Instituições, Marcelo e oposição vão servir de contrapeso à maioria de Costa
O PS venceu as eleições com maioria absoluta, mas as ações do Governo vão passar pelo escrutínio de órgãos como o Parlamento e o Presidente da República, salientam politólogos ao ECO.
Contrariamente ao que se esperava, o PS acabou por vencer as eleições legislativas com maioria absoluta, o que traz uma mudança na situação do Governo, que até agora tinha de negociar os passos a dar. Apesar de conseguir agora governar de forma mais confortável, existirão contrapesos à atuação do Executivo de António Costa, quer através da oposição, que vai agora incluir as forças de esquerda, como pelos mecanismos típicos institucionais e sem esquecer ainda o papel do Presidente da República, como assinalam os politólogos ouvidos pelo ECO.
“Num plano formal, há dois órgãos principais: os grupos parlamentares na Assembleia da República, particularmente a oposição, e no plano constitucional o Presidente da República, tendo em conta o processo legislativo e as competências que tem, através da Constituição”, explica Paula Espírito Santo, politóloga do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Quanto ao Parlamento, José Adelino Maltez, professor universitário e investigador de Ciência Política, salienta, que “vai haver uma oposição muito viva por dois outros vencedores das eleições: o Chega e a Iniciativa Liberal”. Por outro lado, “vai revigorar-se o papel social do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda”, acrescenta.
Desta forma, haverá “quatro opositores muito firmes ao Governo PS: duas forças novas e duas velhas forças que passaram para a oposição, uma oposição social, do núcleo laborista e sindicalista”. Há assim mais fiscalizadores, considera o politólogo.
É ainda assim de notar que o funcionamento do Parlamento será diferente nesta legislatura, depois do polémico fim dos debates quinzenais aprovado pelo PSD e PS em julho. Esta forma de escrutínio ao Governo no plenário foi substituída por um novo modelo de debates de política geral e setorial.
Como aponta Paula Espírito Santo, os debates quinzenais “eram uma ferramenta de exposição e resposta do Governo face a grupos parlamentares”, pelo que, dada a circunstância da maioria absoluta, “poderá suceder que venham a ser restabelecidos”, algo que considera que “seria importante”, até pelas críticas que esta opção gerou na altura.
Pedro Silveira, professor de Ciência Política, na Universidade da Beira Interior e na Universidade Nova de Lisboa, considera também que se perdeu uma “oportunidade de oposição ter visibilidade pública de modo regular e de pôr em cheque as opções do Governo”.
Mas, o politólogo José Fontes recorda que a Assembleia tem outros “importantes instrumentos de fiscalização”, como perguntas, debates e comissões de inquérito, sendo que “algumas podem ser impostas potestativamente, ou seja, independentemente da vontade do PS”. Além disso, “algumas matérias carecem de aprovação por maiorias qualificadas”, sublinha, apontando assim que “um Parlamento é a soma da bancada que suporta o Governo, com as bancadas das oposições”.
Quanto ao papel do Presidente da República, Pedro Silveira aponta que este “vai ser um contrabalanço muito importante, com legitimidade democrática direta que permitirá uma margem de manobra assinalável”. Tal pode acontecer por exemplo “nos vetos, ou mesmo recuperando algumas iniciativas”, como nas “presidências abertas de Mário Soares durante a maioria de Cavaco Silva”, recorda o politólogo.
José Fontes utiliza também o exemplo de Mário Soares como um Chefe de Estado que “soube bem ser esse ‘contrapeso’ na última maioria de Cavaco Silva”, defendendo que “uma maioria absoluta exige um Presidente da República ainda mais exigente e vigilante”. O politólogo acrescenta também que é “necessário que o Presidente saiba ser isento e não estar permanentemente a aderir às posições do Governo, desmerecendo as posições das oposições”.
O próprio primeiro-ministro antecipa que Marcelo Rebelo de Sousa vai continuar a exercer o seu mandato. “Não devemos esperar outra coisa”, disse, no discurso na noite eleitoral, que lhe deu uma maioria inesperada. António Costa garantiu que continuará a haver “solidariedade institucional” com o Presidente e prometeu “não pisar o risco”.
Para além destes dois poderes, Adelino Maltez sublinha que existem ainda os “mecanismos de controlo político, das maiorias absolutas”, nas instituições “normalíssimas”, nomeadamente do poder judicial, que “sempre funcionaram”.
Pedro Silveira sublinha que “os mecanismos institucionais de controlo mantêm-se, tanto em termos de accountability vertical — como o Parlamento ou responder a pessoas –, como horizontal, com um conjunto de instituições que são muito importantes sempre e se tornam ainda mais importantes neste contexto”, já que é “muito relevante que o Governo não sinta que tem campo aberto à frente”.
“A frase de António Costa, se for efetivada, seria uma boa prática”, diz, referindo-se ao discurso de reação da vitória do atual primeiro-ministro, onde este disse que “uma maioria absoluta não é um poder absoluto. Não é governar sozinho”. O Governo vai assim “ser fiscalizado por um conjunto de instituições”.
Neste conjunto, incluem-se instituições como o Tribunal Constitucional, que “não deixará — quando instado — de fazer o controlo da constitucionalidade das normas aprovadas quer pelo Parlamento, quer pelo Governo e pode ser chamado a fazer esse controlo por impulso de Deputados da oposição”, como sublinha José Fontes, o Tribunal de Contas, o Conselho das Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Não esquecer ainda o “papel do Ministério Público, no âmbito das investigações criminais e o papel do Provedor de Justiça”, diz.
Adelino Maltez frisa, ainda, que “o principal fiscalizador do Governo do PS vai ser o povo português porque foram criadas expectativas”, nomeadamente através do “programa do PS”. Agora é esperar para ver se “corresponde ou não”, remata.
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