“Europa poderá tremer de frio e a economia irá ressentir-se” se Nord Stream não reabrir
Professores e consultoras frisam que o risco de o Nord Stream não reabrir pode comprometer stocks para o inverno, sendo que as alternativas em curso não são suficientes para colmatar os efeitos.
O principal gasoduto que faz a ligação da Rússia à Europa encontra-se encerrado para manutenção até ao próximo dia 21 de julho. Apesar de os motivos para a suspensão do fluxo de gás para a Alemanha serem técnicos, o risco de o Nord Stream não voltar a abrir preocupa os líderes mundiais, dado que, desde o início da guerra na Ucrânia, a Gazprom tem reduzido o abastecimento de gás para Berlim, pondo em causa os abastecimentos para o inverno e obrigando o bloco europeu a procurar por alternativas. “Os cenários previsíveis são, de facto, sombrios e de alguma forma pessimistas. A Europa poderá tremer de frio e a economia irá ressentir-se seguramente“, diz Rui Baptista, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) ao ECO/Capital Verde.
O fim das importações de gás proveniente da Rússia poderá ter graves consequências, nomeadamente levando a maior economia europeia a uma recessão — isto é, dois trimestres consecutivos de quebra do PIB em cadeia — e teria também repercussões em toda a Europa. De acordo com o cenário severo desenhado pela Comissão Europeia, contemplado no plano de emergência para julho, “Poupar gás para um inverno seguro”, um corte definitivo pode roubar 1,5% ao Produto Interno Bruto (PIB) europeu.
“Se for problema de manutenção, não há problema nenhum, o fluxo será reposto. Mas a verdade é que o Nord Stream é uma arma política da Rússia e por isso há um risco de não voltar reabrir nos próximos tempos“, alerta o professor de ambiente e energia Carlos Santos Silva, do departamento de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico (IST), ao ECO/Capital Verde
Além dos impactos económicos, a não reabertura da torneira de gás russo pode comprometer os abastecimentos para o inverno. Simulações da Comissão Europeia e dos operadores do sistema de gás mostram que um corte nas importações russas, em julho, significaria que as reservas da União Europeia ficariam preenchidas entre 65 a 71% no início de novembro, abaixo da meta de 80% necessária para o inverno. Isso indica uma lacuna de 30 mil milhões de metros cúbicos de gás (bcm, na sigla em inglês) num cenário de um inverno com temperaturas dentro da média e um fornecimento de gás natural liquefeito alto, sugerindo um risco muito alto de stocks vazios em vários Estados-membros já em abril de 2023, cita a Bloomberg.
Face ao risco elevado da torneira do gás não voltar a reabrir, os países europeus prepararam medidas que visam minimizar os impactos. Reativar centrais a carvão, é uma delas, mas o racionamento parece ser a opção mais popular entre os Estados-membros. “Será difícil não entrarmos num inverno com racionamento de consumo se o Nord Stream não abrir. Na Alemanha, em termos de abastecimento do gás, um terço vai para a indústria, quase metade é para o residencial, e uma parte significativa para a produção de eletricidade. Em termos de política energética, a prioridade é sempre as pessoas e depois a indústria. Isso ia matar a economia alemã“, frisa o professor do IST.
"Será difícil não entrarmos num inverno com racionamento de consumo se o Nord Stream não abrir. Em termos de política energética, a prioridade é sempre as pessoas e depois a indústria. Isso ia matar a economia alemã”
Na Alemanha, caso seja decretada situação de “emergência”, o regulador da energia poderá controlar a distribuição, e apesar de os serviços essenciais como os hospitais não serem afetados, os consumidores poderão ver limitada a utilização dos aquecedores e dos esquentadores, ao passo que indústria poderá ver o seu abastecimento de energia limitado. Recorde-se que há já alguns municípios alemães a racionar água quente, a diminuir a intensidade da iluminação pública e a encher piscinas com água mais fria.
