Governo garante abstenção do PAN e Livre no OE 2022 por menos de 200 milhões
Com maior peso parlamentar, apoio da geringonça "custou" mais do que a previsível abstenção do PAN e do Livre no primeiro Orçamento da maioria absoluta do PS. A votação final é esta sexta-feira.
Como seria de esperar, a geringonça saía mais caro ao Orçamento do Estado original construído pelo PS do que a “abertura ao diálogo” que o Governo de maioria absoluta quer agora mostrar. A dependência dos votos do Bloco e do PCP acrescentou centenas de milhões de euros aos Orçamentos passados, mas a abstenção do PAN e do Livre já garantida para a votação final global desta sexta-feira deverá ficar por menos de 200 milhões de euros, de acordo com as contas do ECO, com base em dados dos respetivos partidos.
Os socialistas iniciaram este processo já com o aviso de que não iriam aprovar — só o PS, com a maioria absoluta, pode aprovar ou chumbar — propostas que colocassem em causa o mantra das “contas certas” apregoadas pelos socialistas desde 2015. Sem o fantasma das maiorias negativas como aconteceu nos últimos seis anos, a frase mais ouvida durante as longas horas de votação na especialidade, num total de 1.502 propostas, foi simples: “Quem vota contra? O PS (…)”, disse centenas de vezes Hugo Carneiro, o presidente em exercício da comissão de orçamento e finanças.
Ainda assim, para concretizar a propagada “abertura ao diálogo” prometida durante a campanha eleitoral, o PS acabou por viabilizar propostas de quase todos os partidos — ainda que algumas simbólicas e com diminuto impacto orçamental –, especialmente do Livre e do PAN, os dois únicos partidos que se abstiveram no voto do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) na generalidade e que já anunciaram voltar a fazê-lo na votação final global.
No balanço dos três primeiros dias de votações — os deputados ainda votaram mais centenas de propostas esta quinta-feira — o Livre conseguiu ter 13 propostas aprovadas e o PAN 35. Estes números não são finais uma vez que não incluem o dia de votação desta quinta-feira, mas já mostram uma tendência. Usando o último Orçamento (OE2021) aprovado como referência, só o PCP sozinho conseguiu ter 75 aprovadas (21% do total) e o PAN tinha chegado às 50 (19% do total).
Mas não é só pelo número de propostas que se pode avaliar o maior (ou menor) grau de abertura do PS, sendo necessário analisar também o seu custo orçamental ou relevância política e económica na sociedade.
Usando o OE2022 chumbado como referência, havia medidas com impacto orçamental como a atualização extraordinária das pensões (197 milhões de euros), o aumento do mínimo de existência (25 milhões de euros) e o arranque da gratuitidade progressiva das creches (16 milhões de euros). Além disso, cedências como a criação da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde ou o aumento da remuneração das horas extra (que entretanto caiu), entre outras, tinham relevância política.
Porém, a correlação de forças é agora completamente diferente, com os 120 deputados do PS sem necessitarem de ninguém e o PAN e o Livre reduzidos a um deputado cada. Em contraste, na legislatura anterior, o Bloco era o terceiro maior partido e o PCP o quarto. Assim, já é possível fazer comparações, com a ressalva de que na reta final das votações podem ter sido aprovadas propostas com impacto orçamental que não estão contabilizadas neste artigo.
De acordo com a contabilização feita pelo PAN, as propostas aprovadas até ao momento têm um impacto global de 82,2 milhões de euros, sendo que a maior parte deste valor se divide em duas propostas: 40 milhões de euros para reforçar o mecanismo financeiro de apoio à eficiência energética de edifícios e 20 milhões de euros para reforçar o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos transportes públicos.
Já o Livre não revela publicamente as suas estimativas, argumentando que os valores dependem muito da adesão às medidas aprovadas, principalmente no caso do alargamento do subsídio de desemprego a vítimas de violência doméstica ou aos cônjuges de quem se mude para o interior. Por calcular está também a perda de receita com a redução do IVA sobre todos os produtos menstruais, incluindo cuecas menstruais e pensos reutilizáveis. Quanto ao programa 3C, a outra medida com impacto orçamental, o ECO sabe que o seu custo poderá ficar entre os 50 e os 100 milhões de euros.
