Comissão usou critérios mais benévolos para evitar penalizar Portugal por não cumprir regras orçamentais
Órgão independente critica Comissão por contornar as regras e usar critérios adaptados a alguns países para avaliar o cumprimento das regras orçamentais. Portugal foi um dos beneficiados.
A Comissão Europeia usou critérios mais benévolos para avaliar se Portugal cumpriu as regras orçamentais europeias em 2018, apesar de os dados quantitativos indicarem o contrário, critérios esses que não estão previstos nos regulamentos, diz o Conselho Orçamental Europeu. O órgão independente diz que esta abordagem abre “um precedente problemático” porque só se aplica a alguns países e porque tem como objetivo tornar a avaliação do cumprimento das regras menos exigente.
No seu relatório anual, publicado na semana passada, e que os ministros das Finanças dos 28 Estados-membros vão discutir esta semana, este órgão consultivo da Comissão Europeia deixa várias críticas à forma como o Executivo comunitário decidiu fazer a avaliação do cumprimento das regras orçamentais pelos Estados-membros, entre estes Portugal.
De acordo com as regras europeias, os países que não sejam alvo de um Procedimento dos Défices Excessivos são avaliados no chamado braço preventivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento ao abrigo de dois indicadores quantitativos: a redução do défice estrutural em direção ao Objetivo de Médio Prazo; e o valor de referência para a despesa pública.
Quando a Comissão Europeia fez a primeira avaliação do Orçamento do Estado para 2018, lembra este órgão, Portugal já estava entre os seis países onde era identificado um risco de desvio significativo destes indicadores, e enviou uma carta a pedir explicações. Portugal é um dos países que o órgão identifica como um dos que tem “uma tendência recorrente de apresentar propostas de Orçamento em risco de desvio significativo”, referindo-se aos últimos três anos, todos os anos em que Mário Centeno já era ministro das Finanças.
Na resposta à Comissão Europeia, Portugal – tal como França e Itália – não só não fizeram novos compromissos, como ainda questionaram a metodologia usada para concluir que estavam em risco de não cumprir as regras, mas o Conselho Orçamental Europeu diz que nada na análise feita dizia que os resultados previstos teriam riscos elevados à sua concretização. Ou seja, a avaliação de que estavam em risco de não cumprir era plausível. Seguiu-se o Eurogrupo a pedir mais a estes países, incluindo a Portugal. Mais uma vez nada foi feito.
No final, foi a vez de a Comissão Europeia fazer a sua avaliação na segunda fase do Semestre Europeu, que acontece em abril. É aí que surgem as conclusões que o órgão independente questiona, especialmente num grupo de países, entre eles está sempre incluído Portugal.
Segundo o órgão independente, os dados demonstravam que Portugal estaria a falhar o cumprimento do ritmo de redução do défice estrutural e do cumprimento da regra que limita o aumento da despesa, compromissos assumidos perante os 28 ministros da União Europeia no Conselho da União Europeia.
Mas a Comissão Europeia decidiu fazer uma análise diferente, usando critérios que nem estão previstos nas regras, e que nunca haviam sido usados. A primeira adaptação foi não considerar apenas as métricas orçamentais – que Portugal estaria a violar –, mas tendo em conta outras questões.
“No caso da Letónia, Portugal e Eslováquia, apesar de a avaliação global baseada no saldo estrutural e na regra da despesa apontarem para um desvio significativo em 2018, a Comissão concluiu que não havia razões suficientes para concluir que existiu um desvio significativo. A Comissão baseou a sua conclusão referindo-se a um conjunto de fatores além dos dois indicadores números”, explica o Conselho.
Entre os fatores invocados pela Comissão Europeia estão a diferença para o Objetivo de Médio Prazo e o ajustamento previsto pelo Governo, o défice nominal em relação ao limite de 3% do PEC, e o nível de dívida e o cumprimento da regra da dívida.
Mas esta “escolha de alargar os critérios para a avaliação é nova”, diz o Conselho Orçamental Europeu, e vai além da margem de flexibilidade que a Comissão Europeia tinha introduzido em 2017, que anteriormente estava limitada à análise da fragilidade da recuperação económica do país em questão.
Além disso, ao contrário do que aconteceu no passado, estes novos elementos inteiramente discricionários, e que dão mais flexibilidade à Comissão para evitar penalizar um país que não cumpre as regras orçamentais, “foram aplicados sem uma discussão prévia com os comités respetivos do Conselho”.
A questão não fica por aqui. Segundo o órgão independente, na avaliação feita pela Comissão Europeia, a economia portuguesa estava a ter uma recuperação robusta, ou seja, não cumpria o critério para que a Comissão fechasse os olhos ao incumprimento.
A acrescentar a estas mudanças discricionárias na forma de avaliar os países, a Comissão Europeia decidiu acrescentar mais uma novidade, que o órgão critica e diz que pode ser perigosa no futuro: “A avaliação de Portugal também teve em conta uma versão modificada da regra da despesa, que não está contemplada explicitamente nas regras”.
Esta mudança que também foi usada para os casos da Estónia e da Irlanda, significa que a União Europeia mudou a base usada para calcular o PIB potencial, retirando os anos do resgate, e tornando assim a avaliação mais favorável a Portugal.
No entanto, mesmo com esta avaliação ad hoc, Portugal continuava sem cumprir as regras, mas a Comissão Europeia em vez de chumbar ou passar o país nesta avaliação, determinou que não era possível chegar a uma conclusão, evitando assim penalizar Portugal.
A queixa não é nova, mas a Comissão estará a ir cada vez mais longe no uso da sua flexibilidade, aplicando regras diferentes aos diferentes países, tudo para que a avaliação do seu cumprimento seja menos penalizadora, diz o Conselho, que diz que esta prática pode trazer problemas no futuro.
“Como foi dito no relatório do ano passado, estas correções ad hoc criam um precedente problemático, especialmente por são aplicadas de forma assimétrica: estas apenas são usadas para tornar a avaliação do cumprimento [das regras] mais benévolo”, diz o órgão independente.
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