Israel, Noruega e Sines podem ajudar… mas não será suficiente
A crise energética tem desempenhado um papel crucial no conflito armado na Ucrânia. A União Europeia consome aproximadamente 260 bcm de gás, importando da Rússia cerca de 40% desse total, ou seja, 155 bcm, refere Victor Moure, country manager Portugal da Schneider Electric ao ECO/Capital Verde, sendo, por isso, incerto que “a Europa seja capaz de garantir stock suficiente com a atual dependência do gás”. Mesmo que as alternativas já anunciadas, como o abastecimento da Noruega ou de Israel, sejam postas em curso.
Segundo Rui Baptista, o fornecimento de gás oriundo da Noruega via gasoduto aumentou mais de 8% só no primeiro semestre de 2022. E embora haja alguma flexibilidade técnica, “o aumento de produção e de escoamento não é um processo suficientemente elástico para aumentar de um dia para o outro a produção de volumes significativos de gás”, frisando que a produção em Oslo “não é suficiente para colmatar a redução do abastecimento da Rússia”. “Aliás, se fosse, não haveria toda esta preocupação sentida na União Europeia”, salienta.
O mesmo se aplica ao abastecimento de Israel, através do Egipto, que para o professor da FCUL também “não será relevante”, uma vez que a produção de gás israelita provém essencialmente de dois campos offshore (Leviathan e Tamar), estando em fase de arranque a produção a partir de um conjunto de pequenos campos (Karish, Karish North e Tanin). O campo Leviathan produz cerca de 12 bcm por ano e o de Tamar menos de 10 bcm, explica o responsável.
E mesmo que fosse considerado o aumento das importações de países como a Algéria, Catar ou a Nigéria, “existem limitações no transporte, na capacidade de recebe-lo no porto e o introduzir nos gasodutos”, diz Carlos Santos Silva. “A solução não pode ser só diversificar através de outras fontes de gás ou regiões. É preciso outro tipo de medidas“, sugere. E aumentar a capacidade de armazenamento em Portugal pode ser uma delas. Segundo o primeiro-ministro, está a ser montada, no Porto de Sines, uma operação de logística que aumenta a capacidade de transshipment [transbordo] para acelerar o fornecimento de gás natural aos países que dependem da Rússia, algo que, para Carlos Santos Silva “pode ter um impacto direto”, argumentando que “ao aumentarmos a nossa capacidade, estamos a aumentar a capacidade da Europa de receber gás de outras fontes”. No entanto, Rui Baptista acrescenta que a curto prazo, esta solução não será “compagináveis com às carências europeias”.
Mas para a Schneider Electric é evidente que o encerramento de gás russo abre portas para reforçar a aposta nas energias renováveis e em políticas de eficiência energética, sublinhando que “estamos a viver um novo paradigma onde a procura já não é a rainha do jogo, mas sim a oferta”, diz Victor Moure, country manager da consultora em Portugal. “O que temos a fazer é reconhecer com urgência a necessidade de investir na produção renovável local, tomar medidas para reduzir o consumo das indústrias e de edifícios terciários e residenciais, flexibilizar a rede para poder atuar sobre ela em tempo real e adaptar a oferta à procura com digitalização e eletrificação para reduzir as emissões de CO2″, enumera. Neste campo, também há oportunidades em Portugal, graças aos recursos hídricos, solares, eólicos tal como tem relembrado nos últimos dias António Costa.
“Portugal pode desempenhar um papel fundamental devido à sua posição geográfica e estratégica”, explica o responsável ao ECO/Capital Verde. “O número de horas de sol de que usufruímos torna-nos num aliado exportador de hidrogénio, uma vez que a infraestrutura de distribuição de gás já disponível pode ser utilizada para o transportar. Esta será, sem dúvida, uma aposta a médio prazo na qual temos de começar a trabalhar agora, se quisermos cumprir os objetivos de 2050″, salienta o responsável da Schneider Electric.
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