Investigação aponta erro humano no acidente com alfa, mas também responsabiliza IP

  • Lusa
  • 1 Outubro 2021

O descarrilamento do comboio Alfa Pendular em Soure, em julho de 2020, deveu-se a erro humano, segundo o relatório da investigação. Mas esta também responsabiliza a IP.

O descarrilamento do comboio Alfa Pendular, na vila de Soure, distrito de Coimbra, em julho de 2020, que provocou dois mortos e 44 feridos, deveu-se a erro humano, mas a investigação também responsabiliza a Infraestruturas de Portugal (IP).

As conclusões constam do relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a que a agência Lusa teve acesso esta sexta-feira, o qual revela que “os custos materiais diretos do acidente rondaram os 11 milhões de euros e o impacto económico dos atrasos decorrentes do acidente cifra-se em cerca de 575 mil euros“.

O comboio, com 212 passageiros e que seguia no sentido sul-norte, com destino a Braga, descarrilou na tarde de 31 de julho de 2020, após abalroar um veículo de conservação de catenária (VCC), que entrara na via, segundos antes, junto à localidade de Matas, provocando a morte aos dois trabalhadores da IP, que estavam no VCC, e 44 feridos, três dos quais graves.

O acidente não se deveu a qualquer anomalia técnica, tendo estabelecido como explicação mais provável para a ultrapassagem indevida do sinal S5 [vermelho] pelo VCC, um erro da tripulação na identificação do sinal que dizia respeito à linha em que o comboio se encontrava, tendo entendido que se lhes aplicava o sinal S3 com aspeto verde para a passagem do comboio rápido n.º 133 [Alfa Pendular]”, concluiu o GPIAAF.

Além do “provável erro” na interpretação do sinal pelo VCC, a investigação aponta ainda como fator contributivo para o acidente, entre outros, o facto de este veículo de manutenção não estar equipado com o sistema de controlo automático de velocidade (CONVEL).

Em julho de 2018, a IP comprometeu-se com a instalação do CONVEL nos VCC, mas a medida, “sujeita a cabimentação financeira”, até à data do acidente, nunca avançou.

O compromisso da IP consta da resposta enviada ao GPIAAF, após este organismo alertar para o risco de estes veículos circularem sem CONVEL, após um deles ultrapassar “indevidamente” um sinal vermelho na estação Roma-Areeiro, em Lisboa, em janeiro de 2016.

O relatório final enumera também vários fatores contributivos para o acidente, nomeadamente “o reduzido conhecimento do local pela tripulação do VCC, tendo passado na estação de Soure, no sentido norte-sul, em média, uma vez por ano”, assim como “a reduzida proficiência da tripulação proporcionada pela organização do seu trabalho e funções”.

“A monitorização da função da condução de veículos motorizados especiais [VME – como o que provocou o acidente] não era assegurada pelo gestor da infraestrutura [IP], conforme prevista nas suas obrigações”, sublinha a investigação, denunciando que “não foi implementada” pela IP “a recomendação interna de melhorar a identificação” dos sinais instalados no local do acidente (S3 e S5).

“O histórico de SPAD [sigla em inglês de passagem não autorizada de um sinal vermelho] ocorridos com VME não foi integrado no processo de aprendizagem e monitorização dos riscos do gestor da infraestrutura [IP]; não foi feita pelo gestor da infraestrutura a reavaliação do risco da circulação de VME em via aberta à exploração, recomendada pelo GPIAAF em 2018 à autoridade nacional de segurança [IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes]”, salienta a investigação.

O GPIAAF revela também a “insuficiente supervisão pela autoridade nacional de segurança no que respeita aos SPAD do gestor da infraestrutura”.

“Constata-se que muitos dos fatores causais e contributivos determinados na investigação são fatores sistémicos, ou seja, de natureza organizativa, de gestão, societal ou regulamentar suscetível de afetar futuras ocorrências semelhantes ou relacionadas no futuro, sobre os quais é essencial uma ação decidida por parte das organizações envolvidas, uma vez que só assim é possível prevenir futuros acidentes”, alertam os investigadores.

O GPIAAF faz neste relatório dez recomendações de segurança ao IMT, para que esteja atento à atuação da IP, dos maquinistas e ao controlo do risco de circulação de comboios sem supervisão de CONVEL nas linhas equipadas.

Este organismo lembra que “a maioria dos fatores sistémicos estavam identificados em 2018” e constam do relatório ao acidente que envolveu um VCC na estação de Roma-Areeiro, em Lisboa, no qual “aborda ultrapassagens indevidas de sinais fechados por veículos do gestor da infraestrutura”.

