“Criptomoeda” da Seleção Nacional cai 35% num mês, mas passa a bola aos adeptos
Quem comprou o "fan token" no início está a perder dinheiro: desvalorizou 35% em apenas um mês no mercado. Mas a "criptomoeda" também tem outro tipo valor: permite à Seleção passar a bola aos fãs.
A “criptomoeda” da Seleção Nacional negoceia livremente no mercado há exatamente um mês, marco assinalado na mesma semana em que o preço da bitcoin atingiu um novo recorde. Mas o seu desempenho não tem acompanhado o da generalidade dos criptoativos por estes dias. Um adepto que tenha adquirido “moedas” na oferta inicial e que ainda não as tenha vendido acumula perdas na ordem dos 35%, embora a maioria tenha investido valores relativamente residuais.
No dia 14 de junho deste ano, por volta do meio-dia, um milhão de unidades da “criptomoeda” da Seleção Nacional foram colocadas à venda por dois euros cada uma. Pouco passava das duas da tarde quando a Federação anunciou que a oferta tinha “esgotado”. A operação permitiu um encaixe de dois milhões de euros “em poucas horas”, mas não foi possível apurar como é que a receita foi partilhada entre a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e os outros parceiros desta iniciativa.
Tweet from @selecaoportugal
A oferta pública inicial tornaria a Seleção Nacional na primeira “em toda a Europa” a promover um ativo deste tipo, designado de fan token, disse a FPF na altura. O fan token “$POR”, como é chamado, “vai proporcionar aos fãs espalhados pelos quatro cantos do globo experiências únicas relacionadas com a formação capitaneada por Cristiano Ronaldo”, prometeu a federação.
Os fan tokens partilham algumas das características de criptomoedas como a bitcoin. Não só recorrem a tecnologias do mesmo tipo (a blockchain, que é uma espécie de livro de registos), como o seu valor oscila consoante a oferta e a procura no mercado. A grande diferença é que são feitos a pensar em outras utilidades, e não necessariamente em serem meios de pagamento.
No caso da “criptomoeda” da Seleção, um fã que detenha unidades da mesma, além de ganhar exposição às subidas e descidas do valor do token no mercado, ganha o direito a participar em jogos promovidos pela FPF e até em algumas votações. A última disponível permitiu a quem tinha “$POR” votar na música que “deve ser tocada no aquecimento” quando a Seleção entrar em campo. As candidatas eram A Minha Casinha (Xutos e Pontapés), Vamos Com Tudo (David Carreira), This One’s For You (David Guetta e Zara Larsson) e In My Blood (Shawn Mendes). Venceu a terceira.
No entanto, há um preço a pagar para aceder a este universo. E se alguém investiu cedo na expectativa de obter algum tipo de rendimento, poderá estar agora frustrado com a perda de 35% do valor do token em apenas um mês de negociações: apesar de a venda inicial ter ocorrido em junho, a “criptomoeda” só chegou efetivamente ao mercado no dia 22 de setembro.
Em junho, a FPF promoveu a venda inicial declarando que era “a última oportunidade” para os tokens “serem adquiridos por um preço definido” de dois euros. Não estava errada. Mas na sexta-feira, um mês depois do início da livre negociação no mercado, cada unidade podia ser comprada com um desconto expressivo face ao preço de venda inicial: 1,30 euros por cada “moeda”.
O ECO contactou a FPF para obter mais informação sobre o projeto do fan token da Seleção e instou-a a comentar a desvalorização do mesmo no mercado. Fonte oficial respondeu: “O valor dos fan tokens pode apresentar flutuação que está simplesmente relacionada com a oferta e procura em determinado momento. Faz parte do mercado e são algumas as variáveis que influenciam este processo. Nomeadamente, quando o calendário de jogos ou experiências é mais intenso, a procura aumenta também.”
A mesma fonte lembrou ainda que “é fundamental salientar que, quando um fã compra um token, está a adquirir algo realmente valioso”. “Existe um serviço, existe um benefício. Pode ser acesso a descontos em merchandising oficial, a bilhetes, a experiências. Portanto, há um compromisso de fornecer valor, não como valor financeiro, mas como valor unitário”, acrescentou a federação.
O valor dos fan tokens pode apresentar flutuação que está simplesmente relacionada com a oferta e procura em determinado momento. Faz parte do mercado e são algumas as variáveis que influenciam este processo.
