a tentar penhorar a coleção dada como garantia para os empréstimos contraídos.

Aos bancos, Berardo não “entregou” as obras que compõem a coleção, antes títulos da Associação Coleção Berardo que é detentora das obras, mas que é controlada pelo empresário. Para Luís Filipe Castro Mendes “a questão jurídica é muito complicada” e se “os bancos estão a avançar para a penhora é porque a via negocial não resultou”. Mas também reconhece que todo este dossiê está “armadilhado juridicamente”.

Jorge Barreto Xavier, que assumiu os destinos da Cultura em Portugal entre outubro de 2012 e outubro de 2015, admite que não tem estado a seguir de perto a polémica porque não esteve em Portugal na última semana, mas “atendendo ao facto de a coleção ter sido dada como contraparte de um empréstimo junto de um conjunto de bancos”, trata-se de “um ativo quase dinheiro”, por isso, caso as obras venham a passar para os bancos — “um exercício de futurologia”, reconhece Barreto Xavier — então “caberia ao Estado encontrar uma solução de acordo com o bancos para que esse ativo fosse disponibilizado à sociedade portuguesa”. Uma solução preferível aos “bancos venderem simplesmente as obras”, acrescenta.

O secretário de Estado da Cultura de Passos Coelho explica que a ideia seria o Estado chegar a acordo com os bancos para que as obras, uma vez integradas no capital dos bancos, não fossem vendidas e pudessem continuar a ser expostas ao público, isto porque “o Estado não tem capacidade” financeira para aumentar de forma tão significativa a despesa. A primeira avaliação colocava o valor da coleção em 316 milhões de euros “muito acima do Orçamento da Cultura que ronda os 200 milhões”, sublinha Barreto Xavier, lembrando que este ano é mais porque a RTP passou a estar sob a alçada da Cultura “se assim não fosse o valor seria o mesmo”. O responsável reconhece que “será preciso vontade dos bancos e do Estado” para que esta “solução funcionasse”, mas é aí o “peso político do Estado” seria determinante na negociação, tendo em conta que “está em causa o interesse público”.

E se o Estado vier a adquirir as obras, o ex-secretário de Estado admite que “não tem de comprar todas as obras”. “Há que fazer um trabalho crítico” de escolha das obras, em função do valor das mesmas.

No debate quinzenal, Catarina Martins interpelou o primeiro-ministro sobre a razão pela qual o Governo abdicou da opção de compra sobre a Coleção Berardo. “Não temos qualquer informação sobre a penhora. O protocolo mantém que o Estado mantém a opção de compra“, garantiu-lhe António Costa. A alteração foi que, no primeiro acordo entre o Estado português e Joe Berardo, que terminava em 2006, era fixado o valor de 316 milhões para a aquisição da coleção. Mas na renovação do acordo, dez anos depois, em 2016, caiu a cláusula que estabelecia o preço do exercício de compra, e Joe Berardo pode agora pedir o dinheiro que quiser pela coleção, acusou a coordenadora do Bloco. “Agora estamos nas mãos de Berardo”, atirou.

O primeiro-ministro lembrou que é preciso separar a relação entre Joe Berardo e a CGD e a relação entre Estado português e a Associação Coleção Berardo (dona das obras de arte). E frisou que “se o titular das obras deixar de ser esta associação, porque a CGD ou qualquer outra entidade credora conseguir demonstrar que aqueles bens não são bens da Associação, mas são bens que devem estar afetos à garantia do cumprimento das obrigações e houver uma alteração da titularidade, este contrato transmite-se também e o diálogo deixa de ser com o senhor Joe Berardo e passa a ser com quem tiver executado e tiver transferido para o seu próprio património essas ações”.

(Notícia atualizada às 10h08 com novas declarações)

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