Onde pára a Comissão de Ursula?

Três comissários chumbados, Brexit por concretizar e falta de maioria no Parlamento Europeu impediram nova Comissão de arrancar, e pode deixá-la sem orçamento para as suas prioridades.

Foi uma escolha de última hora, resultado de um processo difícil e que deixou muitas feridas abertas: entre as instituições europeias, entre os líderes dos governos, entre as famílias políticas europeias e até entre as diferentes regiões da União Europeia. O resultado da autêntica batalha campal que resultou na sua nomeação já está a ter consequências. A nova Comissão Europeia de Ursula von der Leyen ainda não tomou posse, já teve de substituir comissários e ainda tem (pelo menos) três por aprovar. O resultado é uma Comissão interina sem poder para legislar mudanças importantes e um orçamento comunitário que pode não acautelar as prioridades da nova Comissão.

Desde a primeira hora que se faziam antever dificuldades. Manfred Weber, o cabeça-de-lista do Partido Popular às europeias (o partido com mais votos) já tinha sido descartado da presidência da Comissão Europeia pela França ainda antes sequer de os europeus irem às urnas. Frans Timmermans, o spitzenkandidat dos socialistas, tinha demasiada oposição a leste devido aos confrontos com os países do grupo de Visegrado devido ao desrespeito da Polónia e da Hungria pelo Estado de Direito. Margrethe Vestager, candidata dos liberais, nunca foi uma real opção pelo resultado eleitoral, por não ser de um país da Zona Euro e porque tinha demasiados anticorpos em Paris, depois de barrar a fusão entre a Siemens e a Alstom.

A mais longa das cimeiras que reuniu os chefes dos governos da União Europeia revelou estas divisões profundas. Primeiro entre as principais famílias políticas europeias, depois dentro das próprias (em especial entre os primeiros-ministros do PPE), e mais tarde entre os países. França quis tomar conta do processo, mas esbarrou nos primeiros-ministros do PPE que contrariam Merkel (uma ocasião rara na Europa) — e mais tarde nos países do chamado Grupo de Visegrado — composto pela Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia –, que tiveram a ajuda de um governo italiano do qual a Liga do Norte de Salvini ainda fazia parte.

Ursula von der Leyen foi a solução de recurso encontrada por Macron e Merkel à última hora. A ministra da Defesa da Alemanha conseguiu reunir o consenso dos líderes, não tanto pelo seu perfil, mas não tanto pelo que representava: não era Manfred Weber; não era socialista; não era Frans Timmermans; França conseguia a presidência do Banco Central Europeu; os liberais conseguiam a presidência do Conselho Europeu; e os países do Centro e Leste da Europa teriam a presidência do Parlamento Europeu nos primeiros dois anos e meio, com Manfred Weber a receber um ‘rebuçado’, que seria a presidência nos outros dois anos e meio.

Mas o primeiro sinal de que a sua vida não seria fácil chegou logo no dia seguinte à sua escolha ser anunciada. Depois de os líderes fecharem os quatro nomes para as presidências das instituições Europeias, transmitiram informalmente ao Parlamento quem deveria ser a escolha para a sua presidência: o búlgaro Sergei Stanishev. Mas o Parlamento Europeu rejeitou a sugestão e promoveu o socialista italiano David-Maria Sassoli.

A demonstração de força do Parlamento Europeu perante o Conselho, com muitos dos membros do Partido Popular Europeu e dos socialistas contra o abandono do processo do spitzenkandidaten – em que os cabeças-de-lista são candidatos à Comissão Europeia –, não se ficaria por aqui. Quando foi ao Parlamento Europeu para que o seu nome fosse votado, Ursula von der Leyen conseguiu passar no primeiro teste, mas com apenas mais nove votos que o necessário, uma maioria muito curta, e com o maior número de votos desfavoráveis de sempre: 327, mais 76 que Durão Barroso, o anterior recordista.

Candidatos investigados, pastas polémicas e indefinição

Passado o primeiro teste, Ursula von der Leyen apresentou os seus 26 comissários (o Reino Unido não apresentou um nome devido ao Brexit, mas com o adiamento ainda pode vir a ter de o fazer), entre os quais Elisa Ferreira, vice-governadora do Banco de Portugal e antiga eurodeputada socialista.

