Após o “grande confinamento”, FMI teme a “retoma divergente”
Um ano depois da pandemia ter chegado a todo o mundo, a preocupação do FMI passou do "grande confinamento" com impacto histórico para a "retoma divergente" que se assiste.
Exatamente há um ano, o Fundo Monetário Internacional anunciava a chegada do “grande confinamento”, acompanhado da maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, provocado pela pandemia de Covid-19. Várias vagas e variantes depois, a preocupação da instituição está agora na “retoma divergente” com uma divisão entre países e dentro dos países. Este é o tema do novo World Economic Outlook (WEO) publicado esta terça-feira.
“Ainda que com elevada incerteza sobre a trajetória da pandemia, a saída desta crise de saúde e económica está cada vez mais visível“, assume Gita Gopinath, economista-chefe, no documento em que o FMI revê em alta as previsões de crescimento em 2021 e em 2022. Com a vacinação em curso e as economias mais adaptadas à nova realidade, assim como o reforço dos estímulos orçamentais em alguns países, a retoma económica terá um impulso em todas as regiões do mundo.
Contudo, “as retomas mostram divergências perigosas entre e dentro dos países dado que as economias com uma distribuição das vacinas mais lenta, uma política orçamental mais limitada e mais dependentes do turismo estão com um desempenho menos positivo“, recorda Gopinath. Desde logo, as economias avançadas terão uma recuperação mais rápida do que as economias em desenvolvimento, ao contrário do que aconteceu na crise anterior.
Mas mesmo dentro das economias avançadas há diferenças significativas. Os EUA, mais uma vez, voltam a recuperar mais rápido do que a Zona Euro, principalmente por causa dos vários pacotes de estímulos, incluindo os 1,9 biliões de dólares já aprovados sob a administração Biden. A economia norte-americana será a única grande economia a ultrapassar em 2022 o nível do PIB que estava projetado antes da pandemia (e no arranque de 2021 já terá recuperado da quebra de 2020), de acordo com as contas do FMI.
As outras economias avançadas, incluindo a Zona Euro, vão recuperar a um passo mais lento, com o nível do PIB a recuperar totalmente do pré-crise em 2022 (a trajetória de crescimento anterior à pandemia demorará mais). Esse padrão é também seguido por várias economias em desenvolvimento — à exceção da China (onde o vírus teve origem) cujo PIB nem chegou a cair em 2020 — que só irão recuperar totalmente em 2023.
A economista-chefe do FMI avisa que esta divergência irá aumentar a desigualdade das condições de vida entre os países. Entre 2020 e 2024, o Fundo estima que haja uma perda anual de PIB per capita na ordem dos 5,7% para os países mais pobres, o que compara com 2,3% para as economias avançadas. “Estas perdas vão reverter os ganhos da redução da pobreza“, alerta Gita Gopinath, estimando que mais 95 milhões de pessoas tenham entrado na definição de pobreza extrema em 2020.
Divergência também é setorial e geracional
A retoma divergente também está a acontecer dentro dos países. O estudo do FMI conclui que os mais jovens e os trabalhadores com menos qualificações estão a ser muito mais afetados, assim como as mulheres. Ainda assim, os 16 triliões de dólares de estímulo orçamental injetados até ao momento, de acordo com a estimativa do FMI, “preveniu resultados muito piores”. O Fundo estima que o colapso das economias podia ter sido pelo menos três vezes superior ao que se verificou sem a mobilização dos fundos públicos.
Ainda assim, é preciso fazer mais, argumenta Gita Gopinath, pedindo aos políticos para continuarem a ajudar as economias. O objetivo agora passa por “direcionar as medidas” e aplicar uma “abordagem à medida” das necessidades, calibrando as políticas para ajudar os que foram mais afetados pela crise pandémica, assim como as empresas dos setores cuja retoma é mais limitada, como é o caso do turismo.
“Ao longo do último ano temos visto inovações significativas na política económica e ajudas massivamente dimensionadas ao nível nacional, particularmente nas economias avançadas que têm a capacidade para pagar estas iniciativas. Um esforço igualmente ambicioso é agora necessário ao nível multilateral para assegurar a retoma e construir melhor para a frente“, conclui Gita Gopinath, alertando que “sem esforços adicionais para dar a todas as pessoas uma oportunidade justa, as diferenças das condições de vida entre países podem aumentar significativamente e poderá ser revertido o progresso de décadas na redução da pobreza mundial“.
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