No entanto, a própria proposta refere que “os programas de eficiência energética e de incentivo à melhoria do conforto térmico dos edifícios para fins habitacionais e dos edifícios de serviços em Portugal, no âmbito do PRR, passam a designar-se ‘3C – Casa, Conforto e Clima'”. Ou seja, na realidade, o PS ao aceitar esta proposta está a financiá-la com fundos do PRR, através de verbas que já estão previstas e que até poderão vir a ser reforçadas em breve com os 1,6 mil milhões de euros adicionais que Portugal vai receber, face ao previsto. Portanto, o custo orçamental acaba por ser relativo ou até nulo, dado que é algo que já existe.
PS aprova poucas propostas do Bloco e PCP. Dá aval a algumas do PSD e IL
No caso do Bloco, até ao momento, apenas foram aprovadas duas propostas — o Programa de promoção do Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura e ações de informação sobre o ciclo menstrual –, mas nenhuma com impacto orçamental. No caso do PCP, foi aprovada a proposta que dá preferência de venda de imóveis às autarquias locais, também sem impacto orçamental. Nas votações desta quinta-feira, o PS não aprovou nenhuma proposta dos dois partidos, confirmaram as respetivas assessorias. Porém, no caso destes dois partidos é de relembrar que várias medidas já incluídas nesta nova proposta do OE2022 incluem reivindicações dos comunistas e bloquistas.
Olhando para a direita do hemiciclo, o PS piscou o olho ao PSD Madeira com a aprovação da redução do imposto sobre o Rum da Madeira, a regularização do pagamento do montante em dívida de recetas fiscais de anos anteriores que se encontram por entregar à Região Autónoma da Madeira e o aumento dos limites máximos para a concessão de garantias por forma a ter em conta as garantias a prestar no âmbito da estratégia de gestão da dívida. Não é conhecido o impacto orçamental destas medidas.
Já o PSD conseguiu a aprovação de três medidas sem nenhum impacto orçamental, assim como a Iniciativa Liberal que também viu quatro propostas suas aprovadas. O Chega não terá tido nenhuma proposta sua aprovada, mas o ECO não conseguiu confirmar esta informação junto da assessoria do partido.
É de referir que, tal como em anos anteriores, muitas das propostas aprovadas passam por estudos sobre diversas matérias, o reforço da formação em determinadas áreas ou ainda autorizações legislativas, as quais carecem depois da ação do próprio Governo — por vezes, a autorização legislativa não é usada no ano em que o Orçamento está em vigor, ficando sem efeito.
PS acusado de excessos de maioria. Socialistas defendem-se
A capacidade de diálogo da maioria absoluta do PS foi um dos temas transversais à discussão do Orçamento na especialidade, com vários momentos de tensão entre os partidos. Um desses momentos foi protagonizado pelo PSD quando o partido veio criticar a mesa por ter admitido correções a propostas de alteração entregues após os prazos definidos e com a integração de novos elementos nessas propostas. Em causa estava não o conteúdo da proposta do PS, mas o “precedente” processual, argumentavam os social-democratas com o apoios dos outros partidos com assento parlamentar.
A proposta acabou mesmo por ser admitida pela mesa da Assembleia da República, sob o protesto dos restantes deputados. Esta quinta-feira, Jorge Paulo Oliveira, do PSD, relembrou o caso para dizer que “não temos menor dúvida que, doravante, sempre que o poder absoluto for necessário para impor vontade, o PS irá usá-lo”.
Em reação, o PS defendeu-se. Em primeiro lugar, Carlos Pereira, deputado do PS, argumentou que “da mesma maneira que o PS respeita todas as minorias, exigimos que seja respeitada esta maioria” e rejeitou a ideia dos outros partidos de que “votar contra propostas da oposição é exercer poder absoluto”. Em segundo, Jamila Madeira, deputada do PS, quantificou em mais de 100 propostas as que foram aprovadas com o voto socialista, mas não referiu que muitas dessas alterações são do próprio PS.
Medidas do PS também têm custos orçamentais
Com uma maioria absoluta, o PS consegue fazer passar todas as propostas de alteração que entregou para modificar o OE2022 e também aí há medidas com impacto orçamental.
É o caso do congelamento de propinas, que implica uma perda potencial de receita para o Ensino Superior e obriga a maiores transferências do Orçamento, o alargamento do IRS Jovem, a criação de um novo apoio para a mobilidade de estudantes, a isenção de ISV para viaturas ucranianas e isenção do imposto de Selo para moratórias, entre outras medidas.
Na conferência de imprensa de apresentação das propostas, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, remeteu as contas sobre o impacto orçamental destas medidas para o próprio Governo uma vez que também dependem da regulamentação (no caso do novo apoio à mobilidade, por exemplo) e de dados que só a administração pública dispõe.
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