UE quer aviões com zero emissões, mas combustíveis “verdes” ainda são oito vezes mais caros
O estudo "Decarbonizing aviation", da Shell e da Deloitte, concluiu que se os combustíveis alternativos para a aviação fossem usados já hoje, aumentariam os custos de operação e os bilhetes até 200%.
A obrigação está inscrita no pacote legislativo “Fit for 55”, apresentado em julho de 2021 pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen: Bruxelas vai começar a taxar o carbono emitido pelo setor da aviação, que até agora beneficiou de uma exceção. A razão está à vista: antes da pandemia de Covid-19, em 2019, a aviação produziu cerca de mil milhões de toneladas de emissões de carbono, ou seja, 3% do total a nível mundial.
Além disso, propõe a promoção de combustíveis sustentáveis para a aviação, obrigando todos os aviões que partem de aeroportos da UE a abastecerem-se com combustíveis de mistura sustentáveis. Neste momento os combustíveis alternativos e sustentáveis na aviação dizem respeito a menos de 0,1% do total de consumo de jet fuel. O objetivo da UE é chegar a 5% em 2030. “Pode parecer modesto, mas é um aumento de 50 vezes em menos de dez anos”, disse a Comissária para os Transportes, Adina Valean.
“Com a iniciativa ReFuel Aviation, criaremos um mercado para combustíveis alternativos sustentáveis e tecnologias de baixo carbono, ao mesmo tempo em que implantamos a infraestrutura certa para garantir a ampla adoção de aeronaves com emissão zero”, acrescentou Valean.
Com este contexto na mira, a indústria não perdeu tempo e já realizou vários estudos para perceber de que forma as regras comunitárias sobre a descarbonização no setor da aviação podem ser postas em práticas. O mais recente “Decarbonizing aviation: Cleared for take-off”, realizado pela Deloitte em parceria com a Shell, revela que mais de 90% dos inquiridos dão prioridade à descarbonização da aviação, mas identificam barreiras significativas para que isso aconteça.
Preço dos combustíveis “verdes” é a maior barreira à descarbonização da aviação
Para começar, revela o estudo, o dito combustível sustentável para aviação ainda é “duas a oito vezes mais caro que o tradicional jet fuel“. Somando a isso, há uma falta de clareza e de alinhamento entre governos e reguladores no que diz respeito às metas de redução de emissões, sendo que muitos agentes na indústria da aviação são céticos sobre o papel das compensações de carbono em ajudar a mitigar as emissões, enquanto os combustíveis mais “verdes” não ganharem escala.
Sobre se as metas da descarbonização para a aviação são realistas ou não, Miguel Eiras Antunes, líder global de Smart City, Smart Nation & Local Government da Deloitte, disse ao ECO/Capital Verde que “os objetivos são exigentes, mas não podemos considerá-los irrealistas”.
“A definição de objetivos é sempre um processo complexo, porque deve combinar um elevado nível de ambição com alguma dose de realidade associada à sua concretização. A capacidade de evolução tecnológica, associada aos incentivos adequados, serão aspetos fundamentais à sua concretização”, disse o responsável da consultora.
O estudo “Decarbonizing aviation: Cleared for take-off” também reconhece que os objetivos são ambiciosos face ao contexto de partida: “Tendo em consideração a dimensão do desafio, podemos até dizer que poderiam ser mais ambiciosos. Sobretudo, deveriam ter associados as medidas e incentivos que promovam os comportamentos necessários por parte da indústria.”
Sobre o programa RefuelEU Aviation, o estudo da Shell e da Deloitte conclui que “a iniciativa por si só permitirá reduzir as emissões de CO2 da aviação em 5% até 2030 e 60% até 2050”, e será ainda complementada por outras medidas (melhor gestão do tráfego aéreo, melhor design dos aviões e tecnologia dos motores).
Quanto à segurança energética, reduzirá a dependência das importações de combustíveis fósseis a países de países terceiros, já que o combustível aeronáutico “verde” poderia ser produzido na UE (com matérias-primas e eletricidade renovável gerada localmente).
O que são Combustíveis Sustentáveis para a Aviação?
Já que fazer voar um avião não é a mesma coisa que pôr um carro em andamento, de que novos combustíveis não poluentes estamos a falar? De acordo com Miguel Eiras Antunes, os Combustíveis Sustentáveis para a Aviação (SAF, na sigla em inglês), podem:
- ter uma origem natural (bio), em que são utilizados materiais de origem animal ou vegetal;
- ou serem sintéticos, em que no seu processo produtivo é utilizado hidrogénio obtido a partir de fontes com baixas emissões e com captura de CO2. Os primeiros já estão mais desenvolvidos, mas apresentam limitações à massificação necessária à descarbonização do setor.
Por isso mesmo, defende, “é imperativo avançar já e rapidamente. Só dessa forma estaremos em condições de atingir volumes de Sustainable Aviation Fuels (SAF) que reduzam o custo dos mesmos para níveis que potenciem a sua adoção em larga escala em 15-20 anos”.
O estudo identifica desafios e barreiras e o preço dos combustíveis “verdes” é precisamente um deles, senão o maior. Só para se ter uma ideia: se, de hoje para amanhã, todo o querosene fosse trocado por SAF num voo de longo curso, isso equivaleria a um aumento entre 30 e 200% nos custos de operação das companhias aéreas e nos preços dos bilhetes.
“Os custos associados aos SAF ainda são proibitivamente elevados para serem uma opção viável no curto prazo. A redução desses custos está associada ao desenvolvimento das tecnologias que permitam o aumento da sua escala de produção. Até à data, tem havido maior foco no Bio-SAF (mais barato), com base em recursos naturais (e que por isso apresentam várias limitações, já que competem por recursos escassos), mas prevê-se que os maiores desenvolvimentos venham a acontecer nos SAF sintéticos (mais caros agora, mas a tendência pode inverter-se lá para 2050), que poderá ser potenciado pelo desenvolvimento esperado para a indústria do hidrogénio”, garante o líder global de Smart City, Smart Nation & Local Government da Deloitte, em declarações ao ECO/Capital Verde.
Na sua visão, que acaba também por estar espelhada no estudo, “o caminho para a descarbonização do setor da aviação implica atuar a diferentes níveis, de forma concertada e articulada”:
- ao nível dos custos associados aos Sustainable Aviation Fuels (SAF), capitalizando o facto de a sua utilização minimizar a necessidade de realizar alterações estruturais no desenho das aeronaves ou das infraestruturas aeroportuárias;
- e na adaptação da forma como os utilizadores estão dispostos a alterar os seus comportamentos e a absorver os sobrecustos associados a este processo de descarbonização;
“Temos de trabalhar juntos para entender os desafios, depois identificar e chegar a acordo sobre as soluções. Este estudo é um ponto de partida, com base na visão da indústria” remata,
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