Angola, as minas e a poesia. Quem é António Costa Silva, o homem que vai desenhar a retoma da economia?
Governo chamou um conselheiro independente para ajudar a relançar a economia após a pandemia. São estas as ideias defendidas pelo gestor, que nunca se afastou muito do mundo do petróleo.
O Governo chamou um gestor independente para ajudar na retoma da economia após o Covid-19. É António Costa Silva, CEO da petrolífera Partex. A notícia foi avançada pelo Expresso e confirmada pelo próprio ao ECO. Com grande parte da carreira ligada ao setor energético, o homem escolhido pelo primeiro-ministro António Costa para desenhar o plano de retoma da economia tem valências que vão das minas à poesia.
Nascido em 1952, na cidade angolana de Catabola, foi no país africano que começou a carreira. Aos 28 anos, já depois do 25 de abril de 1974, entrou para a petrolífera estatal Sonagol, onde integrou o departamento de produção. Quatro anos depois, começava a trabalhar com a Companhia Portuguesa de Serviços, atividade que manteria até 1997, sempre ligado a projetos petrolíferos.
Entre 1998 e 2001 foi diretor executivo da francesa Compagnie Générale de Geophysique (CGG) em Lisboa, antes de se mudar para Paris e trabalhar no Instituto Francês do Petróleo (IFP) como diretor de engenharia de reservatórios e diretor de operações durante dois anos. Há quase duas décadas, chegava à petrolífera do grupo Gulbenkian, à Partex, onde se mantém até hoje.
"A vida tem múltiplas dimensões e é evidente que a poesia é uma espécie de descanso do espírito.”
No campo académico, o percurso acompanhou a especialização. Costa Silva é licenciado em Engenharia de Minas pelo Instituto Superior Técnico, onde voltou para dar aulas. Fez o mestrado em Engenharia de Petróleos na Imperial College of London, tal como o doutoramento, no qual defendeu uma tese sobre o desenvolvimento de modelos estocásticos aplicados aos reservatórios petrolíferos.
Se o currículo leva a crer que os interesses de António Costa Silva se limitam ao petróleo, a realidade não é assim tão linear. “A vida tem múltiplas dimensões e é evidente que a poesia é uma espécie de descanso do espírito“, dizia o gestor, no ano passado em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF, quando questionado sobre os livros de poesia — especialmente dedicados a Angola –que publicou.
“Eu sou por formação engenheiro de minas e um dos grandes poetas do romantismo alemão tem a definição mais extraordinária do que eu já vi de um engenheiro de minas. Ele diz que é um astrónomo às avessas. Quando se começa a olhar para geologia do planeta, estudá-la é crucial porque percebemos a partir daí que vivemos não só num planeta extraordinário, mas que causa — do ponto de vista da beleza — inúmeros assombros“, acrescentou.
Entre o petróleo e a transição energética
A visão alargada terá sido uma das razões para a escolha do Governo. “O que se pretende é uma visão integrada” de “sete ou oito objetivos estratégicos”, como explicou Costa Silva ao ECO sobre o convite que recebeu do primeiro-ministro.
O programa inclui âmbitos como transportes ferroviários; infraestruturas portuárias; gestão de recursos de água; competências digitais das pequenas e médias empresas; reforço do investimento no sistema nacional de saúde (tanto em equipamentos como em recursos humanos); reconversão industrial; recursos endógenos; coesão territorial ou transição energética.
É na energia que poderá estar o ponto de discórdia entre Costa Silva e o Governo, que assumiu como prioridade a transição energética. Aliás, em 2018, o CEO da Partex entrou em conflito com o Executivo de António Costa por discordar da posição tomada em relação à exploração de gás e petróleo no Algarve. Chegou a dizer que “não vale a pena” investir em Portugal, que “tem uma fraquíssima inteligência estratégica”.
Mais tarde, viria a defender que é injusto demonizar os combustíveis fósseis, mas que concordava com a conversão das centrais a carvão para centrais a gás, tal como o atual Governo quer. Terá sido esta dicotomia que levou Costa Silva a começar as reuniões com o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, para, de acordo com o Expresso, garantir que não há incompatibilidades no trabalho, que terá começado há cerca de duas semanas.
Costa Silva sublinhou que o trabalho ainda está numa fase preliminar e que, ao longo dos próximos meses, pretende falar com partidos, parceiros e empresas. “A proteção social das pessoas e das empresas é muito importante. Tem de haver um pacto com o Estado para capitalizar as empresas. É importante ajudar a capitalizar as empresas que têm futuro para não deixar que entrem em coma”, defendeu.
Combinação virtuosa entre o Estado e o mercado
Costa e Silva não adiantou mais sobre a sua posição, mas o gestor — que nunca antes tinha estado ligado à política ou ao partido socialista — tem usado o seu espaço de opinião no jornal Público para falar do impacto da pandemia na economia e do mundo pós-Covid. “A crise mais importante das nossas vidas exige um novo pensamento, um novo modelo económico e social, uma nova ordem internacional“, escrevia em abril.
“Com o mundo desmoronado, a porta de saída é o reforço das instituições multi-laterais e não a sua destruição, é o reforço da cooperação internacional e não do isolacionismo, é a busca da decência e não da jactância e fanfarronice”, dizia no Público.
Já em maio, num discurso numa conferência citado pelo Jornal Económico, defendia que o Estado devia ganhar poderes e funções reforçados para intervir ao nível do capital das empresas, salvar as que são competitivas e, consequentemente, proteger o emprego. Falava de uma “combinação virtuosa entre o Estado e o mercado” como solução para a crise.
"Com o mundo desmoronado, a porta de saída é o reforço das instituições multi-laterais e não a sua destruição, é o reforço da cooperação internacional e não do isolacionismo, é a busca da decência e não da jactância e fanfarronice.”
Estes deverão ser os pilares do programa que Costa Silva irá apresentar a António Costa. Este servirá como base ao Orçamento do Estado para 2021 e, eventualmente para os próximos anos. Aliás, o Expresso avançava que o CEO da Partex poderia mesmo vir a integrar o Governo.
Nesse cenário, o atual ministro das Finanças Mário Centeno abandonaria o Governo depois do verão para ocupar a posição de governador do Banco de Portugal. O ministro da Economia Pedro Siza Vieira ocuparia esta posição e Costa Silva entraria para o lugar deixado vago. Além do pedido do primeiro-ministro, a possibilidade seria mais provável pois, segundo o semanário, Costa Silva estará a preparar-se para sair da Partex, que foi no ano passado vendida à petrolífera tailandesa PTTEP.
Ao ECO, o engenheiro garantiu estar a cumprir um “dever cívico”, que nada tem a ver com uma eventual substituição de Pedro Siza Vieira no ministério da Economia. “O meu trabalho é de mero cidadão. É apenas uma tarefa cívica que estou a desempenhar pro bono. Continuo na minha empresa e o resto são especulações sem fundamento”, afirmou.
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