Greve ao trabalho extraordinário antecipa verão problemático na CP
Transportadora tem material parado à espera de ser reparado e problemas com o sistema de controlo de velocidade, com impacto nos serviços Alfa Pendular e Intercidades.
Entre esta sexta-feira e 30 de junho a CP vai enfrentar uma greve ao trabalho extraordinário e aos feriados. Mas este é apenas um dos problemas que a empresa ferroviária vai enfrentar ao longo deste verão, onde a procura de passageiros estrangeiros deverá chegar ao nível de 2019.
O verão de 2022 não será tão preocupante como o de 2018 – com supressões diárias no serviço regional – mas subsistem problemas que podem penalizar a oferta: défice de pessoal, material circulante parado à espera de ser reparado e avarias de sistema que podem atrasar os comboios Alfa Pendular e Intercidades.
Impacto das greves
A greve às horas extraordinárias, feriados e ao trabalho em dia de descanso semanal foi convocada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Setor Ferroviário, afeto à CGTP. Os trabalhadores exigem aumentos salariais imediatos e em linha com a taxa de inflação dos últimos meses – acima dos 0,9% aplicados logo no início do ano. Os funcionários também exigem a integração nos quadros de trabalhadores a prazo.
Sem serviços mínimos decretados, a paralisação pode penalizar a operação diária da CP: em 2021, as horas extraordinárias corresponderam a 10,3% do trabalho da empresa. Na área operacional e comercial, ligada aos maquinistas e revisores, a taxa foi de 14,2%.
Com a sexta vaga da Covid-19, há revisores que têm trabalhado várias semanas consecutivas para garantir que os comboios têm um elemento a bordo para verificar os bilhetes a bordo. Mas já houve situações limite, como na Linha do Algarve, em que a CP teve de suprimir comboios por não ter revisores. Com a greve iniciada esta sexta-feira, poderão suceder-se mais viagens canceladas nas próximas semanas.
Ao longo deste mês também os revisores vão fazer duas greves, de 24 horas, em 12 e 23 de junho, na véspera dos feriados municipais de Lisboa e Porto, respetivamente. A paralisação de 12 de junho vai afetar os serviços da transportadora a sul do Pombal; dia 23, o impacto será sobre as operações a norte do Pombal.
Défice de pessoal
A falta de funcionários é outro dos problemas habituais da transportadora e depende sobretudo de autorizações da tutela, a cargo dos ministérios das Infraestruturas e Habitação e das Finanças. No final de 2021, entre os 3.775 trabalhadores, 761 eram maquinistas e 629 eram revisores, indica ao ECO fonte oficial da CP. No entanto, 5% dos maquinistas e 10% dos revisores não estavam ao serviço “sobretudo por razões médicas”.
Tardam também as contratações: entre janeiro e maio, entraram 42 funcionários e saíram 43 da companhia ferroviária. O saldo é negativo e a empresa depende da “autorização de entradas por substituições de trabalhadores saídos e autorizações tutelares de reforço do efetivo”, embora sem detalhar números.
Enquanto a equipa não é reforçada, há menos pessoas disponíveis porque a empresa fica sujeita à “sazonalidade das férias de verão”, baixas médicas, acidentes de trabalho e isolamentos por Covid-19.
Material circulante à espera de rodas
Desde o final de 2019, as oficinas da CP recuperaram 57 unidades, entre locomotivas, automotoras e carruagens, que estavam anteriormente encostadas. As linhas de Sintra/Azambuja, Minho, Douro e Beira Baixa foram as principais beneficiadas deste esforço. Mas a transportadora está a ter dificuldades diárias nos serviços suburbanos.
No Grande Porto, a empresa tem sido obrigada a trocar de material em pelo menos três viagens por dia porque faltam rodados (o equivalente às rodas de um automóvel) para colocar nas automotoras elétricas da série 3400. A empresa justifica a situação com um “pico de trabalho” na oficina de rodados, situada no Entroncamento. A situação “está a ser resolvida gradualmente”.
Para não suprimir comboios e sem unidades de reserva, a CP tem trocado o comboio suburbano por automotoras elétricas do serviço regional (série 2240, também conhecida por Lili, na gíria ferroviária).
Para ter um número de lugares equivalente ao do material suburbano, a empresa tem de colocar duas unidades do serviço regional no lugar de uma automotora do serviço suburbano. Apesar de a oferta ser semelhante, a entrada e saída de passageiros demora mais tempo porque as “Lili” têm menos portas. A situação também dificulta um eventual reforço da oferta do serviço regional no norte do país.
Tarda ainda a conclusão do processo de homologação das carruagens Arco, compradas pela CP à congénere espanhola Renfe há dois anos e que já poderiam estar a reforçar a frota dos comboios interregionais e Intercidades. O processo está no balcão único da ERA [Agência Ferroviária da União Europeia].
Atrasos no Alfa Pendular e Intercidades
Os comboios de longo curso também não escapam aos problemas da CP. Quando avaria o mecanismo de apoio ao condutor Convel (controlo automático de velocidade), o Alfa Pendular e o Intercidades não podem circular a mais de 100 km/h. A situação tem ocorrido cada vez mais vezes e pode provocar atrasos substanciais – podem atingir uma hora.
As falhas no sistema eletrónico podem acontecer a qualquer momento e não há forma de as prevenir – porque o sistema foi descontinuado pelos canadianos da Bombardier. O equipamento é fundamental para a segurança a bordo. Por exemplo, se o comboio ultrapassar o sinal vermelho e o maquinista nada fizer é acionada automaticamente a frenagem.
O problema implica que os dois comboios circulem a metade da velocidade máxima: 220 km/h para as automotoras do Alfa Pendular e 200 km/h para as locomotivas elétricas da série 5600, que rebocam as carruagens do Intercidades.
Desenvolvido pelos canadianos da Bombardier, o sistema Convel começou a funcionar em Portugal em 1991, através da instalação das antenas (nos comboios) para ler a informação enviada pelas balizas (colocadas entre os carris).
O fim das avarias depende da entrada em funcionamento do módulo de transmissão STM. A solução será fundamental para uma verdadeira interoperabilidade na rede ferroviária nacional, que será uniformizada pelo sistema de gestão de tráfego europeu ERTMS.
Dívida por reestruturar
A CP vai passar mais um verão com passivo elevado. A transportadora apenas poderá reganhar a desejada autonomia caso seja concretizada a reestruturação de 80% da dívida histórica. Contudo, o ‘perdão’ de 1,815 mil milhões de euros depende da aprovação da Direção-Geral da Concorrência: Portugal terá que provar que a dívida que anulada é a que existia antes da liberalização do mercado, evitando uma ajuda de Estado.
Praticamente toda a dívida histórica da empresa foi contraída em décadas anteriores por suborçamentação do Estado e que obrigou a transportadora a aumentar o passivo.
Até lá, a empresa vai depender de dois ministérios: Infraestruturas e Habitação, para a parte mais operacional; Finanças, com a tutela financeira e o poder de autorizar compras de peças para as oficinas.
Resta saber se a transportadora ferroviária vai ter nervos de aço para suportar o primeiro verão depois da pandemia de Covid-19 sem defraudar os passageiros.
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