Cada eleitor faz uma cruz mas os votos não valem todos o mesmo
Com certeza já ouviu dizer que os votos nas eleições não têm todos o mesmo valor. A explicação está no método usado para apurar resultados e no facto de o país estar dividido em círculos eleitorais.
No dia 6 de outubro quando for votar está a ajudar a escolher os 230 deputados do Parlamento para os próximos quatro anos. Quem conseguir reunir mais deputados, forma Governo.
Para isso, no dia das eleições basta ir até à sua mesa de voto, receber o boletim e pôr a cruz no quadrado do partido que considera merecedor do seu voto.
Será assim para um eleitor em Portalegre e será também assim para um eleitor em Lisboa. Ou seja, cada eleitor tem direito a um voto. Mas na hora de os contar e de os transformar em mandatos de deputados a história é outra. E por dois motivos: o método utilizado para apurar mandatos favorece os maiores partidos e o território nacional está dividido em círculos eleitorais, muitos de pequena dimensão.
Vamos por partes. Os círculos eleitorais, que funcionam como uma espécie de distritos para as eleições, refletem a população recenseada em cada um deles. E para cada ato eleitoral é criado um mapa que revela quantos eleitores estão registados em cada um desses círculos e quantos deputados vão ser eleitos por cada círculo. Este é o mapa publicado a 12 de agosto pela Comissão Nacional de Eleições para as legislativas que acontecem nas próximas semanas.
Voltando ao exemplo de Portalegre e Lisboa. Enquanto o círculo eleitoral de Portalegre tem 96.425 eleitores com capacidade de voto a 6 de outubro, o círculo eleitoral da capital tem 1.921.189 eleitores. O primeiro elege dois deputados e o segundo escolhe 48.
Isto significa que existe uma relação entre o número de eleitores de uma região, leia-se círculo eleitoral, que está ligado ao número de habitantes, e que se reflete depois no número de assentos a que tem direito no Parlamento.
Quanto menos deputados um círculo elege, mais desproporcional é a conversão de votos em mandatos, explica ao ECO, Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. O investigador regressa às legislativas de 2015 para ilustrar melhor por que motivo os votos têm um valor diferente na hora de os contar. “Em Portalegre, em 2015, mais de 20% dos votos em vários partidos não elegeram qualquer deputado (apenas o PS e o PSD elegeram). Já em Lisboa, só cerca de 7% dos votos é que não resultaram na eleição de um deputado para um partido.”
Comparação entre as votações em Portalegre e Lisboa nas legislativas de 2015
O investigador acrescenta outro exemplo para explicar o mesmo: “em 2015, o PS teve um deputado por cada cerca de 20 mil votos no país. Mas o PAN precisou de 70 mil para eleger um único deputado”.
Um método para contar mandatos que ajuda os partidos maiores
O método utilizado para apurar o número de mandatos que cada partido elege em cada círculo é conhecido como método de Hondt, um matemático belga que ficou famoso em 1878 com a publicação de uma forma de distribuir mandatos de maneira proporcional. Este mecanismo é usado em vários países.
E como funciona? “Vamos imaginar que num círculo eleitoral se elegem 5 deputados e concorrem 3 partidos. O partido A tem 110 votos, o partido B 50 e o partido C tem 20″, explica Pedro Magalhães. Depois constrói-se uma uma “tabela em que se dividem os votos por partido sucessivamente por 1, 2, 3, 4 etc.”
O investigador do ICS e especialista em sistemas eleitorais adianta que os “deputados são atribuídos, por ordem, aos cinco valores mais altos dessa tabela. O partido A elege 4, o B 1 e o C nenhum”. A ordem é a seguinte: o primeiro e segundo deputados são do partido A, o terceiro é do B, e os quarto e quinto são outra vez do A. “O C não elege porque 20 é menor que 27,5, que foi o valor para o último deputado a entrar, para o partido A”, detalha Pedro Magalhães. Aliás só elegeria se, tendo em conta os mesmos resultados, este círculo eleitoral elegesse oito deputados — o sexto deputado seria do partido B, o sétimo do partido A e o oitavo seria então do partido C.
Por isso, o sucesso de cada partido na eleição de deputados depende também de quantos mandatos cada círculo eleitoral tem direito a eleger além do número de votos que reúne. Desta forma é possível calcular o valor mínimo da percentagem de votos que cada partido tem de ter para conseguir sentar um deputado na Assembleia da República. Pedro Magalhães estimou aquilo a que se chama “limiares de inclusão”.
Voltando ao exemplo de Portalegre e Lisboa verifica-se que enquanto em Portalegre um partido tem de ter 5,3% dos votos para eleger deputados, em Lisboa basta ter 1,5% dos votos. A observação dos vários “limiares de inclusão” pode ser importante até para decidir o seu voto tendo em conta o círculo eleitoral onde o eleitor vota. Principalmente se a informação for cruzada com as sondagens por círculo eleitoral.
“Se houver um único partido muito destacado e os restantes com menor votação, vai ser mais fácil para o primeiro converter votos em mandatos do que para os restantes” acrescenta o especialista.
As sondagens para as legislativas têm mostrado um distanciamento entre o PS, que lidera as intenções de voto, e o PSD que surge como segundo classificado. Esta diferença bem como o facto de existirem mais partidos pequenos levou recentemente o diretor da Eurosondagem a defender, num artigo de opinião no Público, que poderão bastar 39% dos votos para garantir a maioria absoluta, abaixo dos registos de 1995 (quando teve 43,8% o equivalente a 112 parlamentares) e 1999 (quando obteve 44%, ou seja, 115 deputados).
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