Proibição de circulação para a Área Metropolitana de Lisboa viola Constituição? Doutrina diverge
Advogados dividem-se quanto à inconstitucionalidade da restrição de circulação, mas estão de acordo que já poderia haver uma lei para regular estas situações.
Com o aumento de casos de coronavírus em Portugal, com maior incidência na região de Lisboa, o Governo decidiu proibir a circulação de pessoas de e para a Área Metropolitana de Lisboa (AML) aos fins de semana. Uma medida que está a provocar algum alvoroço, levantando dúvidas sobre a sua constitucionalidade, apesar de o Governo considerar o contrário.
O “pontapé de saída” da discussão da possível inconstitucionalidade foi dado pelo bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, após o anúncio das medidas, na passada quinta-feira. O líder dos advogados considerou “claramente inconstitucionais” as medidas sanitárias anunciadas pelo Governo para a AML para conter a pandemia de Covid-19.
“Não estando em vigor qualquer estado de emergência, não parece que o art. 19º, nº1, da Constituição permita qualquer suspensão dos direitos constitucionais, ainda mais através de um simples regulamento, como o são as referidas Resoluções do Conselho de Ministros”, referiu Luís Menezes Leitão.
Os advogados contactados pelo ECO/Advocatus não estão todos de acordo: enquanto uns consideram que a Lei de Bases da Proteção Civil é suficiente para restringir a circulação, outros defendem que sem Estado de Emergência é inconstitucional.
“Sem a decretação de Estado de Emergência não se pode fechar um quarto ou um terço do país e restringir o direito fundamental à mobilidade dos cidadãos. A Lei de Bases da Proteção Civil não se aplica a situações de pandemia — conforme o seu artigo 3.º –,e a Lei de Saúde Pública remete para a Constituição e o Estado de Emergência e não para a Lei da Proteção Civil”, explicou ao ECO/Advocatus José Moreira da Silva, advogado e sócio da SRS Advogados.
Todavia, tenho defendido, desde sempre, que uma medida desta natureza, por suspender a liberdade de circulação, só pode ser tomada em estado de emergência (ou estado de sítio), pelo Presidente da República.
Também José Matos Correia, of counsel da CMS Rui Pena & Arnaut, partilha desta posição e recordou que chegou a ser aventada a hipótese de aprovar uma legislação adequada a lidar especificamente com estas situações, “o que acaba por traduzir o reconhecimento de que as regras em vigor não lhe são aplicáveis”.
“Basta, aliás, atentar no facto de que a declaração de tais situações está ligada à ocorrência de acidentes ou de catástrofes, conceitos a que, manifestamente, não se pode reconduzir uma crise pandémica como aquela que ainda vivemos”, acrescentou.
A liberdade de circulação é um direito garantido constitucionalmente, no artigo 44.º, n.º 1, da CRP e os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda de outros direitos constitucionais.
Segundo Manuel Nobre Correia, advogado principal da RSA, o Governo argumenta que a limitação de circulação tem enquadramento legal mas não é essa a questão principal. “A questão não é se tem enquadramento legal, o que é inquestionável, mas sim se estas medidas podem ser aplicadas sem declaração do estado de emergência“, sublinha.
O ex-ministro da Administração Interna de Sócrates, Rui Pereira, referiu também que não coloca em causa que a restrição de saída e entrada na AML seja necessária para combater a pandemia e, ao mesmo tempo, compreende o Presidente não queira decretar o Estado de Emergência para não eternizar esse estado de exceção.
“Todavia, tenho defendido, desde sempre, que uma medida desta natureza, por suspender a liberdade de circulação, só pode ser tomada em estado de emergência (ou estado de sítio), pelo Presidente da República, mediante autorização da Assembleia da República e audição do Governo, por força do artigo 19º da Constituição. E entendo que esse entendimento é o único que evita que haja suspensão de direitos fundamentais decididos por via administrativa ou sem a necessária ponderação”, reforça.
Já o advogado Tiago Duarte acredita que os requisitos de proporcionalidade estão preenchidos, ainda assim sublinha que isto não quer dizer que não fosse preferível que o Parlamento/Governo tivessem já aprovado uma lei expressamente pensada para estas restrições a direitos fundamentais em caso de pandemia.
“Neste caso, creio que o facto de a lei de proteção civil permitir expressamente essa limitação ao direito de circulação em situações de estado de calamidade como é aquele em que nos encontramos, associado ao facto de se pretender salvaguardar um direito fundamental como é o direito à saúde autoriza esta medida, desde que a mesma seja considerada adequada, razoável e não seja excessiva. Ora no caso concreto creio que estes requisitos de proporcionalidade estão preenchidos”, notou o constitucionalista.
Segundo explicou Tiago Duarte ao ECO/Advocatus, a suspensão de direitos fundamentais exige a existência de um Estado de Emergência, mas segundo a Constituição da República Portuguesa a restrição desses direitos já não. Ou seja, neste caso em concreto existe uma limitação ao direito de deslocação que é permitida desde que esteja prevista na lei, que salvaguarda de outros direitos constitucionais e que seja proporcional aos fins em vista.
Governo recusa inconstitucionalidade
Esta sexta-feira, o Governo recusou a existência de qualquer inconstitucionalidade na medida que impõe limites à circulação na AML, alegando que essas restrições estão “expressamente previstas” na Lei de Bases da Proteção Civil.
O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, em declarações à Agência Lusa, discordou em absoluto da posição de Luís Menezes Leitão.
“Os limites à circulação estão expressamente previstos na Lei de Bases da Proteção Civil como uma das medidas típicas da situação de calamidade. Tratando-se de uma medida prevista em lei aprovada pela Assembleia da República, não há qualquer inconstitucionalidade”, sublinhou Tiago Antunes à Lusa.
Para secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, “há base legal expressa” nesta medida e recordou que em Portugal, “por diversas vezes”, durante a pandemia da covid-19, “já houve limites à circulação entre concelhos fora da vigência do estado de emergência”.
As restrições de circulação de e para a AML aplicam-se a partir das 15 horas desta sexta-feira e estendem-se até às 6 horas de segunda-feira.
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