Macron vs Mélenchon, o novo duelo nas legislativas francesas
Os franceses votam para a Assembleia Nacional este domingo. As mais recentes sondagens dão motivos de preocupação ao partido de Macron, ameaçado pela coligação de esquerda liderada por Mélenchon.
Depois da reeleição de Emmanuel Macron para o Palácio do Eliseu em abril, os franceses regressam às urnas este domingo e a 19 de junho para elegerem os deputados da Assembleia Nacional. Ainda que a importância dada às legislativas em França não seja a mesma das presidenciais, há 577 lugares para ocupar no Parlamento, e uma maioria absoluta do partido liderado pelo Presidente francês não aparenta ser fácil de atingir, perante o desafio da “geringonça” criada pelo líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon.
O que mudou na política francesa desde as presidenciais de abril?
A primeira volta das eleições presidenciais de abril deixou Jean-Luc Mélenchon, que lidera o partido França Insubmissa, a uma escassa percentagem de disputar a segunda volta, cujo frente-a-frente foi entre o atual Presidente Macron e a líder do partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional, Marine Le Pen. Desde então, Mélenchon passou a apelar aos eleitores para o elegerem primeiro-ministro.
Para isso, procurou unir vários partidos da esquerda francesa numa coligação pré-eleitoral, numa tentativa de forçar o cenário de “coabitação” e impedir uma nova maioria absoluta do partido de Macron. Desenhou-se então a Nova União Popular Ecológica e Social (nupes), liderada pelo França Insubmissa, de Mélenchon, e que inclui os ecologistas do EELV, o Partido Comunista e o Partido Socialista.
Somando os resultados alcançados pelos candidatos destes quatro partidos na primeira volta das presidenciais, dá um total de 30,61%, acima dos 27,84% alcançados por Macron – mas o partido do Presidente francês também se juntou a outros partidos centristas. Como em França os deputados são eleitos por cada uma das 577 circunscrições num sistema a duas voltas, na prática, alianças pré-eleitorais dão mais hipóteses de vitória, ao retirar opositores.
O acordo firmado entre os quatro partidos que compõem a “geringonça” nupes prevê que os ecologistas concorram sem adversários à esquerda em 100 circunscrições (atualmente, não têm deputados), os socialistas em 70 (têm, de momento, 25 deputados), os comunistas em 50 (contam neste momento com dez deputados) e as restantes 357 terão candidatos do França Insubmissa, que na atual legislatura tem apenas 17 deputados.
O que dizem as sondagens?
Uma sondagem do IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública) mostrou pela primeira vez que o Renascença, novo nome do partido liderado por Macron, pode ficar aquém de uma maioria absoluta no Parlamento, o que pode complicar a sua agenda para o segundo mandato no Palácio do Eliseu.
Segundo a sondagem do IFOP, o Renascença ganharia entre 270 e 310 lugares na segunda volta, enquanto o nupes teria entre 170 a 205 lugares. Os Republicanos, da direita tradicional, obteriam entre 35 a 55 lugares e o Reagrupamento Nacional, partido da extrema-direita liderado por Le Pen, garantiria entre 20 e 50 lugares. Uma maioria absoluta no Parlamento francês requer um mínimo de 289 assentos.
Certo é que, na primeira volta dos círculos eleitorais dos franceses no estrangeiro, o Renascença, até há pouco tempo chamado República em Marcha!, ganhou o maior número de votos em oito das 11 regiões, enquanto a coligação nupes ficou à frente em duas regiões. Estes resultados apontam assim para um duelo entre os partidos de Macron e Mélenchon nas legislativas deste ano, com nove dos 11 círculos eleitorais a assistirem a uma segunda volta entre ambos.
O único candidato apoiado por Macron que não conseguiu ir à segunda volta foi Manuel Valls, antigo primeiro-ministro socialista, que concorreu no círculo eleitoral da Península Ibérica, abrangendo Espanha, Portugal, Andorra e Mónaco. O Presidente francês apoiou Valls e o seu candidato em 2017, Stéphane Vojetta, entrou na campanha como dissidente. Vojetta passou à segunda volta, na qual vai enfrentar o candidato de esquerda.
É possível um cenário de “coabitação”?
A “coabitação” é um cenário de partilha do poder em que o Presidente e o primeiro-ministro do país provêm de diferentes partidos políticos. Isto é, ocorre quando, após as eleições legislativas, a Assembleia Nacional é dominada por um partido que não o partido do Presidente francês.
Desde 1958, este cenário aconteceu apenas três vezes. As primeiras duas aconteceram sob a presidência socialista de François Mitterrand, tendo os primeiros-ministros conservadores Jacques Chirac e Édouard Balladur servido de 1986 a 1988 e de 1993 a 1995, respetivamente. O período mais recente de coabitação data de há 20 anos: em 1997, Jacques Chirac, na altura Presidente de França, dissolveu o Parlamento, pensando que poderia reforçar a sua maioria com novas eleições legislativas; no entanto, a esquerda conseguiu uma maioria e o socialista Lionel Jospin serviu como primeiro-ministro durante cinco anos, até 2002.
Durante os períodos de coabitação, o Presidente é obrigado a nomear um primeiro-ministro da nova maioria parlamentar, devendo ambos “coexistir” na governação do país. A situação torna-se desvantajosa para o chefe de Estado, que perde o poder de decisão sobre assuntos internos, uma vez que a maioria do partido do primeiro-ministro no Parlamento adere à sua própria agenda legislativa. O Presidente tem de partilhar prerrogativas com o chefe do Executivo e não pode obrigar este último a demitir-se, mas mantém o poder de dissolver o Parlamento e desencadear novas eleições legislativas.
Um conjunto de reformas que tem vindo a ser implementado desde 2002 tornou menos provável a coabitação, sobretudo o encurtar dos mandatos presidenciais para os cinco anos de mandato dos deputados, com as legislativas calendarizadas para se seguirem pouco depois das presidenciais. Apesar disso, a coabitação não é impossível, com a aliança de partidos de esquerda a mostrar frutos no desafio à maioria presidencial.
Como funciona a votação?
As legislativas em França disputam-se em duas voltas: a primeira tem lugar este domingo, dia 12, e a segunda daqui a uma semana, a 19 de junho. Contudo, 11 dos 577 lugares do Parlamento são eleitos pelos círculos eleitorais franceses no estrangeiro, que já foram às urnas na primeira volta, votando para a segunda volta a 18 e 19 deste mês.
No caso de um candidato obter a maioria absoluta na primeira volta, isto é, ter mais de 50% dos votos bem como 25% dos eleitores inscritos, é eleito sem necessidade de uma segunda volta. Trata-se, porém, de um cenário bastante raro: nas legislativas anteriores, em 2017, somente quatro deputados dos 577 eleitos ganharam o mandato de cinco anos diretamente na primeira volta.
Cada candidato que ganhar o apoio de pelo menos 12,5% dos eleitores registados pode avançar para a segunda volta. Se apenas um candidato atingir essa marca, o candidato com a pontuação mais alta seguinte é promovido para a segunda volta. Se nenhum candidato o conseguir, os dois mais votados avançam independentemente de não terem atingido o mínimo de 12,5% de votos.
Três dias após a segunda volta, em 22 de junho, a Assembleia Nacional recém-eleita toma posse para a 16.ª Legislatura da Quinta República Francesa. No dia 28 deste mês, os deputados elegem o presidente do Parlamento por voto secreto, enquanto as listas das oito comissões parlamentares permanentes, como os Negócios Estrangeiros, Assuntos Económicos e Defesa Nacional, são compostas no dia seguinte.
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