Brexit em 2020 ou mais incerteza? O que pode sair das eleições no Reino Unido
Apenas dois anos depois das últimas eleições, o Reino Unido vai de novo a votos, estando a braços com um Brexit por concretizar. O desenlace da saída será determinado pela configuração do Parlamento.
Perante um impasse no Parlamento, que forçou o Governo britânico a pedir mais uma extensão do Brexit, o Reino Unido vai ter eleições antecipadas. Apenas dois anos depois da última ida às urnas, que colocou Theresa May enquanto primeira-ministra, os britânicos vão novamente votar numas eleições que vão determinar o futuro do país e da União Europeia.
Há vários cenários possíveis, sendo que cada um deles representa caminhos diferentes para o Brexit, desde uma saída antes do novo prazo, de 31 de janeiro, a uma nova extensão. Tudo depende do peso que os conservadores e os trabalhistas conseguirem conquistar no Parlamento.
Cerca de 46 milhões de eleitores, da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, bem como alguns cidadãos da Commonwealth e irlandeses, vão às urnas esta quinta-feira para eleger os 650 membros da Câmara dos Comuns, a partir do qual será formado um governo.
Sondagens dão maioria a Boris Johnson
Tudo aponta para que a maioria dos eleitores faça a cruzinha ao lado do partido Tory. “Até ao momento não há nenhuma sondagem que dê outro vencedor que não os conservadores”, diz Filipe Vasconcelos Romão, professor universitário de relações internacionais, ao ECO.
Ainda assim, as previsões podem não ser de confiar. Em 2017, as sondagens “davam valores muito elevados nas diferenças entre partidos e depois ficou um valor inferior a 3%“, nota o investigador de política internacional. Esta percentagem “impediu o partido de Theresa May de ter maioria e levou à situação que temos atualmente, de incerteza e de não se conseguir gerar uma maioria para aprovar Brexit no parlamento”.
No entanto, nas últimas eleições, houve uma sondagem que conseguiu prever com mais precisão o resultado. Foi a sondagem da YouGov, que era a única que previa que May iria perder a maioria e ficar com um “hung parliament“, ou seja, um parlamento “suspenso” onde nenhum partido tem maioria suficiente para aprovar leis sozinho.
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O estudo desta empresa era, por isso, bastante aguardado para esta nova volta. A YouGov utiliza um método diferente que, com base na análise dos principais dados demográficos, votação no passado e provável participação entre diferentes grupos demográficos, prevê a votação em cada círculo eleitoral. Mas, desta vez, acabou por não se afastar muito das restantes.
Dá uma maioria de 68 lugares ao partido de Boris Johnson nas eleições no Reino Unido, totalizando os 359 lugares. Vê, assim, os trabalhistas a perderem 51 lugares para totalizarem os 211 membros do Parlamento. O SNP, o partido dos nacionalistas escoceses, deverá conquistar 43 lugares, segundo as previsões, enquanto os liberais democratas, deverão ficar com 13 assentos.
Não é, ainda, de descartar que as pessoas venham a decidir seguir pelo voto útil. “Com um sistema partidário tão fraturado e o potencial para uma votação tática considerável, é uma eleição particularmente difícil de prever“, diz Philip Cowley, professor de politica na Queen Mary University of London, ao ECO.
Brexit em janeiro ou novo referendo?
E o que acontece se os eleitores derem uma maioria confortável aos Tories? “Com uma vitória conservadora o Reino Unido ratificará o acordo atual“, explica Philip Cowley. Boris Johnson já adiantou, na apresentação do manifesto do seu partido, que, se ganhasse, haveria um novo voto ao acordo até ao Natal.
Depois de não conseguir aprovar o acordo, o primeiro-ministro britânico viu-se obrigado a pedir mais uma extensão à UE. O bloco concedeu até 31 de janeiro, prazo que Boris Johnson não quer exceder. Os conservadores comprometeram-se a entregar o texto final do Brexit até ao fim de janeiro de 2020, caso vençam as eleições.
