Por que crescemos mais do que os outros no arranque do ano? Turismo e consumo
A economia portuguesa cresceu a um ritmo mais rápido que os restantes países europeus para os quais há dados. Consumo privado e retoma do turismo ajudam a explicar evolução.
O crescimento da economia portuguesa no primeiro trimestre deste ano, que foi de 2,6% em cadeia e 11,9% em termos homólogos, ficou acima das previsões dos analistas e acabou por se destacar entre os países europeus para os quais já há dados. Efeitos de base relacionados com a pandemia, bem como diferenças na forma como o aumento de preços se está a sentir em Portugal poderão ajudar a explicar o desfasamento, segundo os economistas ouvidos pelo ECO.
A estimativa rápida publicada esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que o PIB português cresceu 2,6% em cadeia (face ao quarto trimestre) nos primeiros três meses deste ano. Já em termos homólogos, o PIB avançou 11,9% uma vez que no primeiro trimestre de 2021 tinha contraído, assim como no primeiro trimestre de 2020.
Assim, ao contrário do esperado pela maioria dos economistas, que apontavam para uma travagem da economia no primeiro trimestre, o PIB português até acelerou face ao quarto trimestre de 2021 e superou todas as previsões. Na nota de análise do BPI, divulgada após os dados serem conhecidos, é notado que “o ritmo de crescimento do PIB superou em muito o estimado pelo BPI Research”.
Olhando para a comparação internacional, disponibilizada pelo Eurostat, que não tem ainda dados para todos os países europeus, Portugal destaca-se pela positiva. Entre os 11 Estados-membros (entre 28) para os quais há dados relativos ao primeiro trimestre, a economia portuguesa tem a variação em cadeia e homóloga mais expressiva.
Evolução do PIB no 1º trimestre de 2022
No “ranking” europeu, apenas se aproximam a Áustria com 2,5% em cadeia e 8,7% em termos homólogos e a Letónia com 2,1% e 5,6%.
Como se explica que Portugal tenha um comportamento tão desfasado face a outros países?
Paula Carvalho, da Unidade de Estudos Económicos e Financeiros do BPI, explica ao ECO que “Portugal beneficiou neste trimestre do alívio das restrições relativas à pandemia, que em países do centro europeu ainda condicionou em alguns casos, dada formação de onda de contágios no pico do Inverno”.
É de recordar que em fevereiro acabou o isolamento de contactos de risco, uma das medidas que mais condicionava a atividade, bem como a recomendação de teletrabalho. Além disso, “o avanço da vacinação terá permitido evitar maiores condicionalismos internamente derivados da Covid-19, e isso refletiu-se numa maior mobilidade face aos restantes países Europeus (medida pelo Google Mobility Report, por exemplo), com natural impacto na atividade”, acrescenta ainda.
Quanto ao impacto da guerra, a economista nota que “a distância do palco do conflito terá também beneficiado os fluxos do turismo, que em janeiro-fevereiro se aproximaram bastante dos níveis de 2019″.
O impacto da escalada de preços ao consumidor tem-se feito sentir com desfasamento em Portugal, pelo que só mais tarde deverá este fator pesar sobre a procura interna
De facto, o INE refere que “o contributo positivo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB também aumentou, verificando-se um abrandamento em volume das Importações de Bens e Serviços e uma ligeira aceleração das Exportações de Bens e Serviços, refletindo a recuperação da atividade turística”.
João Lampreia, economista-chefe do Banco BiG, também nota, em declarações para o ECO, que o turismo conta bastante para as exportações, e “aí continuamos a beneficiar da consolidação da recuperação do turismo, que felizmente está a normalizar”.
Mesmo assim, o INE destaca “um contributo mais positivo da procura interna para a variação em cadeia do PIB”, enquanto “o contributo da procura externa líquida se manteve ligeiramente positivo”. “É mau sinal que a subida seja menos sensível na frente externa, que também fora muito afetada”, alerta o economista João César das Neves ao ECO.
No plano dos efeitos da invasão russa da Ucrânia, Paula Carvalho sublinha ainda que “o impacto da escalada de preços ao consumidor se tem feito sentir com desfasamento em Portugal, pelo que só mais tarde deverá este fator pesar sobre a procura interna, nomeadamente consumo privado e investimento”.
No primeiro trimestre do ano anterior fomos o pior da Europa, pelo que estamos a ajustar o péssimo desempenho
Para a economista, são estes três fatores que justificam o desfasamento, “olhando sobretudo para a variação trimestral”. Isto já que a comparação homóloga terá mais a ver com efeitos de base, como explica João Lampreia. “No primeiro trimestre anterior fomos o pior da Europa, pelo que estamos a ajustar o péssimo desempenho“, aponta, recordando que essa altura foi marcada por um agravamento da situação pandémica que motivou restrições à atividade.
João César das Neves também aponta que “fomos um dos países europeus mais afetados pela pandemia”, pelo que “é normal que agora estejamos a ser dos que mais cresceram”.
Já a evolução em cadeia serão outros fatores a explicar, nomeadamente o consumo, como apontam os economistas. O próprio INE também sinalizou no destaque desta sexta-feira que “contributo da procura interna para a variação homóloga do PIB aumentou no 1º trimestre, destacando-se o crescimento mais acentuado do consumo privado”.
Paula Carvalho nota que “o consumo privado manteve um registo bastante forte”, condicionado pelos fatores já referidos. “O impacto do aumento da inflação e também das taxas de juro de mercado deverá refletir-se com desfasamento na evolução do consumo das famílias”, sinaliza.
Já o economista-chefe do Banco BiG sublinha também que estes valores do consumo podem ser surpreendentes numa altura de inflação, nomeadamente porque “na Europa o consumo já nota alguns sinais de inversão”. Em Portugal, esta tendência está assim a ser diferente.
Para além do desfasamento temporal, João Lampreia aponta que eventualmente poderá também influenciar o facto de que “tivemos um impacto grande nos combustíveis”, mas no preço da eletricidade este foi mais significativo nos países com um maior peso do gás. “O ajustamento no consumo tem sido mais forte na Europa, nós só tivemos mais nos combustíveis, e alimentação, mas na parte da eletricidade e energia tivemos impacto menos significativo”, salienta o economista.
É de notar também que quando forem integrados os dados de mais Estados-membros, a comparação poderá ser diferente. Além disso, tendo em conta que os elementos que estão a pressionar as economias ainda estão rodeados de incerteza, não é certo como evoluirá o resto do ano.
Os analistas do BPI, por exemplo, optaram por “manter inalterada a previsão de crescimento no conjunto do ano em 4,2%, pois a ausência de sinais de que o conflito na Ucrânia se possa resolver proximamente continua a constituir um importante fator disruptor do crescimento”. Existe ainda a hipótese, “num cenário em que não haja um agravamento significativo do conflito”, de o banco “rever em alta a atual previsão para 2022”, segundo a nota de análise do BPI.
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