Carlos Silva prevê que UGT mantenha postura com nova liderança
Carlos Silva prevê que UGT mantenha postura de diálogo após sua saída, tendo em conta a experiência e proximidade ao PS de Mário Mourão; o ainda líder da UGT responsabiliza governo por coesão social.
Carlos Silva acredita que a UGT vai manter a sua postura de diálogo após a sua saída da liderança da central, pois o seu sucessor tem longa experiência sindical e maior proximidade ao secretário-geral do PS, António Costa.
“Estou convencido que a UGT não vai alterar a sua postura. Há um novo secretário-geral, com um novo estilo, […] mas a filosofia da UGT é indestrutível e vai-se manter”, disse o secretário-geral cessante da UGT, Carlos Silva, em entrevista à agência Lusa.
Carlos Silva deixa a liderança da UGT no próximo congresso da central, que se realiza sábado e domingo em Santarém, passando o testemunho a Mário Mourão, atual secretário-geral da tendência sindical socialista da UGT.
“Mário Mourão tem uma forte ligação ao PS, é membro dos seus órgãos nacionais, a comissão política e a comissão nacional, e poderá desenvolver uma maior aproximação ao atual secretário-geral do partido e primeiro-ministro, coisa que eu não consegui, por razões que não vou escalpelizar”, disse, lembrando que Mourão já foi até deputado.
Lembrou ainda que o futuro secretário-geral da UGT foi um dos fundadores da central, lidera um sindicato muito poderoso e representativo, o dos bancários do norte, e é muito popular no seio da central sindical.
O sindicalista, também ele proveniente do setor bancário, prevê que “o próximo congresso vai ser tranquilo“, porque se realiza num clima de “grande coesão e unidade interna”.
Carlos Silva foi eleito secretário-geral da UGT em abril de 2013.
Apesar das sucessivas crises que atravessou desde então, disse que nunca desistiu, tal como a UGT, “porque os trabalhadores foram muito castigados” nos últimos anos, nomeadamente com medidas de austeridade definidas no acordo de concertação social de 2012, subscrito pela central sindical.
“O acordo de 2012 foi para resolver o empréstimo da ‘troika’, mas a situação foi ultrapassada e não houve vontade para repor as anteriores condições laborais”, disse o sindicalista, acrescentando que atualmente existem condições para fazer as necessárias alterações, faltando apenas vontade política para enfrentar os representantes patronais.
No entanto, segundo Carlos Silva, a UGT reconhece que “os governos governam para todos, para os trabalhadores e para os patrões, porque precisam de investimento público e privado”.
“Nenhum Governo do PS defendeu até hoje exclusivamente os trabalhadores e a proposta de Orçamento do Estado para 2022 tem essa mescla, embora devesse ser mais ambicioso nos apoios aos trabalhadores”, disse.
O sindicalista admitiu que um governo de esquerda deverá “tentar um equilíbrio entre o mundo do trabalho e das empresas” e considerou que a UGT “tem um papel muito difícil de fazer ligação e estímulo” nessa área.
“Tem que haver grande equilíbrio e sabedoria do Governo. À UGT só cabe defender melhor distribuição de riqueza e redução da carga fiscal”, defendeu.
“A UGT tem concordado com apoios às empresas, mas quer contrapartidas para os trabalhadores, […] nomeadamente o aumento dos salários”, disse Carlos Silva.
O secretário-geral cessante da UGT salientou que a postura sindical da sua central é a da OIT, porque defende sempre o diálogo e não o conflito.
Terminam nove anos de liderança da UGT marcados por crises consecutivas
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, considerou que os seus nove anos de liderança da central foram marcados por crises consecutivas, que não lhe deram “um momento para respirar fundo”.
“Foram nove anos de crises consecutivas, em que tudo aconteceu. A UGT, e todas organizações da sociedade civil, viveram um clima de incerteza e dificuldades, sobretudo para quem ganha menos”, disse Carlos Silva em entrevista à agência Lusa.
“Foram nove anos sempre de vacas magras […], mas a UGT sobreviveu e continua a tentar sobreviver e a defender aquilo que são os direitos dos trabalhadores, embora num contexto continuadamente difícil”, afirmou.
Carlos Silva lembrou que “foi muito difícil” ter iniciado o seu primeiro mandato em pleno programa de austeridade, em abril de 2013, após o acordo de concertação social de 2012, subscrito pelo seu antecessor, João Proença, que impôs vários retrocessos em termos de legislação laboral e reduziu várias matérias remuneratórias, por exigência da ‘troika’ como contrapartida para a assistência financeira a Portugal.
“Depois veio a gerigonça, com um Governo do PS minoritário muito condicionado, com uma política centralista e anti-concertação social. A seguir, a pandemia da Covid-19 e agora, que se retomava o crescimento económico e se ultrapassava a crise, a invasão da Ucrânia condiciona de novo o crescimento da economia e dos salários”, considerou.
Como “a central vive em função dos trabalhadores e dos seus sindicatos”, também tem sofrido as consequências das crises dos últimos anos.
“Os sindicatos sofreram uma erosão nos últimos anos, com a precariedade e os baixos salários”, disse.
Carlos Silva referiu o exemplo do setor financeiro, que perdeu milhares de trabalhadores nos últimos anos devido às reestruturações feitas na banca, com reflexos na sindicalização e nas contribuições para a central.