Por outro lado, se a diferença entre os dois principais partidos acabar por ser reduzida, é provável que haja um novo impasse. O acordo de Boris Johnson não chegou a ser submetido a voto, mas a proposta de lei que o prevê sim, e essa foi aprovada. Foi a calendarização da lei do Brexit que foi chumbada e encanou o processo, por isso é incerto como se irão desenrolar as novas votações.
"Uma vitória trabalhista – mesmo que apenas como chefe de um governo minoritário – significa um segundo referendo que pode derrubar o Brexit”
Mas e se o partido de Jeremy Corbyn conseguir desafiar as probabilidades e sair com mais votos? “Uma vitória trabalhista – mesmo que apenas como chefe de um governo minoritário – significa um segundo referendo que pode derrubar o Brexit“, aponta Philip Cowley.
O líder do Labour adiantou que queria colocar o Brexit “em pausa”, renegociar com a UE e fazer um segundo referendo. No entanto, Corbyn não se comprometeu sobre por que lado iria fazer campanha nesse escrutínio, já que o partido tem fações que cujas opiniões se dividem nesta matéria.
Já para os restantes partidos parece ser pouco provável que consigam obter o suficiente para ultrapassar os principais, mas poderão ser essenciais para uma coligação ou um acordo, caso o vencedor não tenha uma maioria. “O sistema eleitoral dificulta muito a emergência de partidos alternativos”, nota Filipe Vasconcelos Romão.
Isto porque, para ganhar o lugar numa constituência só é necessário ter mais votos do que os outros com quem concorre. O Brexit Party, de Nigel Farage, poderia ganhar alguma expressão, mas decidiu que não iria competir com os Conservadores nos lugares que conseguiram garantir nas últimas eleições, de forma a não dividir os votos daqueles que são a favor de uma saída da UE.
Já os liberais democratas, liderados por Jo Swinson, representam a oposição ao Brexit e poderão ser uma das opções para coligação com os partidos maiores. Mas depois de um grande salto antes das eleições europeias de maio, o partido acabou por estabilizar nas intenções de voto, acabando mesmo por voltar a cair quando foi anunciada a nova ida às urnas.
Empresas fogem da incerteza
O resultado destas eleições irá também influenciar as decisões das empresas. Desde que a saída do Reino Unido da UE se começou a tornar mais real, as empresas começaram a delinear planos para lidar com a mudança. Muitas acabaram mesmo por decidir fugir da incerteza, à medida que não era ainda decidido um acordo, enquanto outras deixaram apenas um alerta de que iriam tomar uma posição caso a saída fosse desordenada.
Foi o caso de fabricantes no setor automóvel, como a Honda, que fechou uma das fábricas, em Swindon, e apesar de dizer que esta decisão não se baseava apenas no Brexit já tinha alertado para os seus efeitos. A Ford também já avisou, e fechou a fábrica em Bridgend, bem como a Jaguar, que culpou a incerteza pelas perdas registadas no primeiro trimestre.
Na banca, um dos exemplos é o Barclays, que mudou ativos para a Irlanda, explicando que tinha de começar a implementar os planos de contingência. Os avisos também vieram da Airbus, que disse que poderia ter de fechar fábricas. Outras multinacionais já tomaram ação: a Panasonic e a Sony mudaram a sede europeia do Reino Unido para a Holanda.
Os mercados reagiram bem às sondagens que dão a vitória aos conservadores, com o índice de referência britânico a registar uma recuperação, mas os investidores pesam ainda os diferentes cenários. Apesar de o partido de Boris Johnson dar mais clareza sobre o que irá ser o futuro, o acordo pode exigir uma maior adaptação por parte das empresas, e há sempre a possibilidade de uma saída sem acordo no fim do período de transição. O que é certo é que a incerteza não é um cenário com o qual as empresas querem lidar.
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