Brexit: um ano depois do acordo, tensões continuam em alta
Após longas negociações, o acordo do Brexit surgiu na véspera de Natal, em 2020. Um ano depois, há ainda problemas por resolver, nomeadamente no protocolo da Irlanda do Norte.
Na véspera de Natal do ano passado, os britânicos não estavam só focados nas festividades, mas também nas negociações para o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia. Foi a 24 de dezembro de 2020 que se atingiu um consenso num texto para as relações futuras entre os blocos, uma semana antes de terminar o período de transição. E agora, um ano volvido, em que pé estamos no Brexit?
As regras abrangem áreas como o controlo de viagens e fronteiras, comércio de mercadorias, como flores e alimentos e segurança, ou ainda acordos de cooperação para combater o crime e o terrorismo. O acordo permite o acesso livre de tarifas e de quotas aos mercados de bens — mas não de serviços — e também cobre a concorrência futura, os direitos de pesca e a cooperação em questões como segurança.
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Foram meses de negociações que culminaram num acordo na véspera de Natal, mas o processo formal de ratificação apenas terminou em abril deste ano. As mudanças têm avançado ao longo do ano, sendo que, por exemplo, foi a partir de outubro que o cartão de cidadão dos habitantes da UE deixou de ser válido para entrar no Reino Unido, sendo necessário o passaporte.
Mas nem tudo está a correr às mil maravilhas, e existem ainda algumas questões que têm feito elevar as tensões entre os blocos. Entre os assuntos que ainda geram faísca estão a representação diplomática, exportações das vacinas contra a Covid-19 e, principalmente, os novos procedimentos para a Irlanda do Norte.
A Irlanda do Norte continua a seguir algumas regras da UE sob o acordo do Brexit para manter uma fronteira terrestre aberta com a República da Irlanda, um membro da UE. Mas as tensões aumentaram numa discussão sobre o protocolo negociado para a região, que estabelece os novos arranjos.
Entretanto, uma das caras deste processo, o negociador britânico do Brexit, demitiu-se do Governo de Boris Johnson, por não concordar com as medidas aplicadas durante a pandemia. Numa carta dirigida ao primeiro-ministro britânico, o até então secretário de Estado para as relações europeias, reiterou que “o Brexit já está assegurado”, mas admitiu que “o atual desafio do Governo conservador” é aproveitar as oportunidades que o Reino Unido tem, após a sua saída do bloco.
“Espero que possamos ir o mais rápido possível para onde precisamos estar: para uma economia empreendedora, com baixa regulamentação e baixa tributação”, acrescentou Frost.
Agora, é a secretária de Estado do Reino Unido para os Assuntos Externos que assumiu as funções de negociadora-chefe no Brexit. Liz Truss teve já uma primeira reunião online com o contraparte da União Europeia, Maros Sefcovic, onde reiterou que a posição de Londres permanece inalterada e o processo tem de ser acelerado no Ano Novo. “A nossa preferência continua a ser chegar a uma solução acordada“, disse Truss após a reunião, citada pela Reuters.
Ainda assim, sinalizou que o bloco continua “preparado para acionar o Artigo 16”, referindo-se a uma medida de salvaguarda no protocolo da Irlanda do Norte para o acordo de saída, que prevê a suspensão de certas disposições em caso de perturbações graves sociais e económicas.
Já Maros Sefcovic sinalizou, depois do encontro, estar “empenhado em continuar a trabalhar para um entendimento conclusivo com o Reino Unido sobre soluções práticas para as partes interessadas da Irlanda do Norte”. “A posição da UE é conhecida”, acrescentou, reiterando que o objetivo: é “estabilidade e previsibilidade”.
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Além disso, o negociador do Brexit da UE apelou também para que se avançasse com uma parceria estratégica com o Reino Unido para lidar com questões-chave, incluindo mudanças climáticas e segurança europeia, sinalizando que uma resolução da disputa sobre a Irlanda do Norte iria “restabelecer a confiança política”.
Tendo em conta que a Irlanda é dos Estados-membros que sofre mais com o Brexit, a Comissão Europeia aprovou no início deste mês a atribuição de 920,4 milhões de euros ao país, ao abrigo do instrumento criado para ajudar os Estados-membros a fazer face ao impacto financeiro causado pela saída do Reino Unido do bloco europeu.
“O Brexit tem tido um impacto negativo na vida de muitas pessoas. Dentro da UE, são as pessoas na Irlanda que mais o sentem […] O financiamento que a Irlanda vai receber irá contribuir para melhorar o nível de vida, apoiar o crescimento económico no país e mitigar os impactos negativos nas comunidades locais”, comentou a comissária da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, na altura.
Neste período em que ainda estão a ser feitas adaptações à nova situação, geraram-se também discussões entre os governos britânico e francês sobre as licenças de pesca e a migração através do Canal da Mancha.
Brexit pressiona economia britânica
Os impactos do Brexit são mais difíceis de avaliar devido ao aparecimento da pandemia, no início de 2020, que trouxe pressão adicional às economias. Ainda assim, é possível perceber que se sentem diferenças nomeadamente no comércio e na mão-de-obra, com muitos trabalhadores cidadãos da UE a deixar o país.
Em outubro, o comércio de mercadorias do Reino Unido com a UE era 15,7% menor do que teria sido se o país permanecesse no mercado único e na união aduaneira da UE, segundo um think-tank independente citado pela Bloomberg (acesso condicionado, conteúdo em inglês). Os números deverão também estar influenciados pelo facto de o Reino Unido ter atrasado a implementação de muitos dos controlos de fronteira pós-Brexit até 2022, altura em que as importações da UE vão ter de ser imediatamente acompanhadas por uma declaração alfandegária, e no verão os produtos alimentares vão ter de ter verificações físicas extras.
Outro aspeto da saída do Reino Unido da UE são os acordos comerciais com outros países. Até agora, o bloco já terá celebrado cerca de 70 acordos, sendo que a maior parte são adaptações àquilo que estava estabelecido anteriormente enquanto parte da UE. Os outros incluem o Japão, Nova Zelândia (pelo menos preliminar) e a Austrália. A faltar ficam ainda os Estados Unidos, cuja possibilidade de um acordo que eram vistos como uma das maiores vantagens da saída da UE.
A mão-de-obra é também uma das áreas afetadas por esta mudança, sendo que cerca de 200 mil cidadãos europeus deixaram a Inglaterra em 2020, devido às regras de imigração mais rígidas, bem como a crise provocada pela pandemia. Neste contexto, tem-se verificado alguma escassez de pessoal em setores como hospitalidade e retalho, que tradicionalmente dependiam de trabalhadores da UE.
Quanto ao impacto na economia, mesmo antes de o Reino Unido concluir a saída da UE no final de 2020, o Brexit tinha reduzido a economia em cerca de 1,5%, de acordo com estimativas do Office for Budget Responsibility, como refere a Bloomberg. Desde que o acordo entre o Reino Unido e a UE entrou em vigor, a queda nos volumes de comércio significa que o Brexit poderá causar uma contração de 4% na economia britânica a longo prazo, calcula o mesmo organismo.
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