Seguradoras chamadas ao Senado dos EUA para explicar exposição a combustíveis fósseis
Senadores democratas querem que seguradoras expliquem como adequam práticas aos compromissos de sustentabilidade que proclamam. Fitch admite que desastres naturais podem tornar-se inseguráveis.
Trata-se de uma iniciativa inédita em que a indústria seguradora é publicamente chamada a prestar contas sobre o papel que desempenha no contexto da crise climática. Os CEO de diversas seguradoras, entre as quais Chubb, AIG, Berkshire Hathaway, Liberty Mutual, Travelers, são destinatários de uma carta assinada por senadores democratas – Elizabeth Warren (senadora pelo estado do Massachusetts), Sheldon Whitehouse (Rhode Island), Jeff Merkley (Oregon) e Chris Van Hollen (eleito pelo estado de Maryland).
A missiva assinada pelos políticos convida os líderes daquelas seguradoras a responderem a questões específicas sobre o tema. O escrutínio direto dos democratas às seguradoras norte-americanas surge depois de um alerta recente de Lael Brainard, governadora que é um dos sete membros que compõem o conselho de administração do sistema da Reserva Federal dos EUA (Fed).
As companhias de seguros têm recusado renovar apólices para conseguirem aplicação de acentuado aumento de preços no setor não Vida, afirma a imprensa norte-americana. Brainard, que também preside a diversos comités especializados da Fed, advertiu que as alterações climáticas poderão ser a raiz de uma (próxima) crise financeira resultante do atual endurecimento do mercado de seguros P&C (Property & Casualty).
Enquanto mais de 20 companhias globais do setor segurador já cessaram proteção, ou estão em processo de romper a contratualização de coberturas com a indústria do carvão (principal causadora do aquecimento global) e de outros combustíveis fósseis que ameaçam o clima, muitas seguradoras dos EUA continuam a apoiar a sobrevivência do setor e a alimentar a crise climática, denunciam várias organizações cívicas (ONG) ou outras não lucrativas, como a Insure our Future.
Os senadores democratas, atualmente com metade dos assentos da câmara alta do Congresso, pretendem saber, com detalhe e até 16 de abril, o que têm feito as seguradoras para prevenir riscos significativos de sustentabilidade e a viabilidade financeira do setor, face ao impacto previsível (perdas) de desastres causados pela subida do nível do mar e tempestades costeiras, incêndios cada vez mais frequentes e intensos, secas e ondas de calor.
Na carta dirigida aos lideres das seguradoras americanas, de que é exemplo a missiva endereçada a Evan Greenberg (CEO da Chubb) os senadores pedem acesso aos planos das seguradoras na gestão de sinistros e preços e, face à exposição de cada uma a ativos poluentes (subscrição e investimento), os testes de esforço que tenham feito (e resultados desses stress tests) ou o que tencionam fazer para enfrentar perdas crescentes em decorrência, e impacto futuro, do potencial aumento de desastres naturais causados pelas alterações climáticas.
Seguradoras americanas têm 90 mil milhões investidos no carvão
Um artigo recente na página eletrónica da revista The Actuary, publicação associada ao Institute and Faculty of Actuaries, organização britânica de faculdades de ciências atuariais em Inglaterra e Escócia, revelou que as seguradoras americanas têm cerca de 90 mil milhões de dólares investidos na indústria do carvão, o que as coloca na posição de maior contribuinte individual das alterações climáticas.
Os números são da Rainforest Action Network, e mais 28 ONG parceiras, unidas através da plataforma Coal Exit, por sua vez suportada pela organização alemã Urgewald. De acordo com estas fontes, a Teachers Insurance and Annuity Association of America (TIAA), entidade que gere o sistema de pensões dos professores é a mais exposta, com 13,8 mil milhões de dólares, seguida do Berkshire Hathaway, holding do oráculo financeiro e filantropo Warren Buffett, universo onde está a Geico (Government Employees Insurance Company). A companhia que gere seguros e pensões para a administração pública dos EUA tem exposição estimada de 7,3 mil milhões de dólares. A lista continua incluindo, entre outras, a AIG (4000 milhões) – considerada uma das três globais com trabalho mais atrasado no que refere à descarbonização -, Travelers (1,1 mil milhões) e a Liberty Mutual (1000 milhões de dólares).
Mas, as seguradoras não estão sozinhas no apoio ao carvão, a responsabilidade de investidores americanos (bancos e outras entidades) ascende a 58% do total investido por institucionais na indústria do carvão, que se estima num total de 602 mil milhões de dólares.
De acordo com relatório Revealing the Financiers of the Coal Industry, publicado junto com a Global Coal Exit List, em janeiro de 2021, perto de 4900 investidores institucionais – listados num documento extenso que indica a localização das respetivas sedes sociais em diversos países do mundo – detinham investimento total superior a 1 bilião de dólares (US$ 1.03 trillion no original) em empresas que operam na cadeia de valor do carvão térmico.
Enquanto muitas outras entidades vão assumindo objetivos ambiciosos de transação energética, a Fitch já advertiu que as perdas resultantes de catástrofes naturais tenderão, no futuro, a tornar-se cada vez menos seguráveis.
Swiss Re dá compasso para exit. Fitch admite desastres naturais tornar-se-ão inseguráveis
A Swiss Re foi a primeira resseguradora europeia a excluir totalmente o carvão das suas coberturas. Já este ano, a companhia divulgou a sua estratégia de sustentabilidade (“Sustainability Report”). Nesse documento, enumera um conjunto de medidas para assegurar transição para a economia net-zero (zero emissões), alinhando este objetivo com sua estratégia na atividade de subscrição de risco, gestão de ativos e as práticas dentro da própria organização, ao nível das suas operações.
A resseguradora líder mundial do setor assumiu em comunicado que, em 2030, terá o portefólio de seguros e tratados de resseguro completamente fora do carvão. Para adequar este compromisso com a neutralidade carbónica à realidade interna, vai implementar critérios de desempenho sustentável na política de avaliação e remuneração.
Entretanto, de acordo com a Reinsurance News (artigo de acesso livre), analistas da Fitch Ratings acreditam que os riscos de catástrofes naturais podem tornar-se “menos seguráveis” no futuro devido à persistência e maior frequência dos efeitos das alterações climáticas e outros fatores associados à evolução intrínseca da indústria de seguros.
Os resseguradores terão provavelmente de aumentar os prémios em resposta à crescente gravidade e frequência de desastres naturais, admite a agência de notação financeira. Mas, a Fitch questiona se os clientes (seguradoras e outros resseguradores) estarão dispostos, ou mesmo em condições de, pagar por uma proteção mais cara.
O resultado desta dinâmica pode significar a retirada gradual das companhias dos riscos de catástrofes naturais, desencadeando a necessidade de mais esquemas de cobertura apoiados pelos Estados.
A análise surgiu num relatório que a agência de rating elaborou sobre riscos ambientais, sociais e de governação (ESG) dirigido a resseguradores não-vida, para quem as alterações climáticas e o seu impacto em catástrofes são vistos como um dos mais importantes, refere a mesma fonte.
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