Qual é o Estado da Nação em plena pandemia? Estes 10 gráficos mostram
Em plena pandemia, o Governo e os partidos vão discutir o Estado da Nação. A incerteza é o prato do dia, mas os números mostram quão grande é o desafio.
Em vários indicadores económicos, Portugal estava progressivamente a melhorar até chegar a crise pandémica. Há um antes e um depois do vírus, que é visível em quase todos os gráficos. Esta sexta-feira discute-se o Estado da Nação na Assembleia da República numa altura em que o país enfrenta uma das crises mais graves de sempre. Da economia ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), do défice à dívida pública, da educação ao crime, eis um retrato possível de Portugal num momento de elevada incerteza.
Do maior crescimento desde 2000 até à maior recessão anual de sempre
A economia portuguesa esteve a crescer durante cinco anos consecutivos, recuperando o que tinha perdido na crise das dívidas soberanas da Zona Euro. O pico registou-se em 2017 quando o PIB cresceu 3,5%, o crescimento mais expressivo desde 2000. Inicialmente a recuperação económica veio essencialmente das exportações de bens e serviços, mas mais recentemente tanto o consumo privado — com o aumento do rendimento disponível — como o investimento — principalmente o privado — também contribuíram de forma decisiva para a evolução da economia.
Apesar de ter desacelerado em 2019, no início de 2020 a economia até tinha ganho um impulso. Contudo, em março tudo mudou: o confinamento de grande parte da população e da economia levou a uma queda a pique de quase todos os indicadores económicos, semelhante ao que ocorreu noutros países europeus, o que também afetou as exportações portuguesas. Atualmente, a atividade económica já está a recuperar, mas ainda em níveis inferiores aos da pandemia.
No primeiro trimestre, o PIB encolheu 2,3%, em termos homólogos, mas o pior ainda está para a vir. A maioria das previsões para o PIB anual situam-se atualmente na casa dos 9%, o que a concretizar-se será um dos piores anos de sempre e colocará a economia portuguesa de volta aos níveis de produção verificados durante a crise anterior.
Do primeiro excedente da democracia a um dos maiores défices da história
A evolução do saldo orçamental é semelhante à do PIB: após anos consecutivos de défices excessivos, Portugal conseguiu livrar-se desse “estatuto” a nível europeu em 2017 e dois anos depois, em 2019, atingiu o primeiro excedente orçamental da era democrática. Com as receitas a aumentarem significativamente e a despesa a crescer a um ritmo mais lento do que a economia, o Governo foi conseguindo diminuir o défice orçamental, planeando em 2020 registar novamente um excedente orçamental.
Contudo, também aqui a pandemia trocou completamente as voltas ao Executivo. Com as medidas aprovadas para colmatar o impacto da crise pandémica e para fazer face às necessidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o saldo orçamental já foi negativo no primeiro trimestre (-1,1%) e poderá ser ainda mais caso haja incumprimento por parte das empresas, às quais foi dada a possibilidade de diferirem impostos.
A quebra abrupta da receita e o aumento exponencial da despesa deverão levar a um dos maiores défices de que há história: 7%, nas contas do Governo, já a contar com as alterações introduzidas no Parlamento ao Orçamento Suplementar. E, neste momento, não se pode excluir por completo a necessidade de uma nova alteração orçamental dada a incerteza que ainda persiste sobre a evolução da pandemia no inverno e a capacidade de recuperação da economia.
Dívida pública sobe, sobe e sobe até novos máximos
A consequência imediata do maior nível de despesa e de menos receitas públicas é a subida das necessidades de financiamento da República. Por causa disso, o Estado teve de se financiar num volume superior ao estimado anteriormente junto dos mercados financeiros, sendo que em abril registou-se a maior subida mensal do endividamento público dos últimos cinco anos. Desde então, o máximo histórico tem vindo a ser renovado todos os meses.
Contudo, em percentagem do PIB, a dívida pública continua abaixo dos máximos atingidos anteriormente, tendo alcançado para já o patamar dos 120% do PIB no primeiro trimestre. Mas com a economia a cair e o défice a subir é expectável que no segundo trimestre o rácio volte a subir, devendo terminar o ano em níveis nunca antes vistos, tal como acontecerá noutros países como a Grécia, Itália, Espanha, entre outros.
Impostos iguais levaram a carga fiscal a máximos e agora à descida
Principalmente fruto do aumento do emprego (os impostos mantiveram-se praticamente iguais ao longo dos últimos anos), a carga fiscal — que é composta não só pelos impostos mas também pelas contribuições sociais (TSU) –, em percentagem do PIB, aumentou ao longo dos últimos anos para níveis historicamente elevados, abrindo a porta a muitas horas de discussão política entre o Governo e a oposição. Em 2018, a carga fiscal tinha sido de 34,8% e em 2019 ficou nesse mesmo nível, apesar das intenções do Executivo de a baixar.