Ainda assim, numa altura em que muitos criptoativos têm causado surpresa em todo o mundo pelos ganhos elevados em curtos espaços de tempo, o fan token da Seleção, há um mês no mercado, destaca-se pela perda de 35% face ao valor da venda inicial. Mais fortunados foram os adeptos que investiram nas ofertas iniciais de outros clubes parceiros da Socios.com: os tokens da Juventus (“$JUV”) também foram vendidos em 2019 a dois euros cada um e valiam na sexta-feira 12,16 euros (seis vezes mais). Já os fan tokens do Paris Saint-Germain (“$PSG”) apresentavam um ganho de mais de 900% face ao preço de venda inicial.
Fan token da Seleção vale 26 milhões
Informação publicamente disponível consultada pelo ECO mostra que o fan token da Seleção funciona na rede Ethereum, uma das mais populares no universo das criptomoedas. A iniciativa foi lançada em parceria com a Chilliz e a Socios.com, sendo que a primeira entidade gere uma criptomoeda própria chamada “$CHZ”, e a segunda é a plataforma onde se pode trocar euros por “$CHZ” e “$CHZ” por “$POR” (ou vice-versa).
Apesar de só terem sido vendidas um milhão de unidades no início, a oferta máxima de “moedas” da Seleção é de 20 milhões, o que confere aos tokens um valor de mercado na ordem dos 26 milhões de euros atualmente. Mais de 24.700 “carteiras” virtuais têm “$POR” no seu interior, destacando-se uma que possui mais de 18 milhões de unidades da “criptomoeda”, ou quase 92% do total.
O ECO confirmou junto dos parceiros da Seleção que essa “carteira” mais recheada é controlada pelos promotores do projeto e contém “tokens que ainda não foram libertados e que serão gradualmente lançados ao longo da duração do contrato”, disse fonte oficial da Chilliz/Socios.com. É, de resto, uma prática comum neste tipo de operações.
A segunda “carteira” mais recheada com tokens da Seleção tem mais de um milhão de unidades, o equivalente a quase 1,5 milhões de euros. Segue destacada da terceira posição, ocupada por uma “carteira” com pouco mais de 172 mil tokens – ainda assim, um valor a rondar os 220 mil euros, considerando o preço de 1,3 euros por cada “moeda”. Mas apesar de serem valores que enchem o olho, fonte oficial da Chilliz/Socios.com assegurou que mais de 94% das “carteiras” têm entre 1 e 15 unidades da “criptomoeda”.
O ECO questionou também a FPF sobre quanta receita já foi angariada por via deste projeto. “São dados contratuais que não podem ser divulgados publicamente. No entanto, a dimensão financeira é apenas uma pequena parte, esta é uma parceria assente no serviço aos adeptos e na disponibilização de ferramentas que lhes permitam ter um papel mais ativo na vida das seleções nacionais”, respondeu fonte oficial da FPF.
Seleção passa a bola aos adeptos
Quanto aos adeptos que compraram ou receberam “$POR”, e detêm atualmente unidades da “criptomoeda” portuguesa, a FPF diz apenas que “existe um bom mix de detentores nacionais e internacionais”. Mas fonte oficial da Chilliz/Socios.com dá mais algum detalhe: os detentores são sobretudo portugueses, seguindo-se os turcos, franceses, brasileiros, italianos, polacos, britânicos, espanhóis e alemães.
No que toca a projetos para o futuro, a FPF espera que esta economia dos tokens — a que alguns chamam de tokenomics — venha a ganhar expressão como forma de relacionamento entre os clubes e os seus adeptos. “A expectativa é a de podermos envolver os adeptos detentores de $POR em experiências exclusivas e de grande impacto na vida das seleções. Acreditamos que a paixão deve ser reconhecida e que todos os adeptos têm o direito de fazer a sua voz ser ouvida, onde quer que estejam no mundo”, explicou fonte da FPF.
“Com os tokens, os fãs ganham influência nas decisões que concernem a equipa, ajudam a equipa a tomar as decisões mais acertadas participando em votações oficiais. Eles garantem ainda acesso a experiências VIP, sessões ‘Meet and Greet’, promoções exclusivas e recompensas únicas”, remata a mesma fonte oficial.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Criptomoeda” da Seleção Nacional cai 35% num mês, mas passa a bola aos adeptos
{{ noCommentsLabel }}