Depois da TAP, trabalhadores da banca, hospitais e media também querem nomear administradores
TAP vai adotar modelo pouco comum e pedir aos trabalhadores que escolham um administrador não executivo. Caixa Geral de Depósitos e RTP estão entre os que querem seguir, mas CP não vê necessidade.
“Os trabalhadores são uma parte determinante do sucesso de uma empresa e a melhor forma de acompanharem os sucessos e as dificuldades dentro da empresa é poderem estar representados no conselho de administração”. Quem o diz é o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, para explicar a decisão de a TAP passar a contar com um administrador não executivo nomeado pelos trabalhadores.
A iniciativa é pouco comum em Portugal, mas prática em países como a Alemanha e já estava prevista no programa de Governo de António Costa para o atual mandato. O documento apontava para o estabelecimento de mecanismos de representação das comissões de trabalhadores (CT) nas administrações das empresas cotadas em bolsa e das maiores empresas, em especial no que toca às questões salariais e da distribuição de outros dividendos.
“Em Portugal não há essa tradição, mas queremos fazê-lo na TAP“, explicou Pedro Nuno Santos na semana passada. A estreia será feita a partir do próximo mandato do conselho de administração da companhia aérea e os funcionários de outras empresas públicas — incluindo a Caixa Geral de Depósitos, a RTP ou os hospitais — que veem com bons olhos essa possibilidade. Mas nem todos concordam: na CP, a comissão de trabalhadores considera que a aplicação da lei atual seria suficiente para que os trabalhadores tivessem participação na gestão.
"Não vejo necessidade de elegermos um administrador, via era necessidade de implementação da lei. Não é por falta de enquadramento legislativo ou de nós fazermos o nosso trabalho, que as coisas não correm melhor. As CT já têm o papel de participação na gestão. Se a lei for cumprida, os trabalhadores já têm participação na gestão.”
“A lei que enquadra as CT é uma figura criada em Portugal na sequência do 25 de abril e tinha exatamente como objetivo permitir a participação dos trabalhadores na gestão das empresas”, lembra Catarina Cardoso, coordenadora da CT da CP. “Houve algumas alterações à lei e tem sido mais limitada”, lamenta, acusando a “esmagadora maioria das empresas” de não cumprir os deveres de informação, nomeadamente a comunicação de todos os atos de gestão antecipadamente.
Contas, planos de investimentos, planos de reestruturação ou de segurança chegam já tarde e com prazos curtos para os funcionários se pronunciarem. E mesmo quando há pareceres, correm o risco de não ser ouvidos. Foi o caso da separação da empresa de manutenção de material EMEF com a transportadora ferroviária nos anos 1990, que foi recentemente revertida. “As CT estiveram contra esta decisão desde o primeiro dia e manifestaram-se de forma fundamentada contra esta opção. Agora, deram-nos razão”, conta a representante.
Atrasos comprometem escrutínio
“Não vejo necessidade de elegermos um administrador, via era necessidade de implementação da lei. Não é por falta de enquadramento legislativo ou de nós fazermos o nosso trabalho, que as coisas não correm melhor. As CT já têm o papel de participação na gestão. Se a lei for cumprida, os trabalhadores já têm participação na gestão“, acrescenta Catarina Cardoso.
Os atrasos não são um exclusivo da CP. A CT da Caixa Geral de Depósitos partilha o sentimento: os pedidos de pareceres não cumprem prazos e os representantes dos trabalhadores têm de dar resposta “muito em cima da hora”, como explica a coordenadora Isabel Rodrigues. “Muitas vezes já não são pareceres prévios, são já depois das decisões estarem tomadas, o que faz com que na prática já não mude nada”.