“O historial de eventos deste tipo ilustra bem a denominada pirâmide de Heinrich, a qual postula que um grande acidente é precedido de diversos eventos menores e de gravidade crescente, com pré-condições comuns”, salienta o GPIAAF.

IP “não se conforma” com conclusões da investigação

A Infraestruturas de Portugal (IP) “não se conforma” com as conclusões da investigação ao acidente do Alfa Pendular, em Soure, distrito de Coimbra, assegurando que cumpre todas as regras, refutando responsabilidades no acidente.

O descarrilamento do comboio, ocorrido em 31 de julho de 2020 e que provocou dois mortos e 44 feridos, deveu-se a erro humano, mas o relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a que a agência Lusa teve acesso esta sexta-feira, assinala a inação da IP na implementação de medidas concretas e recomendações de segurança.

A IP, na qualidade de GI [gestor da infraestrutura], sempre adotou uma postura de total e rigorosa ‘compliance’ [que visa cumprir e fazer cumprir as normas legais e regulamentares] com todas as normas aplicáveis e uma vigilante e pró-ativa política de prevenção e segurança, no sentido da maximização e melhoria contínua, de acordo com as melhores práticas vigentes em cada momento, das condições de segurança dos seus trabalhadores, dos utilizadores da infraestrutura e da sociedade em geral”, sublinha a empresa, na resposta enviada ao GPIAAF.

A IP entende que o relatório “contém uma análise enviesada e não objetiva do acidente, inservível mesmo para os efeitos que se propõe, não de apuramento de responsabilidades, mas de uma fundamentada formulação de recomendações a seguir para o futuro”.

A investigação concluiu que as ações de prevenção que a IP “entendeu realizar para controlar o risco de SPAD [sigla em inglês de passagem não autorizada de um sinal vermelho] pelos seus veículos, dirigiram-se exclusivamente para uma solução definitiva e inegavelmente eficaz, mas cuja implementação foi sendo sucessivamente atrasada”, referindo-se à falta de instalação do sistema de controlo automático de velocidade (CONVEL), assumido pela IP, em 2018.

Além do “provável erro” na interpretação do sinal pela tripulação do veículo de conservação de catenária (VCC), a investigação aponta como fator contributivo para o acidente, o facto de este veículo de manutenção não estar equipado com este sistema.

“Enquanto esse processo se desenrolava, as condições que propiciavam os SPAD por VME [veículos motorizados especiais – como o que provocou o acidente] permaneciam latentes e, principalmente, o risco de acidente mantinha-se presente e era conhecido e previsível, permitindo até o histórico de ocorrências estimar com bastante grau de confiança a frequência anual desses eventos”, sublinha o GPIAAF.

Apesar disso, acrescenta este organismo, “nenhuma medida foi tomada pelo gestor da infraestrutura, continuando o controlo do risco a assentar exclusivamente sobre a confiança numa atuação infalível das tripulações dos VME, medida esta cujo historial, quer no GI, quer em geral no transporte ferroviário, estava demonstrado ser ineficaz para o efeito”.

A IP contrapõe dizendo que “todas as ocorrências em circulação, em particular os SPAD, que ocorreram com maquinistas da IP, são analisados e produzida informação que é partilhada com a respetiva estrutura hierárquica, que, no seguimento, desenvolvem ações em contexto de trabalho, no sentido de eliminar futuros erros”.

O GPIAAF contrapõe e sublinha “que não foram facultadas pela IP evidências que suportem tal afirmação”.

A investigação refere ainda que o gestor da infraestrutura “não tinha implementado um regime de manutenção de competências e supervisão adequado das funções de condução desempenhadas pelos trabalhadores, não aferindo assim o seu desempenho, em incumprimento com os requisitos previstos na legislação aplicável.

A IP também refuta esta acusação, salientando que “nas suas ações de monitorização no âmbito da segurança ferroviária, realiza verificações também ao nível da condução dos veículos, atuando de imediato, sensibilizando a tripulação e partilhando com a respetiva estrutura hierárquica os resultados dessas ações, que, no seguimento, desenvolvem ações em contexto de trabalho no sentido de eliminar futuros incumprimentos”.

Contudo, o GPIAAF discorda e diz que posição da IP “é contrariada pelos factos patenteados no relatório”, salientando “que a empresa não apresentou, durante a investigação, evidências de ações de supervisão realizadas no domínio da condução”.

“Pelo contrário, a IP declarou para a investigação que a prática dos acompanhamentos realizados ‘não tem como foco a verificação da proficiência da condução dos veículos, nem para a produção dos correspondentes registos’”, contrapõe a investigação, que também indica que aquela empresa nem tem pessoal acapacitado para tal função.

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