Mas, segundo disse, a sindicalização cresceu na Administração Pública, indústria e energia, “porque são setores responsáveis pela melhoria das exportações, com impacto no emprego e na sindicalização”.
De acordo com o responsável, a central sindical “tem vivido e sobrevivido em função das bolhas de crise dos últimos anos”.
Carlos Silva defendeu, a propósito, que o diálogo social e a negociação coletiva tem de ter consequências para que os trabalhadores percebam que ganham em ser sindicalizados.
Deu como exemplo o setor da educação, que se tornou cada vez menos atrativo, devido às carreiras, salários e condições de trabalho, porque houve “incapacidade do membro do Governo para encontrar soluções para o setor”.
“Não houve disponibilidade do Governo para ouvir os sindicatos, para encontrar soluções para o rejuvenescimento do setor”, afirmou.
Segundo o sindicalista, “o diálogo social e o diálogo com os sindicatos sofrem as consequências dessas ausências” do Governo, até porque os representantes patronais têm tendência para fugir ao compromisso.
“O patronato copia os piores exemplos do Estado […], é por isso que o País continua assente no paradigma dos baixos salários”, declarou.
Carlos Silva lembrou ainda que o primeiro-ministro está aberto a um acordo de concertação social sobre rendimentos e competitividade, mas o objetivo inicial era mesmo a valorização dos rendimentos dos portugueses, “que são a vida dos trabalhadores”.
“A competitividade foi praticamente imposta pelos patrões, […] para justificar ao país que não têm condições para aumentos salariais, nem mesmo do salário mínimo nacional”, afirmou.
Para Carlos Silva, o primeiro-ministro “tem aqui um problema, que tem que tentar ultrapassar”.
Quanto ao bloqueio da negociação coletiva dos últimos anos, o sindicalista considera que a solução “depende da queda da caducidade” do Código do Trabalho, embora as opiniões não sejam unânimes, mesmo a nível sindical.
O ainda líder da UGT lembrou que “a agenda para o trabalho digno suspendeu a [possibilidade de] caducidade [das convenções coletivas] até 2024”.
Carlos Silva responsabiliza Governo por escalada da contestação social
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, defende que cabe ao Governo socialista travar a contestação social, não impondo mais sacrifícios aos portugueses, de modo a garantir a coesão social.
“Cabe ao Governo evitar uma situação de rotura social. Ou o Governo percebe que está perante uma eventual convulsão social e toma medidas que deem aos trabalhadores a possibilidade de respirarem de alívio, ou então temos realmente um problema”, disse o sindicalista em entrevista à agência Lusa.
Carlos Silva, que deixa a liderança da UGT no próximo congresso da central, que se realiza sábado e domingo em Santarém, afirmou que as centrais sindicais portuguesas estão disponíveis para mobilizar os trabalhadores, caso estes voltem a ser sacrificados.
“Acho que os trabalhadores vão estar disponíveis [para lutar], porque um Governo de maioria absoluta implica responsabilidade absoluta e essa responsabilidade implica dialogar com todos”, disse à Lusa.
Carlos Silva alertou para as consequências da guerra na Ucrânia, tanto para Portugal como para a Europa, nomeadamente a subida dos preços de bens de primeira necessidade, e consequentemente o agravamento das condições de vida dos trabalhadores e da população em geral.
“O problema é que há muitos anos que o país vive em sacrifício”, afirmou, considerando que os trabalhadores portugueses não vão aceitar a imposição de mais sacrifícios.
“O Governo do PS tem obrigação, enquanto Governo de esquerda, de assegurar a coesão social“, defendeu Carlos Silva.
No entanto, para o secretário-geral da UGT, é ainda tempo de dar o benefício da dúvida ao novo Governo, que tomou posse recentemente.
“Os primeiro 100 dias de Governo são fundamentais para perceber a sua estratégia, se vai ou não haver diálogo. Por isso, não vamos fazer lutas antes de o Governo ver o seu programa consagrado no parlamento“, assegurou.
Carlos Silva considerou ainda que os resultados das eleições legislativas de janeiro mostram que “as pessoas querem estabilidade” e que essa estabilidade “tem que resultar em paz social, com valorização dos trabalhadores e dos salários”.
Segundo o sindicalista, são necessárias medidas do Governo para assegurar a mudança, mas para isso “é preciso existir vontade política”.
“Se Governo quiser melhorar as condições de vida e de trabalho, tem agora condições para o fazer na Assembleia da República”, considerou, referindo-se à maioria absoluta conseguida pelo PS.
Carlos Silva lembrou que o primeiro-ministro, António Costa, “ambiciona celebrar dois acordos de concertação social no primeiro semestre deste ano, um sobre a Agenda do Trabalho Digno e outro sobre Rendimentos e Competitividade, […] mas as empresas dizem sempre que não há condições para aumentar salários”.
“A UGT mantém disponibilidade para os dois acordos concertação, mas não irá subscrever um acordo que não tenha como contrapartidas aumentos salariais para os trabalhadores do setor privado, da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado”, prometeu.
Acrescentou que existem questões que a UGT há muito reclama, como a reposição do valor do trabalho extraordinário para o valor pago antes da intervenção da ‘troika’, tal como o valor das indemnizações por despedimento.
“Há 10 anos que o país não evolui, nem para voltar ao que vigorava antes da ‘troika’. Se o Governo tem vontade política para repor que o faça”, disse Carlos Silva.
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