Só 6% das empresas portuguesas previam em janeiro enfrentar a pandemia
Para o cenário pós-Covid, Fernando Chaves, da Marsh Portugal, prescreve atenção aos riscos de pressão psicológica e social, sublinhando que as empresas devem manter planos de contingência bem ativos.
No primeiro mês do ano, quando o coronavírus estava longe de ser sinalizado por cá, pelo menos 16% das empresas portuguesas já identificava o risco de “pandemia/propagação rápida de doenças infeciosas” como um dos riscos que poderia afetar o mundo, sendo que seis em cada 100, referiam ser um dos riscos que a sua empresa iria enfrentar em 2020, revela um estudo da Marsh, corretora global em consultoria de risco.
“Este nível de resposta é para nós bastante relevante, não só porque as respostas foram dadas numa altura em que o surto de Covid-19 estava ainda confinado ao território da China, mas especialmente porque entendemos a dificuldade de selecionar 5 riscos (o que se pedia aos inquiridos) entre muitos outros que podem ser igualmente relevantes e com maior probabilidade de se tornarem reais”, comenta Fernando Chaves, Risk Specialist da Marsh Portugal, num comunicado da companhia.
Produzido através de inquérito a empresas portuguesas pelo sexto ano consecutivo, o estudo “A Visão das Empresas Portuguesas sobre os Riscos 2020” tem como principais objetivos identificar os potenciais riscos que as empresas consideram que o mundo e elas próprias irão enfrentar, analisando, também, a evolução da gestão de riscos nas empresas portuguesas. A apresentação pública do relatório local pretende também fazer “uma ponte” com o “Global Risks Report 2020″ (GRR) apresentado no Fórum Económico Mundial , realizado em Davos, Suíça.
A produção da réplica portuguesa do estudo contou com a participação de 170 empresas portuguesas, pertencentes a 22 setores de atividade, com diferentes volumes de faturação, bem como de número de colaboradores.
As conclusões do estudo foram agora objeto de um webinar “Raio-X aos Riscos 2020” com participação de Rodrigo Simões de Almeida, Country Manager, e Fernando Chaves, Risk Specialist da Marsh Portugal. Entre outros indicadores e reafirmando dados divulgados no quadro do relatório global já apresentado no Fórum de Davos em parceria com outras organizações como a seguradora Zurich, o relatório realça que o risco de ataques cibernéticos é o que mais preocupa as empresas nacionais neste ano, tanto internamente como a nível global.
Ataques cibernéticos são principal risco global para o mundo e para empresas
Parcelando o diagnóstico de perceção empresarial em duas categorias (riscos que o mundo enfrenta e riscos que as empresas poderão enfrentar) o inquérito da Marsh concluiu que 55% das empresas portuguesas considera que os ataques cibernéticos em grande escala são o principal risco que o mundo pode vir a enfrentar em 2020, seguido pelos eventos climáticos extremos com 39%. Em terceiro lugar, surgem as crises fiscais e financeiras em economias chave com 37%; em quarto lugar, com 32%, os ataques terroristas em larga escala e em quinto a instabilidade social profunda, com 26%.
Ao longo dos últimos três anos, o risco de ataques cibernéticos em grande escala tem-se mantido em primeiro lugar no topo das preocupações dos empresários, momento em que os ataques terroristas em larga escala deixaram de ser considerados como a ameaça número um (2016 e 2017).
Sobre os riscos que as empresas receiam vir a enfrentar neste ano, 56% afirma que os ataques cibernéticos são o risco com maior probabilidade de ocorrer, seguido da retenção de talentos, com 41%. Em terceiro lugar surge a instabilidade política ou social, com 40%, e, em quarto e 5º lugar, respetivamente, estão os eventos climáticos extremos, com 35%, e a concorrência, com 24%.
Já no que respeita ao relatório internacional GRR de 2020, a informação apresentada“é algo diferente” do que vinha sendo registado nas edições anteriores, salientaram os responsáveis da Marsh na sessão transmitida pela web. “Nunca tivemos o top 5 de riscos na mesma categoria”, disse Francisco Chaves na teleconferência de apresentação do Raio-x realizado em Portugal. Os participantes do estudo mundial divulgado há cerca de dois meses “indicam os riscos ambientais como os que mais podem impactar nos próximos 10 anos”, surgindo de forma recorrente entre os mais importantes no estudo global, pelo menos, desde 2007, notaram os responsáveis da corretora e consultora norte-americana.
Assumindo isto como um novo normal, também “não se pode deixar que o Covid-19 atrase as medidas que têm de ser tomadas a nível mundial para atenuar a crise climática global”, alertou o especialista salientando que a emergência da pandemia “é um risco tremendo, nomeadamente na cadeia de valor, mas para muitas empresas é também uma excelente oportunidade.”