Mas, no caso do banco, a posição não é a mesma. “Parece-nos que seria interessante ter alguém que representasse os trabalhadores no conselho de administração. Alguém que percebesse como é a Caixa e quais são os problemas dos trabalhadores. É pública, mas tem concorrência com outros bancos comerciais. Tem uma cultura que é diferente. Nós costumamos dizer que vestimos a camisola e isso está a perder-se com esta nova administração. Poderia ajudar em muito”, considera a representação dos trabalhadores da CGD.
"Parece-nos que seria interessante ter alguém que representasse os trabalhadores no conselho de administração. Alguém que percebesse como é a Caixa e quais são os problemas dos trabalhadores. É pública, mas tem concorrência com outros bancos comerciais. Tem uma cultura que é diferente. Nós costumamos dizer que vestimos a camisola e isso está a perder-se com esta nova administração.”
A possibilidade nunca foi, no entanto, abordada. Das empresas contactadas pelo ECO, só mesmo a RTP está já a agir nesse sentido. Como o Expresso avançou, a CT da estação de rádio e de televisão pública e os sindicatos que representam as várias categorias profissionais vão avançar com uma ação judicial com o objetivo de que o Governo seja obrigado a incluir um representante dos trabalhadores no conselho de administração.
A ação judicial está a ser movida pela Comissão de Trabalhadores, Federação dos Engenheiros, o Sindicato das Comunicações de Portugal, o Sindicato Independente dos Trabalhadores da Informação e Comunicações, o Sindicato dos Jornalistas, o Sindicato dos Meios Audiovisuais e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisuais.
Assento significa acesso
“O Sindicato dos Jornalistas é favorável ao princípio de que haja um representante eleito pelos trabalhadores que se senta com os administradores”, explica a presidente da entidade, Sofia Branco, referindo-se não só à RTP como à Lusa (que não oficializou qualquer pedido). “Uma CT reúne com administração, mas não se senta no CA. Uma reunião do CA agrega o presidente e os acionistas privados e os trabalhadores nunca têm acesso. Ter assento significava ter acesso. Do ponto de vista formal, é completamente diferente“, considera.
A representante dos jornalistas defende que são duas empresas do setor empresarial do Estado que devem ser transparentes e exemplifica com o caso da agência noticiosa. Houve duas assembleias gerais adiadas já depois de se saber que a liderança ia mudar, sem que fosse dada qualquer explicação. “Este tipo de alteração levaria a uma maior transparência, maior participação e maior democracia na gestão”, aponta, sublinhando que há margem para uma reivindicação jurídica.
"Os médicos chegaram a poder escolher o diretor clínico, durante cerca de dois anos. Faz parte dos nossos cadernos de encargos e chegou a ser defendido pelo PS. [O ex-ministro] Adalberto Campos Fernandes também era defensor deste processo, mas a ministra Marta Temido não fala connosco nem sobre a pandemia nem sobre outros temas.”
Se a estação de rádio e de televisão pública é a empresa pública mais próxima de avançar com uma proposta semelhante, no caso dos hospitais a participação na gestão não seria algo novo. “Os médicos chegaram a poder escolher o diretor clínico, durante cerca de dois anos“, explica Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, sobre o procedimento aprovado por Maria Belém Roseira e retirado por António Correia de Campos (ambos ex-ministros da Saúde socialistas).
Durante esse curto período de tempo, o procedimento era feito por candidatura, eram indicados três nomes sujeitos a votação e homologados depois pelo conselho de administração. “A vantagem é que a nomeação não seja política, mas escolhida entre os pares como fazem os juízes, por exemplo”, considera. Apesar de ser um cargo essencialmente técnico, o diretor clínico tem assento no conselho de administração.
O regresso da escolha do diretor clínico pelos pares é uma bandeira do sindicato independente dos médicos. “Faz parte dos nossos cadernos de encargos e chegou a ser defendido pelo PS. [O ex-ministro] Adalberto Campos Fernandes também era defensor deste processo e, mas a ministra Marta Temido não fala connosco nem sobre a pandemia nem sobre outros temas”, critica.
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