Negociações do Orçamento quase paradas. Acordos podem ficar para a especialidade
A apenas duas semanas de entregar a proposta de Orçamento do Estado para 2020 no Parlamento, as negociações com os partidos continuam paradas e podem resvalar para a especialidade.
Faltam duas semanas para Mário Centeno ir ao Parlamento para entregar a proposta de Orçamento do Estado para 2020, mas, sem acordos escritos como aconteceu na legislatura passada, as negociações com os partidos estão praticamente paradas. O Governo só se irá reunir com os sindicatos na próxima semana para discutir as medidas para a Função Pública que devem estar incluídas na proposta. Acordos à esquerda podem passar para a especialidade. Ministros de áreas chave fazem pressão para aumentar despesa.
As principais medidas que se antecipavam para este Orçamento — o englobamento dos rendimentos de capitais e prediais em sede de IRS e o aumento do número de escalões — foram adiadas, um anúncio feito pelo próprio primeiro-ministro no debate quinzenal. Os partidos apresentaram as suas reivindicações a António Costa, Mário Centeno, Duarte Cordeiro e Ana Catarina Mendes, mas desde então pouco ou não mudou.
Na legislatura passada, Bloco de Esquerda, PCP e Os Verdes tinham um acordo escrito com as medidas acordadas para, em troca, apoiarem o Governo no Parlamento. A decisão de António Costa de avançar sem um acordo já está a ter consequências, sem os partidos à esquerda a terem as habituais reuniões e, a duas semanas de o Orçamento ser apresentado, está tudo por definir.
Aumentos salariais por definir
O Governo indicou aos partidos que a margem para aumentos salariais é a que Mário Centeno já tinha indicado durante a campanha eleitoral, e que já estaria prevista no Programa de Estabilidade, de cerca de 200 milhões de euros. No entanto, há desconfiança à esquerda que estes 200 milhões de euros sejam todos utilizados num aumento de todos os salários da Função Pública, apurou o ECO.
No ano passado, Mário Centeno também se referiu sempre a um valor global de aumento das despesas com pessoal na ordem dos 800 milhões de euros. No entanto, destes 800 milhões de euros apenas 50 milhões estavam previstos — e foram utilizados — efetivamente para um aumento generalizado dos salários. Como o bolo era menor, a escolha foi aumentar apenas os salários mais baixos e num valor nominal.
Os restantes 759 milhões de euros diziam respeito a medidas que aumentavam as despesas com pessoal, mas não a atualizações de salários para a generalidade da Função Pública. Ai estavam incluídos os custos do descongelamento de carreiras e até negociações com setores específicos, como enfermeiros e médicos.
O receio entre os partidos, este ano, é que os 200 milhões de euros que o ministro das Finanças fez alusão sejam, em boa parte, consumidos por medidas já tomadas, como as promoções e avanços na carreira determinados por medidas tomadas em anos anteriores.
Ou seja, os aumentos salariais previstos de forma generalizada, que já não acontecem desde 2009, voltariam a não acontecer. A acontecer, o valor poderia ser pouco mais do que simbólico no vencimento anual dos funcionários públicos.
A mesma discussão no IVA da eletricidade
O Bloco de Esquerda e o PCP voltaram a insistir na proposta de redução do IVA sobre a eletricidade de 13% para 6%, de forma generalizada. No ano passado, os dois partidos insistiram na mudança, e acabaram por ter uma versão muito limitada, aplicada a apenas uma das componentes da fatura da eletricidade e apenas para os consumidores com uma potência contratada baixa.
Os partidos à esquerda, em particular o Bloco de Esquerda, estão a fazer desta medida uma grande bandeira para este ano, mas o Governo está — mais uma vez — a resistir profundamente à mudança. Nas reuniões tidas com os partidos, o Governo disse que a medida poderia custar mais de 700 milhões de euros e que poderia enfrentar a resistência do comité do IVA da Comissão Europeia.
No entanto, os partidos já não acreditam na estimativa de custos do Governo. No ano passado, o Governo apresentou uma estimativa do custo da redução do IVA da eletricidade que os partidos contestaram como muito exagerada. Depois de várias semanas a utilizar um valor na ordem dos 500 milhões de euros, o secretário de Estado dos Assunto Fiscais enviou para os partidos — através da secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares então liderada por Pedro Nuno Santos — uma estimativa corrigida e o custo era significativamente inferior.
A questão dos custos das medidas sempre foi particularmente espinhosa nas negociações entre o Ministério das Finanças e os partidos, de tal forma que, a partir de 2017, os partidos assumiram que não estavam interessados nas variáveis macroeconómicas apresentadas por Mário Centeno, porque não acreditavam nas suas contas, e passaram a centrar-se nas medidas individualmente e a apresentá-las como condição necessária para o voto favorável ao orçamento.
A pressão que vem de dentro
Se as negociações com os partidos estão paradas, dentro do Governo as discussões em torno do Orçamento parece que nunca estiveram tão animadas. Com vários membros do Governo e da estrutura superior do Partido Socialista crentes que este é o último orçamento de Mário Centeno, há vários ministros a fazer pressão para que os gastos aumentem.
O mal-estar dentro do Governo parece cada vez mais vincado. No Ministério das Finanças, Mário Centeno ainda não tinha sentido tanta pressão pública da parte dos seus colegas de Executivo, com várias notícias sobre insuficiências nos serviços públicos e necessidade de investimento — em áreas como a administração interna, a saúde e as infraestruturas –, cuja culpa é atribuída ao controlo rígido de Mário Centeno sobre as finanças públicas e à sua vontade de alcançar um excedente orçamental no próximo ano, que seria o primeiro na história da Democracia portuguesa.
Houve, inclusivamente, várias pessoas que rejeitaram convites para secretários de Estado alegando falta de condições para desenvolver políticas com o aperto de cinto que Mário Centeno impõe no Governo, explicaram fontes com conhecimento destes convites ao ECO.
Há também a convicção dentro de uma parte do PS que Mário Centeno deixará de ser ministro depois de aprovado o Orçamento do Estado para 2020, tendo alguns membros da estrutura superior do partido passado essa mesma mensagem aos partidos mais à esquerda, apurou o ECO. Também há quem questione, dentro do partido, estas informações, entendendo que não passam de uma “forma encontrada por alguns [ministros] para fragilizar” Mário Centeno, e conseguirem o que querem nos seus orçamentos para o próximo ano.
Para já, Mário Centeno continua centrado na elaboração do Orçamento, um processo sempre intenso, especialmente em ano de eleições. Sem negociações à vista mais à esquerda, a maior parte das medidas que podem vir a garantir a sua aprovação no Parlamento podem mesmo acontecer já na especialidade, à semelhança do que aconteceu no ano passado.
Em 2018, foi necessária uma última reunião com António Costa no último dia útil antes da apresentação do Orçamento para desbloquear o processo, e a reunião acabou por terminar já depois da meia-noite. Este ano, ainda não há luz ao fundo do túnel.
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