Estará a indústria 4.0 a pôr em causa o tempo de descanso dos trabalhadores?
"O direito à desconexão é o direito à privacidade do século XXI", defendem os especialistas. Trabalho remoto e crowd work são exemplos de novos trabalhos que estão a pôr em causa o tempo de descanso.
No II Congresso Internacional sobre o futuro do trabalho, um dos temas em destaque foi as competências dos trabalhadores da indústria 4.0. Com o surgimento de novos postos de trabalho aliados às novas tecnologias está a ser colocado em causa a definição do tempo de trabalho vs tempo de repouso.
José João Abrantes, professor da Universidade Nova de Lisboa abordou o tema “Direito à Desconexão”. Refere que os horários flexíveis, o trabalho remoto e móvel, crowd work, stand-by time são exemplos de novos trabalhos que “vêm burlar as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de repouso”.
Dá o exemplo da Volkswagen que decidiu bloquear o acesso ao correio eletrónico dos colaboradores das 18H15 até às 07H00 do dia seguinte. Intitulou esta medida como “direito a desligar” e refere que é uma forma de proteger o direito de descanso. A Mercedes também adotou uma medida neste sentido que destrói os emails que são enviados em período de descanso. Refere ainda que em período de férias, o trabalhador tem o direito de estar desconectado e não pode ser penalizado por ter o telemóvel desligado.
O professor da Universidade Nova de Lisboa considera que o “direito à desconexão é o direito à privacidade do século XXI” e deve ser considerado como um dever, uma vez que “estar online a todo o momento pode levantar problemas jurídicos e afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores”.
A França aprovou uma legislação pioneira, dia 1 de janeiro de 2017, relativamente ao direito a desconectar. Esta lei prevê determinar qual o tempo de trabalho e qual o tempo de descanso e surgiu após a empresa France Télécom ter adotado técnicas de persuasão agressivas e criação de ambiente de terror durante o processo de reestruturação, no qual estava previsto o despedimento de 22 mil trabalhadores, forçando os trabalhadores a demitirem-se. Esta pressão era tão alta que levou ao suicídio de 60 trabalhadores.
França foi assim o primeiro país da Europa a legislar neste sentido. Os franceses reconhecem que os colaboradores têm o direito a desligar e não têm que responder a emails profissionais fora do seu horário de trabalho.
O professor José João Abrantes destaca que “em Portugal não temos uma lei como em França, mas o Código de Trabalho português prevê o direito ao descanso do trabalhador”. Aborda também que na legislação nacional esta descrito que depois do período de trabalho o colaborador deve ter um repouso mínimo de 11 horas.
Salienta que o facto de estarmos sempre online coloca a questão de qual é o tempo de trabalho e qual o tempo de repouso, referindo ainda que o trabalho remoto torna ainda mais indefinido estas duas questões. José João Abrantes alerta para a necessidade de legislar as novas formas de trabalho aliadas às novas tecnologias, de forma a salvaguardar o tempo de repouso.
O trabalho do futuro deve ser centrado no ser humano
Maria-Luz Vega, representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT), veio defender a declaração centenária da organização, que se divide em quatro partes. A abordagem ao futuro do trabalho deve ser centrada no ser humano, através do desenvolvimento sustentável do fim da pobreza e numa perspetiva de inclusão. A segunda e a terceira parte focam-se na sustentabilidade ambiental, na promoção de aquisição de competências em todas as fases da vida profissional, seja na transição da escola para o mundo do trabalho, seja durante o “percurso profissional do trabalhador maduro”, prestando especial atenção ao ajustamento das ofertas de formação ao mercado e ainda, progressivamente, eliminar desigualdades seja de género, de remuneração ou de incapacidades.
A declaração refere ainda que a segurança e saúde no trabalho é um direito fundamental pelo que apela a todos os Estados-membros a adoção de medidas que promovam este futuro laboral. Comprometendo-se ainda, na última parte, a fiscalizar e periodicamente examinar os progressos alcançados. Reforça a ideia de que a OIT quer no futuro um trabalho digno, seguro, com saúde e com o objetivo último de justiça social.
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