A equipa manteve vários nomes fortes, como os três vice-presidentes executivos Margrethe Vestager, Frans Timmermans e Valdis Dombrovskis, mas encontrou complicações logo na primeira etapa. Quando a Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu se reuniu para avaliar as declarações financeiras e de interesses dos comissários designados, dois deles foram chumbados.

A romena Rovana Plumb — nomeada para a pasta dos Transportes — foi declarada incapaz de desempenhar a sua função devido a questões relativas a dois empréstimos de quase 1 milhão de euros que não havia declarado, e de um donativo de 170 mil euros que deu ao seu próprio partido através de um empréstimo de “uma pessoa física a operar profissionalmente na área do turismo”, mas cujas condições de reembolso não claras.

O húngaro Lázló Trócsányi — nomeado para a pasta do Alargamento da União Europeia — ficou pelo caminho devido às ligações dúbias entre a sua sociedade de advogados e o trabalho que fez para o Governo da Hungria, do qual Trócsányi era ministro da Justiça, além de alegadas ligações à Rússia. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, disse que o seu ministro ajudou a proteger a Hungria dos refugiados e foi por isso que foi bloqueado.

Mas o maior tombo foi o da escolha de Emmanuel Macron para ocupar o posto de comissária europeia por França. Sylvie Goulard passou a primeira avaliação na Comissão de Assuntos Jurídicos, mas caiu com estrondo nas audições (duas) nas comissões que iriam acompanhar as suas pastas. A vice-governadora do Banco central de França foi rejeitada por motivos éticos, na sequência de uma investigação do gabinete anti-fraude da União Europeia (OLAF) pelo uso indevido de fundos europeus quando estava à frente do seu antigo partido e era eurodeputada. Sylvie Goulard demitiu-se de ministra da Defesa em 2017 devido à investigação, e voltou a ser interrogada em setembro pela polícia francesa.

A francesa tinha sido nomeada para uma das pastas mais poderosas da futura Comissão Europeia, acumulando o Mercado Único com a Defesa e a Política Espacial, todos eles mercados do interesse de França, o maior exportador de armas na Europa.

Mas estes não foram os únicos casos. O candidato da Polónia também estava sob investigação pelo uso indevido de fundos europeus, mas o caso foi encerrado antes da sua audição. O belga, Didier Reynders, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, estava a ser investigado num caso de corrupção na Bélgica, mas o caso foi encerrado na semana em que as audições começaram.

Uma Comissão adiada, sem maioria e que pode ficar sem dinheiro para as suas prioridades

Os atrasos na entrada em funções da Comissão Europeia não são inéditos, mas no caso da Comissão de Ursula von der Leyen podem trazer problemas acrescidos.

Ursula von der Leyen já tem os novos nomes dos candidatos por França, Thierry Breton, e pela Hungria, Olivér Várhelyi, mas da Roménia ainda não há fumo branco, porque o Governo caiu e não há ninguém para aprovar o próximo nome.

Os problemas podem ainda aumentar caso Ursula von der Leyen insista na posição de pedir ao Reino Unido para nomear um comissário, devido ao adiamento do Brexit para 31 de janeiro. Os dois primeiros já esperam uma receção pouco amigável no Parlamento Europeu, mas um candidato britânico (cuja pasta teria de ser criada do zero) ainda seria mais difícil de justificar aos eurodeputados.

Mas são são apenas os nomes que trazem problemas à presidente indigitada. Antes de tomar posse, Ursula von der Leyen não pode colocar as suas propostas para os próximos cinco anos em cima da mesa e pedir financiamento no âmbito do próximo orçamento comunitário.

Nesta altura, o Conselho Europeu já comunicou ao Parlamento Europeu que não aceita o aumento dos compromissos para 171 mil milhões de euros, como propõe Estrasburgo, e diz que não vai além dos 166,8 mil milhões. As duas partes terão de negociar agora num processo de conciliação que durará três semanas, mas sem uma nova Comissão em funções, as iniciativas que Ursula von der Leyen quer avançar, como o Pacto Verde, não terão dinheiro para avançar.

Com os comissários que ainda faltam, não só não vai tomar posse a 1 de novembro como era suposto, como se arrisca a entrar em funções apenas em 2020.

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