Ironicamente, com a crise pandémica, a carga fiscal deverá mesmo baixar, tal como acontece normalmente durante as recessões. Com o Governo a prever uma redução da receita fiscal na ordem dos 5,2 mil milhões de euros e o desemprego a aumentar abruptamente, a receita de impostos e contribuições deverá cair mais do que o PIB, levando à primeira queda da carga fiscal desde 2016, de acordo com os números do Orçamento Suplementar.
Taxa de desemprego esconde um exército de “inativos”
Após ter atingido níveis superiores a 15% durante a anterior crise, a taxa de desemprego foi diminuindo progressivamente, acompanhando a recuperação da economia e atingindo os níveis mais baixos desde o início do século. E, apesar da pandemia, que levou mais de 100 mil pessoas a inscreverem-se no Centro de Emprego, este indicador mantém-se igual. Porquê? Em causa está a forma como é calculada.
Vamos a um caso concreto: em maio, a taxa de desemprego “oficial” terá descido para 5,5%, o que compara com 6,3% em abril. Contudo, o número de pessoas empregadas diminuiu em 104 mil. Confuso? O problema está efetivamente na pandemia e na forma como afeta a contabilização. Isto acontece porque há pessoas que anteriormente eram classificadas como desempregadas ou que perderam o emprego que agora são classificadas como inativas — universo que aumentou muito significativamente — por causa das restrições à mobilidade, no sentido em que não procuram ativamente emprego.
Exportações interrompem ciclo de 40 trimestres de crescimentos consecutivos
Durante mais de 10 anos consecutivos, cerca de 40 trimestres consecutivos, as exportações de bens e serviços estiveram a crescer sem parar, fruto principalmente do turismo (serviços) mas também das exportadoras de variados bens. Depois de terem sido as estrelas da recuperação económica em Portugal durante a troika, as exportações nunca tiveram tanto peso no PIB como agora.
Contudo, a pandemia também veio trocar as voltas às vendas ao exterior, afetando tantos os bens como os serviços. No primeiro trimestre, as exportações contraíram 4,9% no primeiro trimestre, a maior queda desde o terceiro trimestre de 2009, prevendo-se que o segundo trimestre seja ainda mais sombrio. Em números absolutos, isto significa que o volume de exportações de bens e serviços, que estavam entre os 21 a 22 mil milhões de euros por trimestre, caiu 1.074,5 milhões de euros para os 20.905,7 milhões de euros, semelhante aos valores trimestrais registados em 2017.
Turismo passa de motor da economia a parente “doente” da recuperação
Para o bem e para o mal, Portugal é um dos países da União Europeia mais dependente do turismo, tendo este sido um dos principais motores da economia durante o programa de ajustamento. Ainda em 2019 foram novamente quebrados recordes. A importância do setor reflete-se agora nesta crise pandémica, onde é um dos mais afetados, com o INE a estimar que uma quebra anual de 25% no turismo tira 2,9% do PIB. Para já, as quebras têm até sido superiores e a evolução futura é incerta.
Em maio, o mês do desconfinamento, registaram-se quebras de mais de 90% nas dormidas e de perto da totalidade nos proveitos do setor, o que se explica pelo facto de 70,4% dos estabelecimentos de alojamento turístico terem estado encerrados ou não terem registado movimento de hóspedes. Em abril, o cenário tinha sido ainda mais devastador. Com Portugal a ser excluído do grupo de países em que se dispensa quarentena, torna-se cada vez mais sombrio o futuro deste setor. No total, o turismo português poderá vir a perder 12,4 mil milhões de euros.
SNS sobrevive, com críticas, ao maior desafio da sua história
É praticamente consensual que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a atravessar um dos seus maiores desafios desde que foi criado fruto da pandemia que chegou sem aviso. Após anos de cortes na despesa do SNS, por causa do pedido de resgate financeiro e respetivo programa de ajustamento, a despesa do SNS começou a subir novamente nos últimos anos, tendo superado em 2019 o máximo anterior de 2010.
Apesar do aumento da despesa do Estado com o SNS, tem sido “sistemática”, nas palavras do Conselho das Finanças Públicas, a suborçamentação do SNS, verificando-se défices constantes e o acumular de pagamentos em atraso que são resolvidos temporariamente (mas não de forma estrutural, pelo menos para já) com injeções extraordinárias de capital. Além disso, o investimento no SNS tem tido “pouca expressão”, tendo o reforço orçamental ido maioritariamente para a contratação de novos profissionais.
Abandono escolar precoce continua em queda
Apesar de Portugal ainda ter muito caminho até chegar aos calcanhares dos parceiros europeus, o abandono escolar precoce tem estado a diminuir e 2019 não foi exceção com esta taxa a cair para os 10,6%, o valor mais baixo de sempre. A pandemia também trouxe desafios para a educação no país com as escolas encerradas e a incerteza ainda à volta do próximo ano letivo.
Taxa de criminalidade sobe ligeiramente em 2019
A taxa de criminalidade subiu ligeiramente em 2019 para os 32,6%, mas continua num nível historicamente baixo. Esta taxa traduz o número de crimes — “todo o facto descrito e declarado passível de pena criminal por lei anterior ao momento da sua prática”, segundo o INE — em função da população residente no território nacional.
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