Para o relatório para Portugal a recolha dos dados que traduzem a perceção das empresas foi feita entre o mês de janeiro e o início de fevereiro de 2020, “razão pela qual as preocupações demonstradas com o efeito da pandemia não estão ainda muito presentes”, justifica a Marsh.
Se o inquérito fosse conduzido agora (maio), a perceção de crise financeira “subiria”, enquanto os ataques cibernéticos seriam o risco a manter, juntamente com as catástrofes”. Mas “a recessão, com o desemprego e a tensão social a subirem de tom”, por efeito da pandemia, “entrariam como novos riscos no horizonte”, afirmou Simões de Almeida, durante a teleconferência.
Sobre a crise que o mundo atravessa, o especialista Fernando Chaves explica: “2020 ficará marcado nas nossas vidas, como o ano em que o mundo parou para lutar contra uma pandemia. Um ano que está a ser um desafio enorme para todos, sem exceção, e os próximos meses podem continuar a ser asfixiantes para muitas empresas. Assistiremos a um maior número de ataques cibernéticos aos sistemas informáticos estatais e da generalidade de empresas e particulares, criando ainda maior disrupção e riqueza para organizações criminosas e terroristas. Serão tempos em que as forças políticas podem mudar de posição e as lutas pelo poder poderão dar origem a novas esperanças ou ainda maiores receios”.
Gestão de riscos: Apoiar o seguro de crédito “é fundamental”
Cerca de 90% das empresas portuguesas inquiridas afirma que a importância dada pela sua organização à gestão de riscos é suficiente ou elevada. Este indicador é considerado “bastante positivo, revelando que as empresas portuguesas estão a investir cada vez mais na gestão de riscos, tornando-se mais bem-sucedidas e, sobretudo, mais resilientes a eventos atípicos, como este que estamos a vivenciar nos últimos meses”, afere a Marsh Portugal.
Relativamente aos valores orçamentados para 2020 na gestão de riscos, 35% das empresas afirma ter aumentado e 44% afirma ter estabilizado esse investimento. Este é, também, um bom indicador das empresas nacionais, ainda que com margem de progressão, considerando os 20% de respostas a dar nota de não saber ou poder comparar com o ano anterior.
Citado no comunicado da companhia, Rodrigo Simões de Almeida, afirma: “A gestão de riscos é uma peça crucial nos modelos de gestão” e está a experienciar “um bom momento, algo que pode ser testemunhado nos resultados deste estudo. As empresas com uma gestão de riscos bem implementada são as mais resilientes em momentos difíceis como o que vivemos. E talvez por isso, continuam a encontrar oportunidades para continuarem a crescer”, conclui o Country Manager da Marsh.
Nas notas finais antes de encerrar o webinar, Simões de Almeida referiu ainda que, na atual crise, a reação do Estado foi fundamental em várias áreas. Porém, o responsável da Marsh Portugal notou que “contrariamente ao que se assiste noutros países”, em Portugal falta apoio do Governo ao seguro de crédito: “A área de risco de crédito e dos seguros de crédito é fundamental para a economia circular em que vivemos”. E justificou: “É necessário que a capacidade de manter limites à proteção e às vendas das empresas seja alimentada pelo Estado. É urgente (…), porque é fundamental para a reativação da economia”, concluiu.
Pós-Covid: atender à pressão psicológica e social e ter planos de contingência bem ativos
À margem da teleconferência, em resposta a questões escritas de ECO Seguros, Fernando Chaves abordou riscos e vulnerabilidades para o cenário pós-pandemia. “As empresas devem dar particular atenção aos efeitos diretos e indiretos do COVID-19, nomeadamente em termos de riscos económicos e financeiros”, afirma. Entre estes, o especialista destaca “a capacidade de conceder crédito a clientes (ou até poder estar sujeito a prazos de pagamento mais voláteis) e de conseguir dar resposta aos pagamentos a fornecedores, assim como a questões geopolíticas, como a implementação de medidas protecionistas ou de nacionalizações, para defesa das economias locais em detrimento do comércio global”.
Numa fase de recuperação, “as empresas estão já sujeitas a uma maior pressão de potenciais ataques cibernéticos e poderão vir a ser impactadas por riscos ambientais catastróficos, seja a nível local ou regional”, acrescenta.
Finalmente, para que as empresas possam acelerar a mitigação destas ameaças e responder às fragilidades resultantes da pandemia, Fernando Chaves desenvolve: “deve ser dada particular atenção à pressão social e psicológica a que todos, e alguns com maior destaque, poderão estar ou ter estado sujeitos, afetando a sua capacidade produtiva, tão necessária nas fases de retoma e recuperação”.
Concluindo, o especialista considera que as empresas “devem ter em conta estes e outros riscos mais específicos da sua atividade ou ecossistema, não se esquecendo de manter bem ativo o plano de contingência, incluindo cenários que prevejam como bastante prováveis, novas ondas de impacto e duração diferentes, seja localmente ou em regiões diferentes do planeta, podendo voltar a afetar a cadeia de valor”.
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