Hierarquias dos bancos sabiam das práticas de cartel, mas gestores escaparam à condenação da AdC

Segundo o regulador "não é crível" que administradores e diretores não soubessem da troca de informação que durou mais de uma década. Ainda assim, nenhum gestor foi condenado.

As hierarquias dos bancos estavam a par da troca de informação comercial sensível no mercado crédito em Portugal que aconteceu entre maio de 2002 e março de 2013 e que levou a Autoridade da Concorrência (AdC) a condenar em setembro passado 14 bancos ao pagamento de uma coima global no valor de 225 milhões de euros. Ainda assim, embora as práticas anticoncorrenciais tivessem durado mais de uma década e o regulador tivesse encontrado provas do conhecimento das administrações e direções desta situação, nenhum gestor acabou condenado no chamado “cartel da banca”.

Entre os principais bancos condenados pela AdC estão a Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP, Santander Totta, BPI e Banco Montepio. Em causa está o intercâmbio de informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, em que cada um informava os outros, por exemplo, sobre os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou às empresas ou os valores do crédito concedido no mês anterior.

Segundo a decisão da AdC, os bancos trocavam estas informações por telefone ou por email, “através de uma rede de contactos tendencialmente estável e institucionalizada, de modo bilateral ou multilateral, com caráter de reciprocidade e com pleno conhecimento das hierarquias“. Mais. “A troca de informação entre os bancos integra as funções dos departamentos de marketing e gestão de produto das visadas, cujos colaboradores, com a anuência de diretores e administradores, garantiam a implementação e continuidade do sistema de troca de informação“, sublinha o regulador liderado por Margarida Matos Rosa.

"A troca de informação entre os bancos integra as funções dos departamentos de marketing e gestão de produto das visadas, cujos colaboradores, com a anuência de diretores e administradores, garantiam a implementação e continuidade do sistema de troca de informação.”

Autoridade da Concorrência

Decisão final

Ainda assim, não houve condenações individuais no cartel da banca, como aconteceu noutros casos de menor dimensão e que foram decididos também no ano passado pela AdC (como nos seguros ou das construtoras, casos em que administradores e diretores também foram condenados).

Em setembro, depois de confrontado pelo ECO sobre se as investigações envolveram algum diretor ou membro de administração de bancos e por que razão não havia condenações individuais num processo desta magnitude, o regulador esclareceu apenas que “a AdC concluiu pela não responsabilização de pessoas singulares titulares de cargos de direção ou administração. Caso contrário, tendo existido condenações de responsáveis que atualmente ocupam cargos de topo, o caso poderia ter de levar o Banco de Portugal a intervir.

Margarida Matos Rosa, presidente do conselho de administração da Autoridade da Concorrência, em audição no Parlamento.Tiago Petinga / Lusa

Emails provam conhecimento superior

Para suportar estas conclusões, a AdC cita na sua decisão final vários emails internos dos bancos que foram recolhidos durante a investigação que começou em 2012 devido a uma denúncia do Barclays e culminou na decisão de condenação em setembro e que agora está a ser contestada em tribunal pelos bancos.

Dá conta, a título exemplificativo, de uma troca de correspondência eletrónica entre o Crédito Agrícola e o Santander, a 1 de fevereiro “em que o primeiro solicita um conjunto de informações comerciais sobre indexantes, spreads e bonificação no crédito à habitação” e de um email enviado pelo BES ao Santander, a 8 de junho de 2008, em que solicita a “validação de um conjunto de informações sobre comissões praticadas pelo Santander”.

São vários os casos citados pelo regulador envolvendo os outros bancos, como por exemplo um email interno da CGD, de 16 de julho de 2009, que era do conhecimento dos administradores e cujo conteúdo mostra que “existia uma preocupação com a estabilidade e continuidade dos pontos de contacto (secções precedentes) e que, por outro lado, estes pontos de contacto procuravam responder a solicitações internas”.

“Veja-se, ainda, o email interno enviado pelo diretor do Departamento de Crédito a Particulares e Cartões ao administrador do BES, em 3 de setembro, em que é feita uma análise dos volumes de produção da concorrência com a indicação de que tal informação foi obtida junto das direções de marketing de outras instituições de crédito”, cita ainda a AdC.

Bancos rejeitam, regulador não se convence

Os bancos, que foram ouvidos ao longo do processo de investigação, rejeitam as conclusões do regulador da concorrência, incluindo a alegação de que as hierarquias conheciam o intercâmbio de informações comerciais sensíveis e de que o processo estava institucionalizado.

Mas a AdC não está convencida disso e explica o seu entendimento. Não só as provas expostas ao longo da decisão e de outros elementos que constam dos autos sustentam a sua opinião, mas também o facto de as trocas de informação “persistirem e manterem, como se viu, mesmo quando havia alteração de colaboradores, o que demonstra que se tratava de uma atividade institucionalizada dentro dos respetivos departamentos, e não de uma troca informal entre amigos, como algumas visadas pretendem fazer crer”, comprova o conhecimento de superiores.

"Não é crível que esta prática pudesse ter ocorrido ao longo de dez anos sem que as direções e administrações dos colaboradores que dela participavam tivessem conhecimento.”

Autoridade da Concorrência

Decisão final

Além disso, prossegue o regulador, face às características da troca de informação, nomeadamente o seu detalhe e intensidade, “não é crível que esta prática pudesse ter ocorrido ao longo de dez anos sem que as direções e administrações dos colaboradores que dela participavam tivessem conhecimento ou, pelo menos, devessem ter tomado conhecimento no exercício das respetivas funções de direção ou administração”.

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